Em meio à pandemia do novo coronavírus, os brasileiros acompanham os contornos de outra crise, a política. Acusações de interferência do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) na Polícia Federal e suspeita de uma rede orquestrada para produção e distribuição de conteúdos falsos nas redes sociais, por exemplo, são alvos de inquéritos abertos no Supremo Tribunal Federal (STF). Nessas investigações, duas instituições apresentam posicionamentos: a Procuradoria-Geral da República (PGR) e a Advocacia-Geral da União (AGU). Apesar de essas siglas estarem mais presentes no vocabulário da população, nem todos sabem o que elas são e os papéis que desempenham nos processos.
Em linhas gerais, a AGU está ligada ao Poder Executivo e representa judicialmente e extrajudicialmente a União. Já a PGR é uma instituição independente, que defende os interesses da sociedade é a representação física do Ministério Público Federal (MPF). Em ambas, é preciso prestar concurso público para se tornar um membro. Já a escolha de suas chefias é feita pelo presidente da República, com trâmites distintos.
A Advocacia-Geral da União não é uma instituição independente e está ligada ao Poder Executivo federal. Ela representa a União e os interesses dela perante o Judiciário e também extrajudicialmente, como no Tribunal de Contas da União (TCU) que, apesar de ser denominado tribunal, não pertence ao Poder Judiciário.
"A AGU é como um advogado, como qualquer outro, mas um advogado público, que representa um ente público, no caso a República Federativa do Brasil. Ela atua principalmente em questões patrimoniais e também na defesa de interesses de órgãos da União. Se qualquer cidadão tiver um problema com o Dnit [Departamento Nacional de Infraestrutura e Transportes], por exemplo, e recorrer à Justiça por meio de um processo, quem vai advogar para o Dnit é a AGU", explica o especialista em Direito Constitucional e professor da Faculdade de Direito de Vitória (FDV) Caleb Salomão.
A AGU também presta consultoria e assessoramento às entidades da União e ao presidente. Contudo, ela não pode defender os interesses pessoais do chefe do Executivo, mas os interesses do cargo que ele representa.
Antes da Constituição de 1988, porém, não existia AGU e quem fazia o papel de defesa dos interesses da União era a Procuradoria-Geral da República, que na época era ligada ao Executivo. A instituição foi fundada em 11 de fevereiro de 1993, por meio de lei complementar.
"Isso gerava um problema muito sério. A PGR precisava fazer os dois papéis ao mesmo tempo. Era uma espécie de fiscal da lei e, ao mesmo tempo, um advogado da União. Isso tirava da PGR a sua característica mais importante: a independência", destaca o especialista em Direito Constitucional e professor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Ricardo Gueiros.
A AGU é composta por advogados da União, que atendem pela administração direta; procuradores da Fazenda Nacional, com competência restrita à matéria tributária; procuradores federais, que representam as autarquias e as fundações; procuradores do Banco Central, que atuam exclusivamente perante aquela instituição; e servidores administrativos, que auxiliam em todos os setores do órgão. O chefe é o advogado-geral da União.
Diferentemente da AGU, a Procuradoria-Geral da República possui independência dos Três Poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário), sendo a representação física do Ministério Público Federal (MPF). A PGR funciona como um fiscal da lei, protegendo os interesses da sociedade.
"Enquanto a PGR é o fiscalizador da lei (seja denunciando alguém por um crime praticado, seja tomando medidas para que uma lei federal seja aplicada), a AGU funciona como um verdadeiro advogado, um representante legal. Mas, como é um advogado público, representa um órgão público, que, no caso, é a União", acrescenta.
O Ministério Público Federal ingressa com ações em nome da sociedade, oferece denúncias criminais e deve ser ouvido em todos os processos em andamento na Justiça Federal que envolvam interesse público relevante, mesmo que não seja parte na ação.
A atuação do MPF ocorre perante o Supremo Tribunal Federal (STF), o Superior Tribunal de Justiça (STJ), o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), os tribunais regionais federais, os juízes federais e os juízes eleitorais, nos casos regulamentados pela Constituição e pelas leis federais. No Supremo, essa atuação cabe à PGR.
No Ministério Público Federal trabalham os procuradores da República. O procurador-geral da República é o chefe do Ministério Público Federal, ou seja, está hierarquicamente acima de todos os procuradores da República, embora os procuradores mantenham sua independência funcional.
Tanto na AGU quanto na PGR é preciso fazer concurso público para se tornar um membro. Mas a decisão de quem vai chefiar essas instituições cabe ao presidente da República.
No caso da AGU, não é necessário que a pessoa nomeada como advogado-geral da União seja membro da instituição. "A Constituição apenas prevê que o presidente da República fará uma escolha dentre cidadãos maiores de 35 anos, de notável saber jurídico e reputação ilibada. Há quem defenda que essa escolha deveria ser de um membro da Advocacia-Geral da União, mas isso não vem sendo aplicado", explica Gueiros.
Atualmente, o cargo de advogado-geral da União é ocupado por José Levi Mello do Amaral Júnior, que exercia a função de procurador-geral da Fazenda Nacional.
Já a escolha do procurador-geral da República é um pouco mais complexa e exige que ele seja membro do Ministério Público Federal para ser nomeado. Inicialmente, é realizada uma votação interna na PGR, que escolhe uma lista com três procuradores da República a chamada lista tríplice que precisam estar em atividade e ter mais de 35 anos. Essa lista é remetida ao presidente da República, que tem a responsabilidade de fazer a nomeação.
O presidente Jair Bolsonaro quebrou a tradição da lista tríplice no ano passado ao escolher Augusto Aras como chefe da Procuradoria-Geral da República. Ele não aparecia entre os nomes dos três procuradores mais votados pelos membros do MPF.
Antes da nomeação, Aras passou por uma sabatina no Senado e teve aprovação de seu nome, por meio de votação, para exercer a chefia da PGR por dois anos. O procedimento faz parte dos trâmites de nomeação do procurador-geral da República.
Tanto a AGU quanto a PGR possuem equivalentes no âmbito estadual. Nos Estados, quem representa os interesses do Executivo é a Procuradoria-Geral do Estado (PGE). Na chefia do Ministério Público Estadual (MPES) está o procurador-geral de Justiça.
Nos municípios, há a Procuradoria-Geral do Município. O Ministério Público, por meio de procuradores e promotores de Justiça, representa a sociedade tanto nos Estados quanto nos municípios.
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