As últimas 24 horas foram de escalada no conflito entre o presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), e os presidentes do Senado e da Câmara, Davi Alcolumbre (DEM-AP) e Rodrigo Maia (DEM-RJ), respectivamente. Após uma semana de derrotas no Legislativo, Bolsonaro deu entrevistas subindo o tom contra Alcolumbre e Maia, acusando-os de conspiração e de tentarem de tirá-lo do poder. Em um contragolpe, Alcolumbre nomeou um adversário do presidente para fazer a relatoria da medida provisória do contrato verde-amarelo, uma das principais propostas do governo para sair da crise econômica com o novo coronavírus.
O acirramento da disputa entre os Poderes é um convite a um rombo fiscal ainda maior do que a pandemia deve deixar para o país. Essa é a análise do cientista político e professor de Relações Internacionais da UNICAP-PE Thales Castro. Ele acredita que Maia entrou no jogo de Bolsonaro e articulou, por exemplo, o aumento dos recursos a serem enviados como socorro aos Estados como uma forma de dar um recado agressivo contra o poder Executivo. Para Castro, exagerar no benefício pode gerar um custo difícil de ser recomposto no futuro.
"É uma lógica de soma zero, em que o resultado é uma perda coletiva extremamente destrutiva. É uma retórica muito prejudicial que os dois assumiram e me parece que há demagogia e populismo dos dois lados. Bolsonaro tentando demonizar o Congresso e Maia dizendo que 'recebe pedras e devolve flores'. Isso não é verdade. Foi uma semana de uma série de pautas-bomba, quando o momento pede uma união nacional", analisa.
Um desses projetos foi o de socorro aos Estados e municípios, em que governo e Câmara divergiram do valor a ser enviado para os outros entes. Os deputados federais aprovaram uma medida que tem impacto de R$ 80 bilhões, em que a União suplementa a queda de receita de ICMS e ISS na arrecadação de prefeitos e governadores. Segundo cálculos da Câmara dos Deputados, a proposta encaminhada inicialmente pelo Executivo previa gastos na ordem de R$ 22 bilhões.
É de se salientar, também, que Bolsonaro partiu para o ataque a Maia no mesmo dia em que demitiu o então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandeta (DEM), e somou mais incertezas no atual cenário.
Enquanto o Parlamento altera projetos enviados pelo Executivo - o que é, registre-se, uma das prerrogativas do Legislativo - o presidente ameaça vetar as mudanças aprovadas. Além do socorro, o Legislativo também está pautado para votar a ampliação dos trabalhadores que poderão receber o auxílio emergencial de R$ 600, já aprovado pelo Congresso.
Outra proposta que gera aumento de gastos é a da criação do Programa Nacional de Apoio às Microempresas de Pequeno Porte (Pronampe) que abre crédito especial de R$ 13,6 bilhões para fortalecer micro e pequenas empesas durante a crise econômica provocada pelo coronavírus. O projeto é do Senado e está pautado na Câmara.
Em mais um capítulo da tensão, Alcolumbre entregou ao senador Rogério Carvalho (PT), nesta sexta-feira (17), a relatoria da medida provisória que cria o contrato verde-amarelo que flexibiliza encargos trabalhistas e coloca acordos coletivos acima de jurisprudência e súmulas do Tribunal Superior do Trabalho (TST). A medida é duramente criticada por sindicalistas e petistas.
Ao assumir o governo, o presidente Jair Bolsonaro rompeu com o presidencialismo de coalizão, que se estrutura a política brasileira e que foi instituída após a redemocratização. Neste sistema, o Executivo governa dividindo o poder e construindo aliança com outros partidos, de forma a construir uma base para aprovação de suas mensagens no Legislativo, como explica o doutor em Ciência Política e professor da Ufes Ueber de Oliveira. Para o especialista, o Parlamento age de maneira legítima ao tomar a frente das medidas de combate a pandemia.
"Maia e Alcolumbre, por mais que sejam merecedores de críticas, não têm levado tais arroubos autoritários e paranoicos de Bolsonaro em consideração na hora de aprovarem medidas de combate à pandemia. Um exemplo foi a célere aprovação da ajuda de custo aos trabalhadores informais e de baixa renda. Como políticos experimentados, ambos têm evitado politizar a questão, pois sabem que seja lá qual for o desfecho da atual crise, serão e duramente cobrados, afirma.
Em relação ao presidente da República, Oliveira acredita que Bolsonaro, ao optar pelo confronto e apostar em um modelo mais autoritário na tomada de decisões, sobretudo em relação à pandemia, cria uma instabilidade em seu cargo e se defende acusando seus críticos de quererem tirá-lo do poder.
Me parece que Bolsonaro não tem a mesma percepção de que será cobrado pela pandemia, pois continua a operar com vistas a agradar a sua base de apoiadores, em torno de 20% do eleitorado. Para ele, salvar um percentual mínimo de apoiadores e manter-se vivo já é o bastante. O problema é que esse intento pode custar pilhas de corpos, pondera.
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