As principais reivindicações dos moradores da Serra nas eleições municipais de 2020 mostram a complexidade da cidade mais populosa do Espírito Santo. Quem vencer a disputa deverá, a partir de 2021, atender às demandas de quase 530 mil habitantes, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de perfis diversificados e com problemas que variam de acordo com o lugar onde moram.
Mas, para além de uma população dividida entre preocupações com saúde e segurança pública, como mostrou pesquisa Ibope realizada em outubro, em que os moradores apontaram os dois temas como os mais problemáticos da cidade, outro fator chama a atenção no município: o interesse de idosos pela eleição versus a indiferença dos jovens em relação à votação deste domingo (15).
Na pesquisa Ibope, 24% dos jovens entre 16 e 24 anos disseram que estar indecisos se iriam votar em 2020. Por outro lado, 90% dos moradores com mais de 55 anos afirmam que vão às urnas neste domingo (15), mesmo pertencendo ao grupo do risco do coronavírus.
É o caso da professora Lola Junqueira, de 63 anos, que faz questão de acompanhar a movimentação política de Manguinhos. Apesar de morar há pouco tempo no bairro, ela tenta participar das reuniões com líderes comunitários, fazer denúncias pelas redes sociais e cobrar por melhorias no balneário. Só assim, segundo a idosa, consegue chamar a atenção do poder público.
Já a jovem Sabrina Braga, de 27 anos, evita falar do assunto. Para ela, são feitas muitas promessas durante as campanhas, mas nada muda. “Nunca estou de acordo com o que esses políticos fazem e do jeito que fazem. Nas vezes em que tentei expor meu ponto de vista, acabei travando guerras com meus amigos. Depois disso, nunca mais. Eu e minha mãe preferimos ficar de fora”, conta.
Em anos eleitorais, inclusive, Sabrina assume que pesquisa só superficialmente as propostas dos candidatos. Sua maior aliada para isso é a internet. Influenciada por outros membros da família, ela chegou a seguir a tradição do município de votar em Audifax Barcelos (Rede) ou Sérgio Vidigal (PDT) em eleições passadas, que se alternam no poder há 24 anos, conforme mostrado pelo colunista Vitor Vogas em A Gazeta.
“Na infância, sempre vi a minha família votar em um ou no outro. Quando algum deles não podia se reeleger, era engraçado, porque nem assim a minha mãe votava em um candidato mais desconhecido. Não procuravam novos nomes. Cresci assistindo isso, esse ciclo vicioso, então acabei até participando algumas vezes”, relembra.
UMA SÉRIE QUE JÁ DURA 24 TEMPORADAS
O revezamento de poder na cidade acontece desde 1997, quando Vidigal foi eleito pela primeira vez. De lá para cá, a principal cadeira do Executivo municipal só foi ocupada por ele – que tenta se eleger novamente neste ano – e por Audifax, atual prefeito que, por estar concluindo o segundo mandato consecutivo, não tenta a reeleição. Até o momento, o Ibope aponta que Vidigal lidera a disputa com 46% das intenções de voto.
“Dá para notar que os eleitores não estão querendo correr riscos. Essa nova política, na Serra, perde a vez para nomes tradicionais e experientes. Boa parte dos moradores opta por quem já mostrou serviço. Por sua vez, outra parcela está desacreditada e nem sequer vota”, explica o cientista político João Gualberto Vasconcellos, que cita essa tendência também nos municípios de Linhares e Cachoeiro de Itapemirim, diante das pesquisas já publicadas.
Com o crescimento imobiliário da região e a vinda de eleitores mais jovens para a cidade, Gualberto acredita que o desinteresse pode se intensificar. Isso porque, por não se verem como parte da política local, os novos moradores acabam deixando algumas reivindicações de lado. “Depois de um tempo, no entanto, a pressão do cotidiano muda isso. Todos passam por problemas no trânsito, com a criminalidade… Ou seja, não conseguem ficar omissos com algo que os impacta diretamente”, explica.
Apenas em 2016, a Serra recebeu cerca de oito mil novos moradores, conforme estimativa do IBGE. Entre os principais motivos desse salto no município, estão a grande extensão territorial, a qualidade de vida e o preço acessível dos imóveis. A cidade ganhou vários complexos residenciais nos últimos anos, tanto em bairros periféricos quanto nos de maior poder aquisitivo.
Ronaldo Ferreira, de 32 anos, é um desses recém-chegados que prefere manter distância do assunto. Nascido em Mucuri, na Bahia, ele já reside no Espírito Santo há oito anos. Assim que viu uma oportunidade, resolveu comprar a primeira casa própria em São Diogo I, há dois anos.
Hoje, ele e a mãe moram no bairro e julgam ter um melhor estilo de vida. O baiano conta, no entanto, que não pretende ir às urnas pelos próximos anos. Manteve o título de eleitor na cidade natal e, agora, opta apenas por justificar o voto.
Desde que chegou ao Estado, Ronaldo abriu mão das últimas quatro eleições, incluindo as presidenciais. “Eu não tenho raiva desses vereadores e prefeitos, mas o olho do homem cresce quando vê muito dinheiro”, diz, explicando o motivo da falta de engajamento.
PROBLEMAS COMUNS
Apesar de divergirem no interesse por política, os moradores mais jovens e os serranos mais velhos têm nesta eleição um ponto em comum: a preocupação com os problemas da saúde pública.
Segundo o Ibope, o tema é a maior preocupação de mais da metade dos eleitores da Serra, com 57% das menções dos entrevistados em outubro, quase empatado com a segurança pública (56%). Moradores com maior renda encaram a segurança como a área mais problemática, enquanto a saúde preocupa mais quem recebe até um salário mínimo por mês.
Além disso, a saúde preocupa mais entre os que possuem apenas o ensino fundamental (59%) do que entre os que cursaram a faculdade (51%). No grupo de pessoas que ganha até um salário mínimo, 63% afirmam que esta é a área mais problemática. A preocupação atinge 53% daqueles que têm renda superior a dois salários mínimos.
Moradores de Feu Rosa, Gleidson Silva, 39 anos, e Alice Araújo, 40 anos, vivenciaram as muitas transformações pelas quais o bairro passou. O casal de autônomos mora há 38 anos no local.
Dentre as mudanças percebidas, os dois afirmam que a instalação de equipamentos públicos, como unidades de saúde e escolas, acompanhou o crescimento do bairro, mas a qualidade nos serviços, na opinião do casal, deixa a desejar. “Nós temos uma Unidade de Saúde aqui no bairro que é importante. Mas nem sempre funciona como deveria. Eu já tive dificuldade de marcar consulta e pegar remédio”, aponta Alice.
A fala é seguida pelo desabafo do marido com relação à alternância de mandatos entre Audifax e Vidigal. “Entra um e sai outro, e as coisas não mudam. Um vem faz um pouco, deixa a desejar; outro vem, faz e deixa a desejar. Eu acho que não deveria ter reeleição, sabe?”, opina Gleidson.
O sogro de Gleidson, José Erasmo do Carmo, 65 anos, pensa diferente. Ceará, como é conhecido pelos moradores do bairro, faz questão de votar, porque acha o processo democrático importante para o futuro do bairro e do município. “Feu Rosa mudou muito e para melhor. A tendência é melhorar mais”, afirma.
José Erasmo do Carmo, 65 anos
Comerciante
"Hoje, isso aqui [Feu Rosa] é uma beleza e tem o esforço de cada um que votou, de quem fez a sua parte escolhendo um representante. Eu faço questão de votar"
ESTRUTURA DE SAÚDE PÚBLICA
Sobre as questões levantadas pelos moradores, a Prefeitura da Serra informa que Feu Rosa, São Diogo e Manguinhos contam com Unidade Regional e Básica de Saúde. As regiões de Feu Rosa e Manguinhos também são atendidas pela Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Castelândia. Já os moradores de São Diogo podem se consultar na UPA de Carapina.
Em nota, a gestão municipal explica ainda que, para atendimento de saúde do idoso, oferece o Programa de Orientação ao Exercício Físico e Orientação Nutricional (Proef/Nutrição), que atua nas 38 unidades de saúde, com cerca de 4 mil alunos cadastrados e 20 mil atendimentos por mês. Todas elas também são monitoradas e orientadas pela Referência Técnica de Saúde do Idoso.
Sobre a falta de medicamentos e o agendamento de consultas, a prefeitura garante que o quadro de profissionais está completo e as consultas são agendadas de acordo com a necessidade de cada paciente. Segundo o município, não há demora para as consultas básicas. Já com relação aos medicamentos, a nota diz que o índice de abastecimento está em 96%, acima do recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que é de 80%.
DIFERENTES PONTOS DE VISTAS SOBRE SEGURANÇA
A segurança pública aparece como principal desafio da Serra para 56% dos moradores. Em 2017, Serra estava entre as 30 cidades mais violentas do país, de acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Em 2019, o índice caiu, chegando a 978 mortes, o menor número de homicídios dos últimos 25 anos.
No entanto, em 2020, os números voltaram a crescer. Até setembro, foram registrados 129 homicídios na cidade, um aumento de 24,03% em relação ao mesmo período do ano passado.
O bairro com o maior número de registros é Feu Rosa, com um total de 19 ocorrências neste ano, de acordo com dados da Secretaria de Estado da Segurança Pública e Defesa Social (Sesp).
Na região, que teve sua ocupação iniciada na década de 1980, abrigando sobreviventes do deslizamento de terras ocorrido no Morro do Macaco, em Vitória, mora Sizenandia Lopes Guimarães. Ela fixou residência em Feu Rosa há 35 anos, quando sua mãe - uma das sobreviventes da tragédia que deixou 40 mortos, 150 feridos e mais de 600 famílias desabrigadas - foi morar no local.
Aposentada, com 67 anos de idade e mãe de três filhos, Sizenandia também afirma exercer o seu direito de voto nas eleições deste ano, mesmo com a pandemia. “Essa pandemia eu vejo com cuidado e percebo que a propagação é devido à teimosia de muitas pessoas. Eu fico longe de aglomeração, me cuido, mas vou votar sim. Eu acredito na política como mudança da nossa realidade e não deixo de votar”, afirma.
Mesmo tendo perdido o filho mais velho assassinado, há 20 anos, na praça mais antiga de Feu Rosa, a idosa não acredita que o bairro ofereça tantos riscos para a população. Segundo a moradora, a falta de segurança pública não é exclusividade da Serra, tampouco do Estado, e o local é um ambiente tranquilo de se viver.
“O que fizeram com Feu Rosa foi criar um mito de que o bairro é perigoso. Perigo a gente tem em todo lugar. O Rio de Janeiro é o local mais perigoso do planeta e todo dia recebe turista do mundo todo. Feu Rosa não é assim, não", defende. Para ela, o que aconteceu com a sua família foi uma fatalidade, "que poderia acontecer em qualquer lugar".
ASSALTOS E ARROMBAMENTOS
Enquanto os homicídios são o crime que mais preocupa em Feu Rosa, são outros os tipos de violência mais registrados em Manguinhos. Entre os principais problemas, como afirma a estudante Luciana Rodrigues, 25, estão os assaltos à mão armada e os arrombamentos às residências, que costumam ficar ocupadas só em datas festivas. “A Guarda Municipal fica parada na entrada do balneário. Não existem rondas. Pelo polo turístico que é, esperávamos um efetivo de 24h”, reclama.
Somente no ano passado, segundo dados da Sesp, foram 27 furtos em residências do balneário, além de 72 roubos em vias públicas.
Luciana relata, ainda, que o problema dos arrombamentos é antigo. Na opinião da moradora, o efetivo, embora armado, não consegue inibir os criminosos. “Perto da minha casa, acho que foram mais de 10 arrombamentos em 2019”, relembra.
Uma das suas vizinhas teve a casa invadida por dois criminosos em novembro. Ninguém ficou ferido.
Os assaltos também preocupam moradores da região de São Diogo, em especial os comerciantes. Segundo eles, devido à falta de policiamento e à pouca iluminação nas ruas, vários estabelecimentos acabam virando alvo de criminosos. Foi o que aconteceu com o casal Denair Daude, de 56 anos, e Lázaro Pereira, de 62, que possui um açougue no bairro há nove anos. Em 2016, durante um assalto ao estabelecimento deles, um suspeito foi baleado e morreu no local. “Logo depois do tiroteio, eu entrei e não sabia o que tinha acontecido. Dei de cara com toda aquela cena. Foi desesperador”, relembra Denair.
Atualmente, de acordo com os comerciantes, são registrados entre três e quatro assaltos por semana no bairro. Sem esperanças de que as coisas vão melhorar quando as eleições terminarem, Lázaro diz que também vai anular o seu voto. “A gente relata e não resolve absolutamente nada!”, desabafa.
Segundo dados da Sesp, em 2019, foram registrados 36 furtos e roubos a estabelecimentos comerciais do bairro São Diogo. Já em 2020, até agora, foram 12. No entanto, a comerciante Renilda Araújo, de 59 anos, afirma que opta por não registrar boletim de ocorrência. “Quando a gente é assaltado e chama [a polícia] demora muito para vir, porque eles fazem muitas perguntas. Então eu deixei de ligar, sinceramente. Não estou fazendo mais boletim, não estou fazendo nada”, destaca Renilda que, em suas contas, já teve o seu comércio assaltado mais de 30 vezes em 12 anos.
Sobre o efetivo da Guarda Municipal, a Prefeitura da Serra informa que o município tem 170 guardas armados para atuar na fiscalização dos 129 bairros. Sobre as ações na área da Segurança Pública, a administração explica que Feu Rosa está na rota das operações integradas realizadas pelas equipes da fiscalização municipal, em conjunto com a Guarda Civil Municipal e a Polícia Militar (PM).
* Daniel Reis, Maria Fernanda Conti e Mônica Moreira são alunos do 23º Curso de Residência em Jornalismo da Rede Gazeta e foram supervisionados pela jornalista Ana Laura Nahas.
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