Há 40 anos, Ronaldo Gonçalves de Sousa foi aprovado no concurso para se tornar juiz no Espírito Santo. Antes disso, já havia sido bancário, advogado e travado amizades que duram até hoje na turma em que se formou na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Gosta de lembrar que é o juiz que mais fez júris no Espírito Santo (1,5 mil, segundo ele) e de cantar músicas românticas em italiano. Tudo sem abrir mão do indefectível bigode.
Nesta quinta-feira (12), Sousa, que é desembargador desde 2005, assume a presidência do Tribunal de Justiça (TJES) e deve lidar com temas menos áridos (espera-se) do que aqueles com que estava acostumado quando era juiz criminal. Mas também deve enfrentar diversos desafios. Um deles é a polêmica sobre a integração de comarcas no Estado.
O Espírito Santo tem 78 municípios e 69 comarcas, ou seja, nem todas as cidades contam com um juiz, um promotor do Ministério Público e servidores dedicados apenas àquela localidade. As cidades, no entanto, têm, por óbvio, um número de habitantes diverso. E o mesmo vale para o número de processos em tramitação. Poderia não valer a pena, economicamente falando, manter todas as comarcas em funcionamento. E o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) já determinou que o TJES analise essa possibilidade, o que está sendo feito.
Mas vai ter integração de comarcas?
Mas, de acordo com ele, essa integração poderia não ser definitiva.
O desembargador também falou sobre a possibilidade de concessão de reajuste para servidores - mencionou cautela - , aposentadoria compulsória como punição para magistrados, e o que considera o maior problema do Judiciário: o excesso de processos.
Sousa já afirmou, em outubro, quando eleito, que não há previsão para realização de concursos.
A situação do Tribunal não é das melhores. Estamos por pouco para bater nos 6% (de acordo com o Tribunal de Contas, a despesa com pessoal do TJES correspondeu a 5,35% da Receita Corrente Líquida do Estado entre novembro de 2018 e outubro de 2019. O máximo permitido pela Lei de Responsabilidade Fiscal são 6%). Nosso presidente Sérgio Gama evitou, através de medidas econômicas, que chegássemos aos 6%. E será nossa meta também.
Vou analisar com toda a equipe econômica do tribunal sobre a viabilidade da concessão desse reajuste que os Poderes Executivo, Legislativo e o Ministério Público concederam. Mas por enquanto vou manter um pouco de cautela. Bem provável (ser algo para o ano que vem).
Existe uma comissão do Tribunal responsável pelo estudo dessa integração de comarcas. É uma medida até um pouco Que desagrada a muitos prefeitos, vereadores e deputados, mas essa situação já foi realizada pelo nosso TRE (Tribunal Regional Eleitoral) por determinação do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), inclusive em Vitória. Nós tínhamos três zonas eleitorais e hoje só temos duas. E o CNJ também está sinalizando através de resoluções para que municípios com poucos processos sejam extintos (as comarcas). Isso até o presidente da República quer fazer, que municípios com menos de cinco mil habitantes sejam extintos. A ideia da integração de comarcas não é extinção, é uma ideia para fazer-se provisoriamente para equilibrar as contas do Judiciário. Tem como pano de fundo a economia. Mas como eu disse, se isso acontecer é uma coisa provisória. Definitivo seria a extinção da comarca.
Exatamente. Por um período determinado.
Pelos estudos, a integração, aparentemente, não necessitaria do aval da Assembleia Legislativa. Mas a extinção, sim. Elas (as comarcas) foram criadas através de lei.
Os estudos continuam sendo realizados. Vou apreciar. Se houver necessidade de enxugamento financeiro do nosso Judiciário, vou ter que lançar mão desta medida.
A comissão não apresentou o final dos estudos. Houve uma especulação aí, mas nada foi aprovado pelo Tribunal.
Eu entendo que em segunda instância já deveria ser necessária a prisão dos réus condenados. Até porque nós temos nos nossos códigos um número excessivo de recursos que faz com que muitas vezes uma decisão prolatada lá pelo juiz do interiorzinho demore 20 anos para ser transitada em julgado. Agora, o culpado disso tudo não é o Judiciário. Quem faz a lei? É o Congresso. E quem chancela é o Executivo, o presidente.
A audiência de custódia foi uma forma encontrada, inclusive pelo CNJ, de esvaziamento das nossas prisões. Deveríamos atacar o problema da violência lá na origem, com uma boa educação, saúde para o povo e emprego. Se isso não é atacado a violência tende cada vez mais a aumentar. Daqui a pouco teremos mais prisões do que casas no Brasil. Minha opinião é o Estado investir mais em educação, saúde e emprego, seria a forma melhor de esvaziar nossas prisões.
Quando estudei no grupo escolar Padre Anchieta, em Jucutuquara, nós tínhamos 23 municípios e, bem provável, 18 comarcas. Hoje nós temos 78 municípios e 69 comarcas. Ou seja, houve um inchaço. Como se não bastasse, a Constituição de 1988 veio com um instituto chamado dano moral. Quando eu era criança, só ouvia falar que acontecia nos Estados Unidos. E isso encharcou de processos o nosso Judiciário. Hoje, de um universo aproximado de 100 milhões de processos que tramitam no Brasil, quase 70 milhões são de dano moral. Excesso de Judicialização é o maior problema do Brasil. Já estamos procurando alternativas para a minoração disso. As conciliações que estamos fazendo, as audiências de custódia porque quanto mais acelerar menos processos vamos tendo.
A informatização, é. O processo judicial no segundo grau, no tocante a agravo de instrumento, foi inaugurado pelo presidente Sérgio Gama. É o primeiro passo para que o nosso tribunal possa, no futuro, ser totalmente informatizado. E é uma das minhas metas. Mas o custo disso é caro, computador, impressora, pessoal qualificado na nossa TI, nosso setor de tecnologia de informação. Sou da era da máquina de escrever, mas já estou me adaptando e tenho consciência plena de que o Processo Judicial Eletrônico é uma ferramenta que vai ajudar muito a diminuir o número de processos. Se continuarmos assim, cada vez mais vamos ter que aumentar a despesa do tribunal com número de juízes, funcionários, numa situação que parece que não vai acabar. E não temos dinheiro para fazer isso. A mídia e o povo não estão conscientes da real situação do Judiciário. Por que o processo judicial demora tanto? Excesso de processos. O maior cliente do Judiciário é o Estado: União, Estados e municípios.
Um magistrado que passou 15 anos sendo descontado do seu salário e que por um deslize perde o seu cargo, esse dinheiro que ele pagou para ter a aposentadoria deveria voltar para ele com juros e correção monetária. E muitas vezes esse valor pode ultrapassar até a aposentadoria que ele recebe (o valor da aposentadoria compulsória como punição disciplinar é proporcional ao tempo de serviço). É como se minha cara jornalista tivesse uma poupança durante 20 anos e de repente o governo falasse assim: sua poupança agora é minha porque você cometeu um crime. Seria correto?
Sim. Ele pagou por aquilo. O que ele cometeu foi dali para frente. Então ele vai ter direito até aquilo. A pena de perda de cargo é uma pena muito árdua para um magistrado, e atinge não só o magistrado, mas a família dele, todo mundo. E é proporcional ao tempo de serviço, ele não vai receber integral. E agora tem a reforma, não sabemos como vai ficar. O percentual vai passar de 11% para 14% (o desconto no salário para contribuição à Previdência). O salário de magistrado, imagine só, com quase 30% de Imposto de Renda que a gente paga, descontado na fonte, quase a metade do nosso salário vai sair das nossas mãos. E a imprensa quando fala só fala nosso salário bruto. O que a gente recebe no final é muito pouco. E não tem só isso, nós também pagamos associações, como a Amages (Associação dos Magistrados do Espírito Santo) e a AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros).
De Jucutuquara, em Vitória, Ronaldo Gonçalves de Sousa cogitou prestar concurso para o Itamaraty, para seguir a carreira de diplomata, mas mudou de ideia e ingressou mesmo na magistratura. Foi aprovado em 1979 e assumiu como juiz substituto em 1980.
Em 2005, tornou-se desembargador do TJES, promovido pelo critério de antiguidade. Assumiu a cadeira deixada pelo desembargador Paulo Nicola Copolillo, que se aposentou.
É o quinto presidente do Tribunal que tem origem numa mesma turma de Direito da Ufes, a de 1972. Os outros foram: Jorge Goes Coutinho (já aposentado), Manoel Alves Rabelo, Adalto Dias Tristão e Annibal de Rezende Lima.
Aos 72 anos, Sousa sucede Sérgio Luiz Teixeira Gama no comando do Judiciário estadual.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta