Mais da metade da população brasileira — e também dos que residem no Espírito Santo — é negra. Contudo, ocupar os espaços de liderança e de poder ainda não faz parte da realidade para a maioria dos pretos e pardos. E, nas Eleições 2022, esse retrato da baixa representatividade não é diferente: menos de 5% dos candidatos que se declararam negros tiveram sucesso na disputa.
É verdade que o índice vem aumentando desde as eleições gerais de 2014, ano em que se tornou obrigatório ao candidato declarar a cor ou raça. Mas o indicador sobe muito lentamente e ainda reforça a sub-representatividade dessa parcela da população.
Naquela disputa, dos 350 que afirmaram ser pretos ou pardos, apenas 13 se elegeram, o equivalente a 3,71% do grupo. Em 2018, foram 422 concorreram e 16 ganharam, isto é, 3,79%. Agora, em 2022, foram 399 negros em busca de um mandato eletivo e apenas 19 foram bem-sucedidos, ou seja, 4,76%.
“É importante que a população negra participe desse espaço de decisão. É a política que decide nossas vidas e também o destino dos recursos e políticas públicas", pontuou Patrícia Rufino, professora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) na área de Educação, Política e Sociedade.
Para ela, vivenciamos uma cultura em que ainda existe forte resistência à inclusão de negros nos espaços de poder e mudar essa realidade passa necessariamente pela educação.
Opinião semelhante à de Osvaldo Martins de Oliveira, professor do Departamento de Ciências Sociais e coordenador do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros da Ufes, que ressalta a importância do processo educacional e de valorização da identidade de pretos e pardos, mas defende ainda outras estratégias a mais curto prazo.
Também doutor em Antropologia Social, Oliveira avalia que, para candidaturas pretas e pardas avançarem, é preciso articulação para além do movimento negro, ampliando suas próprias redes de modo a alcançar outros públicos.
O professor se mira nas campanhas vitoriosas de Jackeline Rocha (PT), que se tornou a primeira mulher negra eleita para a Câmara Federal, e de Camila Valadão (Psol), a deputada estadual mais bem votada do Espírito Santo. Oliveira reconhece nas duas candidaturas bem-sucedidas essa atuação que extrapola o campo dos grupos identitários e chega a outros espaços.
Vale ressaltar que Jackeline e Camila conseguiram romper também outra discrepância do cenário político, que é a presença reduzida de mulheres nos cargos eletivos, embora o público feminino represente a maioria do eleitorado.
Ainda no critério de cor e raça, Oliveira observa outras questões que atravessam o elemento político no momento de escolher um candidato, a exemplo de como a religião tem se apresentado fortemente a cada eleição.
"Estão 'encabestrando' o voto para outros interesses. Nessas eleições, tentam captar o voto por interesses religiosos, moralistas, que são também econômicos. Quanto mais seguidores em uma instituição religiosa, o líder tem não apenas recursos humanos, mas também mais dinheiro com o dízimo e, em votos, no período de eleições. Constroem um inimigo visível — ou invisível — afirmando que, se votar em 'fulano', a religião está ameaçada, a família está ameaçada. Grande percentual da população negra está encurralada nessa dimensão", constata.
Isso porque a maioria dos negros reside nas periferias, região em que muitas vezes é a igreja que faz o papel do poder público. Assim, as lideranças religiosas conseguem seguidores fiéis, seja para "as coisas de Deus", seja para as da política.
"Há sempre um jogo de interesses por trás desse embate político. Dependendo de onde o candidato negro está posicionado, pode angariar votos, mas pode perder também. Tivemos, por exemplo, candidatos ligados às religiões de matriz africana, mas há um preconceito grande a essas tradições. Ao mesmo tempo em que ganha votos de um lado, de quem está ligado a esse segmento, perde de outro", destaca o professor.
A identificação racial acontece por autodeclaração e muitas vezes feita pelo próprio partido ou por assessores, fazendo com que os dados oficiais sejam contestados por conta de irregularidades. Há também casos de candidatos que buscavam a reeleição e mudaram a declaração de cor. É o caso do deputado federal, Evair de Melo (PP), que se declarou pardo nas Eleições 2022, mas em 2014 e 2018 se declarou branco.
A reportagem entrou em contato com o deputado para que ele se pronunciasse sobre a mudança na autodeclaração, mas até a publicação da matéria, ele não enviou resposta.
Em agosto, A Gazeta publicou uma reportagem mostrando que, na época, quase 40 candidatos do Estado haviam mudado a declaração de cor ou raça para as eleições de 2022. Dos 168 candidatos que participaram da votação em 2018, 37 “mudaram de cor”. Deles, 12 deixaram de ser brancos e se autodeclararam pardos, pretos ou indígenas. Os outros 25 fizeram o caminho contrário.
Desde 2020, os partidos são obrigados a financiar campanhas de candidatos pretos e pardos de forma proporcional ao número de candidatos autodeclarados dessa forma. Isso significa, por exemplo, que se o partido tiver 10% de candidatos negros (soma de pretos e pardos, segundo classificação do IBGE), 10% dos recursos têm que ser destinados a eles.
A novidade deste ano é que, para o cálculo do fundo partidário, a emenda constitucional 111/2019 estabeleceu que os votos dados a candidatos negros para a Câmara dos Deputados deverão ser contados em dobro.
Assim, partidos com mais votos para candidatos que se autodeclaram pretos e pardos poderão ter acesso a uma parcela maior dos recursos.
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