A crise causada pelo novo coronavírus tem afetado de forma mais dramática a vida das mulheres. Elas estão mais sujeitas à redução da atividade econômica, à sobrecarga de trabalho doméstico e, no caso das que são mães, ao encargo adicional do cuidado dos filhos. Para além dos efeitos econômicos e sociais, a pandemia também pode prejudicar a presença feminina nas eleições municipais em novembro deste ano. Para mulheres que já atuam no campo político, há um temor que o número de candidatas diminua neste pleito.
A presença da mulher na política é historicamente e significativamente mais baixa em relação à do homem. No Espírito Santo, na última eleição municipal em 2016, apenas quatro dos 78 municípios elegeram prefeitas. Nas Câmaras Municipais, o cenário não é diferente. É só observar nos Legislativos das quatro maiores cidades da Região Metropolitana de Vitória. Hoje, Serra, Vitória, Vila Velha e Cariacica possuem 74 vereadores, mas apenas sete são mulheres.
Segundo a especialista em Direito Eleitoral, Gabriela Rollemberg, a baixa representatividade pode ser explicada por uma série de fatores, desde culturais, que reforçam a ideia de que mulheres não se interessam por política, até econômicos e sociais.
"A política é uma arena que não é conhecida pelas mulheres no geral, elas não são incentivadas a participar. Isso passa muito pelos conceitos de patriarcado e pelo estereótipo de gêneros. Muitas mulheres não se veem como capazes de assumir a política. Para aquelas que conseguem fazer parte desse espaço, a gente vê tanto uma dificuldade de vencer as barreiras dentro dos partidos quanto de abrir mão da profissão para se dedicar a uma eleição. É um desafio para nós trazer mulheres para a política, principalmente aquelas de baixa renda, e eu acredito que isso pode ser ainda mais complicado na situação atual, já que muitas perderam seus empregos", disse.
Gabriela é co-fundadora do grupo Elas Pedem Vista, que tem como objetivo auxiliar juridicamente mulheres. Nesta quinta-feira (23), ela comandará a live "Participação feminina na política em tempos de pandemia", promovida pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). O debate contará com a participação da vice-governadora do Espírito Santo, Jaqueline Moraes (PSB), e de outras mulheres que atuam na política do país.
No Espírito Santo, Jaqueline tem conduzido um trabalho, desde o ano passado, para o fortalecimento de candidaturas femininas por meio de capacitações para mulheres que têm interesse em participar da política.
"Vejo que tenho muita responsabilidade nisso, por ser uma mulher que chegou ao cargo de vice-governadora. A construção de políticas afirmativas começa assim, passa pela representatividade. As meninas negras, da periferia, as mulheres pobres precisam ver uma mulher atuar, porque isso incentiva e faz diferença na vida delas", afirmou.
Com a pandemia, as atividades foram paralisadas e estão sendo adaptadas para o ambiente virtual. Com isso, grupos de mulheres têm se mobilizado nas redes sociais para auxiliar pré-candidatas a se prepararem. Jaqueline teme, contudo, que a crise atual acabe prejudicando o número de mulheres candidatas e até mesmo a preparação delas.
"A gente sabe que há uma série de impactos acontecendo na vida das mulheres durante a pandemia, o aumento da violência, do desemprego, a sobrecarga mental e física dentro de casa com trabalhos domésticos e filhos. Elas já estão extremamente sobrecarregadas e atuar na política seria mais uma responsabilidade."
Um dos vieses que a vice-governadora tem atuado no Estado é no combate a candidaturas laranjas para compor a cota de gênero dos partidos. A legislação eleitoral exige que os partidos respeitem o percentual mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo. A divisão de dinheiro do Fundo Eleitoral acessado pelos partidos, composto por dinheiro público, deve seguir a mesma proporção.
Em geral, às vésperas do pleito, muitos partidos saem à cata de mulheres para fazer figuração na cota mínima. Em 2018, conforme revelado por reportagem de A Gazeta, muitas candidatas disseram ter sido usadas pelas legendas para compor a porcentagem de 30%. Nas urnas, elas tiveram pouco ou nenhum voto.
Para Gabriela Rollemberg, o uso de candidatas laranjas nas eleições agrava a baixa representatividade que a mulher tem na política e prejudica a formação de líderes mulheres. Ela acredita que, nos últimos anos, a fiscalização tem sido maior, mas teme que a pandemia também interfira nessa questão.
"Com menos mulheres interessadas em participar ativamente das eleições, seja porque perderam o emprego ou porque já estão muito sobrecarregadas, pode haver uma possível queda de candidaturas femininas. E ao ter que cumprir esse mínimo de 30%, os partidos podem buscar ainda mais essas candidatas laranjas. É importante que a gente cobre fiscalização e não permita que esse direito seja usado para uma fraude. Nenhuma conquista será obtida dessa forma", finalizou.
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