As pesquisas eleitorais são importantes tanto para os candidatos quanto para os eleitores, pois revelam as tendências políticas no local pesquisado e a opinião pública sobre os concorrentes aos cargos. Os estudos também conseguem observar as reações às campanhas e aos debates, e até as repercussões de acontecimentos diários ou extraordinários.
Como explica a CEO do instituto Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica (Ipec), Márcia Cavallari, a pesquisa é capaz de contar a história da eleição, pois mostra os humores dos entrevistados — eleitores — ao longo da campanha eleitoral. “O eleitor é colocado na situação de escolher (o candidato) no momento. Isso não quer dizer que essa opinião declarada vai permanecer a mesma até a data da votação. Entre esses dois períodos acontecem muitas coisas, inclusive nas campanhas dos candidatos”, esclarece a especialista.
Para alcançar resultados satisfatórios e que reflitam a realidade local e momentânea, a obtenção dos dados é feita de forma cautelosa e leva em consideração muitas variáveis. Por isso, é importante conhecer a ciência por trás das pesquisas, que envolve questionários, amostras, metodologias, estatísticas, históricos dos institutos. E, mais do que isso, também é essencial compreender como as respostas dos eleitores são compiladas e se transformam em resultados quantitativos.
Por isso, A Gazeta conversou com três especialistas para tirar as principais dúvidas que podem surgir na hora de analisar uma pesquisa eleitoral divulgada. Vale lembrar que é possível verificar dados que indicam a qualidade e a confiabilidade dos estudos no site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), onde são registradas as pesquisas realizadas.
O QUE É INTENÇÃO DE VOTO?
De acordo com Rogério Espíndola, professor da COPPE/UFRJ (Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro), a intenção de voto é “a manifestação, naquele momento, dos eleitores de um determinado local a respeito daquela eleição."
Isto é, os números têm a ver com a percepção do eleitor naquele dia em que a consulta foi realizada e podem mudar conforme os acontecimentos. O professor do Departamento de Estatística do Centro de Ciências Exatas da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) Adelmo Inácio Bertolde expõe que a intenção de voto é o desejo de um eleitor de votar em alguém e, quando medido numa pesquisa, "é um valor estatístico que é a estimativa do percentual de votos que um candidato teria se a eleição fosse naquele momento em que a pesquisa foi feita."
Márcia Cavallari, do Ipec, pontua que não só os atos de campanha influenciam a intenção do eleitorado, mas também o que ele vê na TV, lê nas redes sociais e até ouve falar. Por isso, segundo ela, “o eleitor define seu voto de maneira mais cristalizada, mais definitiva, na reta final da campanha."
“O eleitor fica esperando até o último momento para decidir se ele vai votar naquela pessoa mesmo ou não. Pode aparecer uma outra melhor que aquela, pode aparecer alguma denúncia, pode aparecer um mau desempenho em um debate, ou um bom desempenho no debate…”, complementa a CEO do instituto.
A especialista ainda ressalta que o Ipec questiona o entrevistado sobre a solidez dessa decisão. Ou seja, o pesquisador pergunta para o eleitor se ele ainda pode mudar de ideia ou se já bateu o martelo em relação a um nome. De acordo com Cavallari, se a resposta não é definitiva, isso pode indicar a volatilidade da eleição, o que significa que, no futuro, os resultados podem ser diferentes.
Ao comentar sobre as diferenças de resultados de pesquisas realizadas por diferentes institutos, Bertolde explica que isso acontece porque os métodos utilizados para a elaboração do estudo não são, necessariamente, os mesmos. “As metodologias usadas nas pesquisas não são as mesmas e isso não é um erro, é simplesmente uma maneira diferente de trabalhar. Há também o aspecto aleatório da amostra, que pode gerar valores relativamente distintos, mesmo com amostras retiradas no mesmo tempo e do mesmo universo eleitoral."
QUAL É A DIFERENÇA ENTRE PESQUISA ESPONTÂNEA E ESTIMULADA?
Quando saem os resultados, também encontramos os termos “pesquisa espontânea” e “pesquisa estimulada”. A primeira é feita sem a exibição dos nomes dos candidatos que vão concorrer aos cargos em disputa, enquanto a segunda apresenta os postulantes e pede que os entrevistados escolham entre os nomes disponíveis.
Espíndola esclarece que a espontânea serve para verificar se o nome do candidato vem à mente do eleitor de maneira natural ou não. De acordo com Cavallari, quem consegue responder em quem tem a intenção de votar sem ver os nomes é, “provavelmente, uma pessoa que tem mais informação sobre a eleição, já sabe quem são os candidatos, se posiciona."
Enquanto isso, a estimulada é relevante porque, segundo Bertolde, “funciona como se fosse uma simulação do momento da votação, quando a pessoa vai ter que, de fato, tomar uma decisão." O professor ainda pontua que, “à medida que a eleição se aproxima, os valores da pesquisa espontânea, que pode significar memória ou voto cristalizado do candidato, tendem a se aproximar da estimulada." Isso acontece porque as pessoas acabam tendo mais conhecimento sobre o cenário eleitoral à medida que a data da votação se aproxima.
POR QUE EXISTE A MARGEM DE ERRO?
A margem de erro representa, com um determinado índice de confiança (normalmente de 95%), o quão longe os resultados da pesquisa podem estar dos valores do universo de eleitores. Ela é importante, explica Bertolde, porque o estudo é feito a partir de uma amostra do eleitorado, e não com todos os eleitores. “O instituto não faz um censo. Não é possível entrevistar milhares ou milhões de eleitores em poucos dias. Então é tomada uma amostra e a partir dela busca-se estimar o todo”, ressalta o professor.
Já o tamanho da margem de erro é decorrente do tamanho da amostra. Ou seja, quanto mais entrevistados, menos chance de os valores obtidos estarem muito distantes da realidade. No entanto, como pontua Cavallari, isso não significa que, se o tamanho da amostra for dobrado, a chance de erro diminui pela metade. “É preciso aumentar muito o tamanho da amostra para fazer com que a margem de erro caia pelo menos um ponto”, esclarece.
COMO É ESCOLHIDA A AMOSTRA?
Para se chegar a estimativas mais precisas, os especialistas ressaltam que é importante coletar as intenções de entrevistados que representem bem a população. Por exemplo, se em uma cidade 55% do eleitorado é feminino, não faz sentido 60% dos entrevistados serem homens. Isso porque as necessidades e percepções destes dois grupos acerca da realidade e da política local podem ser muito diferentes.
O ideal, então, seria entrevistar todas as pessoas daquele local de onde pretende-se obter as informações. Mas, como isso é inviável, os institutos utilizam estudos estatísticos sobre a população para obter as informações necessárias para a realização da pesquisa e “escolher” a amostra. Ou seja, é preciso selecionar um grupo de pessoas que seja representativo daquela sociedade.
Uma das estratégias para não favorecer um grupo político e prejudicar outro, é estratificar geográfica e socioeconomicamente a amostra. Desse modo, é possível entrevistar pessoas de diversos grupos e realidades e observar opiniões diferentes. A amostra, então, nada mais é do que a população, com suas diferenças e similaridades, em menor escala.
Para Espíndola, o conhecimento específico de como realizar a amostragem é crucial para dar confiança para o resultado obtido. "As entrevistas não podem ser feitas de qualquer jeito”, completa.
O QUE É O NÍVEL DE CONFIANÇA?
O nível de confiança diz respeito à precisão dos dados. Cavallari explica o cálculo do índice utiliza como base o nível de confiança de 95%: “Quando você tem 100 amostras da mesma população, utilizando a mesma metodologia, em 95 delas o resultado vai ser o encontrado na pesquisa, mais ou menos a margem de erro."
“Vamos supor que em uma pesquisa encontrei um candidato com 50% de intenção de voto. O intervalo de confiança dele é de 47% a 53% (considerando a margem de erro de 3 pontos percentuais para mais ou para menos). Isto significa que se eu fizer 100 amostras simultaneamente, em 95 delas vou encontrar este candidato variando de 47% a 53%. Podemos encontrar 48% em uma, 51% em outra, mas, em 95 amostras, os resultados vão estar dentro deste intervalo de confiança”, exemplifica a CEO do Ipec.
COMO IDENTIFICAR UMA TENDÊNCIA DE CRESCIMENTO OU QUEDA?
Neste período, é comum se deparar com publicações dos próprios candidatos destacando seu desempenho nas pesquisas eleitorais. No entanto, nem sempre a mudança nos valores percentuais indica de fato uma tendência, seja ela de queda, seja de crescimento.
De acordo com Cavallari, não é possível identificar, por exemplo, uma tendência observando apenas duas pesquisas. Seria preciso uma série de pesquisas para afirmar que a intenção de voto de um candidato está crescendo ou diminuindo. Além disso, não basta prestar atenção apenas na mudança dos valores percentuais. É preciso notar se a alteração ocorre dentro ou fora da margem de erro.
“Se o candidato cresceu dois pontos percentuais e a margem de erro é de três pontos, eu não posso falar que ele cresceu. Eu vou falar que houve uma oscilação positiva”, explica a especialista. Sendo assim, quando a alteração não ultrapassa a margem de erro, ela é apenas uma oscilação, podendo ser positiva (quando aumenta) ou negativa (quando diminui).
A tendência pode ser atestada, então, quando a alteração ocorre fora da margem de erro. “Se em uma pesquisa o candidato tinha 30% e na próxima ele aparece com 32%, ele oscilou positivamente. Se na pesquisa seguinte ele tiver 40%, aí sim é uma tendência de crescimento. No entanto, se ele aparece com 32% da intenção de voto, depois 33% e em seguida 31%, ele não está nem crescendo e nem caindo, apenas oscilando dentro da margem”, exemplifica Cavallari.
Por mais que nem sempre as oscilações representem de fato uma tendência geral, Espíndola ressalta que, para os candidatos, é importante a comparação dos resultados. Segundo o professor, ao observar os resultados estratificados — separados por grupos sociais —, é possível perceber em que público a campanha eleitoral precisa focar.
“Se o sujeito ganhou votos no grupo masculino com nível superior e perdeu votos no público feminino e de religião protestante, geralmente essa oscilação é além da margem de erro. Então, o candidato vai se preocupar em modular o discurso para esse cenário específico”, pontua o professor.
COMO É SIMULADO O 2º TURNO?
As pesquisas eleitorais também trazem alguns resultados sobre as intenções de voto no segundo turno. Cavallari conta que é possível obter este índice a partir de uma pergunta hipotética: “se fosse realizado um segundo turno hoje, entre estes dois candidatos, em qual deles você votaria?”.
“Nós fazemos simulações com os primeiros colocados e, à medida em que os resultados vão mudando, vamos incluindo mais simulações de segundo turno”, conta a CEO.
QUAL A IMPORTÂNCIA DOS ÍNDICES DE APROVAÇÃO E REJEIÇÃO?
Além de simular o pleito em si, as pesquisas eleitorais também podem revelar como são avaliadas as atuais gestões e quão rejeitados são os concorrentes. Tais indicadores podem dar pistas do que pode acontecer na eleição, como explica Cavallari:
“Como temos muitos gestores que concorrem à reeleição, ou então que não concorrem mas apoiam outro candidato, a avaliação da gestão é um indicador: se uma gestão é avaliada como boa, o prefeito ou o candidato apoiado por ele pode ir bem na disputa”.
Já a rejeição aos candidatos é múltipla. Ou seja, o entrevistado pode responder que não votaria em hipótese alguma em mais de um nome. Em uma análise estratificada, é possível identificar quais grupos têm menos afinidade com os candidatos, o que pode tentar ser revertido por meio da campanha e outras estratégias.
POR QUE AS PESQUISAS "ERRAM"?
É fato que nem sempre as pesquisas acertam o resultado do pleito. Segundo a CEO do Ipec, isso se dá porque, no estudo, não é medido o comportamento do eleitor, e sim a intenção dele, que está sujeita a mudanças de última hora. Além disso, Cavallari destaca que pode haver um problema amostral, principalmente nas eleições municipais.
De acordo com Espíndola, “os dados municipais são mais difíceis de serem trabalhados porque, às vezes, o que conseguimos acessar são os dados já consolidados por Estado”. Ao comentar sobre a importância do censo demográfico realizado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o professor pontua que o atraso no estudo pode atuar contra as pesquisas eleitorais.
Cavallari reforça a opinião do professor, mas afirma que há outros trabalhos que podem ser usados pelos institutos para estimar as características das populações das cidades brasileiras. A especialista diz que uma forma de compensar a falta de dados do censo é utilizar outros mapeamentos e cruzar os dados.
“O setor censitário de 2022 está atualizado. Ele pega todo o crescimento das cidades de 2010 a 2022. O que usamos, então, em termos de sexo, idade, escolaridade, ocupação, religião, raça e as demais variáveis têm que ser estimadas na combinação desses dados que estão disponíveis”, esclarece Cavallari.
Outro ponto mencionado por Bertolde diz respeito à momentaneidade da intenção de voto. O professor explica que mesmo sendo realizada próxima da data de votação, a pesquisa pode não refletir fielmente a intenção de voto dos eleitores. Segundo ele, é preciso considerar que muitas pessoas decidem em quem votar nos últimos dias que precedem a eleição, ou ainda no dia exato da votação. Soma-se a isso as diferentes metodologias utilizadas, eventuais efeitos de não resposta e abstenção.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta