Em ano eleitoral e em meio à pandemia do novo coronavírus, a Prefeitura de Itapemirim, no Sul do Espírito Santo, criou 200 cargos comissionados na administração municipal. O projeto de lei, de autoria do Executivo e aprovado em regime de urgência na Câmara nesta terça-feira (28), regulamenta a situação de servidores que já estavam nomeados na gestão, sem que houvesse previsão legal.
A lei, sancionada pelo prefeito interino Thiago Peçanha (Republicanos) no mesmo dia, modifica outra de 2009, que estabelecia que a prefeitura podia contratar 67 cargos de assessor de gabinete, em três níveis. Ao longo dos anos, contudo, o Executivo, sem modificar a lei, inchou a folha de pagamento.
Até junho deste ano, estavam nomeados para os cargos 265 pessoas 198 a mais do que o permitido pela legislação. O novo texto cria esses cargos que já estavam ocupados e acrescenta mais dois, totalizando 267 postos. Os assessores de gabinete são responsáveis por atividades burocráticas e administrativas, como atendimento e orientação de público interno e externo, arquivamento de fichas e documentos, digitação, anotações de correspondências e corrigir atas de reuniões administrativas.
Especialistas consultados por A Gazeta avaliam que a contratação de funcionários antes da alteração da lei para permitir novos cargos é irregular e pode configurar improbidade administrativa. O município também não está autorizado a criar postos de trabalho, por uma vedação da lei federal de socorro aos Estados e municípios.
O Portal da Transparência do município mostra que já estavam contratados mais servidores para os cargos desde 2017, data mais antiga com dados disponíveis no site. Em fevereiro, a prefeitura, sob comando de Luciano Paiva, afastado pela Justiça desde abril daquele ano, contava com 87 assessores, 20 a mais que o permitido pela lei.
O grande salto no número de servidores nomeados como assessores de gabinete se deu em 2019 e 2020, já com Thiago Peçanha, vice-prefeito, à frente do Executivo. Entre os meses de fevereiro do ano passado e fevereiro deste ano, foram nomeados mais de 150 servidores para os cargos.
Questionada pela reportagem, a Prefeitura de Itapemirim informou que a lei não cria cargos, apenas "adequa a lei à folha de pagamentos que já existe". Na lei de 2009, foram criados os cargos de 18 assessores de gabinete II, 14 assessores de gabinete III e 35 assessores de gabinete IV. Com a nova lei em vigor, são 91 assessores de gabinete II, 89 do nível III e 87 do nível IV.
Especialistas em administração pública explicam, no entanto, que não é possível, juridicamente, nomear servidores a mais do que o número definido por lei. O advogado especialista em Gestão Pública Diego Moraes diz que a conduta pode ser enquadrada como improbidade administrativa.
"Nomeação sem cargo é ilegal, fosse um servidor ou mais de 200, como é o caso", explicou. Segundo ele, existe, sim, a criação de cargos em Itapemirim. "Existe uma diferença que está sendo confundida. Criar cargos não é criar novas funções dentro da estrutura e, sim, aumentar o número de servidores que ocuparão aquela função", acrescentou Moraes.
O advogado e professor da FDV Paulo Soto também avalia que há irregularidade no ato de criar uma lei para regulamentar as nomeações ilegais. "Ele não pode regularizar uma irregularidade. O ato administrativo das nomeações foram erradas e não existe direito adquirido em situações de ilicitude", assinalou.
Ao protocolar o projeto, portanto, segundo Soto, Peçanha pode ter "reforçado o erro e dobrado a irregularidade".
A criação de cargos também está proibida pela lei de socorro aos Estados e municípios, aprovada para liberação de verbas do governo federal aos demais entes. A regra vale até dezembro de 2021.
Em mensagem enviada à Câmara com o projeto a ser votado, o prefeito em exercício justificou que a vedação presente na lei não se aplica à admissão de pessoal, desde que não haja aumento de despesas ao município.
Peçanha sustenta que a alteração não vai onerar a folha de pagamento e cita um "estudo de impacto financeiro" que comprovaria o argumento. A Gazeta solicitou o documento, que não foi disponibilizado pela prefeitura.
Também foi encaminhada, juntamente com a proposta, uma declaração do secretário municipal de Finanças, Marcos José de Toledo, reafirmando que o orçamento do município não será alterado.
Para o advogado especialista em Gestão Pública Diego Moraes, o fato de não haver custo, no entanto, não afasta a hipótese de inconstitucionalidade e o prefeito pode responder por improbidade administrativa "independentemente de onerar ou não os cofres públicos".
Não houve pedido de aumento de cargos, o que aconteceu foi uma adequação de folha já existente, sem ONERAÇÃO da mesma para o município, essa informação de fato é fake news. Sabemos que estamos em ano eleitoral e não podemos fazer novas contratações que venham onerar os cofres públicos acima da despesa prevista por lei.
A reportagem procurou o Ministério Público do Espírito Santo (MPES) e o Tribunal de Contas do Estado (TCE) para questionar se os órgãos tinham conhecimento das nomeações feitas ao longo dos anos e se, após a aprovação da lei, poderia existir algum tipo de apuração sobre o caso.
O TCE encaminhou uma nota em que afirma que a situação "merece uma análise cuidadosa" que será feita "mediante os critérios de materialidade, relevância, risco e oportunidade". Não há, no entanto, investigações em andamento.
Até a publicação desta reportagem, não tivemos respostas do MPES.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta