Suspeito de integrar uma milícia digital para divulgar fake news e atacar instituições democráticas, o vereador de Vitória Armandinho Fontoura (sem partido) foi preso em dezembro de 2022 pela Polícia Federal (PF). Um ano depois, que se completa nesta semana, ainda não foi formalmente acusado nem julgado.
A prisão, por ser preventiva, não tem tempo máximo — diferentemente da temporária, que dura cinco dias, podendo ser prorrogada por mais cinco. A Gazeta apurou com pessoas que tiveram acesso ao processo sigiloso que já foram feitos pelo menos quatro pedidos para que Armandinho seja solto, todos negados.
A detenção foi um baque para a carreira política do vereador. Armandinho perdeu o posto de presidente da Câmara, está afastado por decisão judicial do cargo e pode ter o mandato cassado pela Casa.
A decisão que o levou à cadeia é do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, a partir de um pedido feito pelo Ministério Público do Espírito Santo (MPES).
Na mesma ocasião, foi preso em Cachoeiro de Itapemirim, no Sul do Espírito Santo, o jornalista Jackson Rangel, proprietário do jornal “Folha do ES”. Quatro dias depois, em 19 de dezembro, a PF prendeu o pastor Fabiano Oliveira, no meio de um acampamento bolsonarista instalado em frente ao 38º Batalhão de Infantaria, na Prainha, em Vila Velha.
O quarto alvo do mandado de prisão, o radialista Maxcione Pitangui fugiu para o Paraguai e foi detido em 14 de setembro.
Para pedir a prisão do vereador, o MPES apresentou elementos de uma investigação ao STF que indicaria que Armandinho e Jackson fariam parte de uma milícia digital, organizada para propagar fake news.
Também foi anexado ao processo um discurso do vereador, de 22 de novembro de 2022, em que ele chama o ministro Alexandre de Moraes de “Tio Chico da Família Adams”. Ele diz no discurso que a biografia do ministro é “marcada pelo lobby, pelo envolvimento com o crime, com a corrupção”, e acrescenta que as eleições foram “manipuladas por decisões arbitrárias, absurdas” de Alexandre de Moraes.
Por conta disso, o pedido do MPES foi anexado ao Inquérito 4.781, conhecido como Inquérito das Fake News, aberto em 2019 no STF e relatado pelo ministro Alexandre de Moraes.
Como se trata de um inquérito em andamento, uma fase de investigação, que antecede a denúncia e uma eventual condenação, não há, até o momento, perspectiva de quando o vereador e os demais detidos naquela ocasião serão soltos.
Ainda assim, o processo precisa ser revisto a cada 90 dias para ser analisada se há necessidade de manter a pessoa presa. Até o momento, o relator do inquérito decidiu que sim.
Armandinho está atualmente detido na Penitenciária de Segurança Média I (PSME-I), no complexo prisional de Viana. Segundo A Gazeta apurou, ele perdeu bastante peso e estaria sofrendo com questões de saúde mental. É visitado com frequência pelos pais e pela defesa.
“Ele falou que está se alimentando bem, mas emagreceu 32 kg. Nas visitas, quero saber de tudo que aconteceu com ele, mas ele só fala o básico, acho que para eu não me abalar”, relata a mãe de Armandinho, a aposentada Kátia Alvarenga de Lima, para A Gazeta.
Há praticamente um ano fazendo visitas à prisão, ela aponta que a incerteza quanto ao futuro do único filho prejudica toda a família. “O meu emocional está cada vez pior, porque a expectativa de ele ser solto a gente tem sempre, mas está demorando demais. Não temos respostas”, desabafa.
Tirando a família, outra visita a Armandinho ganhou o noticiário durante o último ano. O senador capixaba Magno Malta (PL) foi até a penitenciária para vê-lo em 18 de setembro, acompanhado dos deputados estaduais Lucas Polese (PL) e Danilo Bahiense (PL). O objetivo, segundo o senador, era fazer uma de suas “visitas humanitárias”.
Os parlamentares tiveram autorização do STF para comparecer à penitenciária, mas a presença deles causou tanto constrangimento que Armandinho reclamou. Desde então, Moraes adotou como protocolo perguntar aos detidos se eles desejam receber visitas de políticos.
Armandinho foi eleito vereador em 2020 pelo Podemos e, meses antes de ser preso, tinha sido escolhido presidente da Câmara de Vitória para o biênio 2023-2024. Com a aproximação da data da posse, marcada para 1º de janeiro de 2023, a defesa do vereador pediu ao STF que ele pudesse sair de forma excepcional da cadeia só para formalizar a posse no cargo e retornar à prisão em seguida, mas o pedido foi negado.
A Câmara, porém, já tinha aprovado em votação que o não comparecimento de Armandinho à posse seria entendido como renúncia tácita ao cargo de presidente da Casa. Com isso, o vice-presidente da chapa de Armandinho, o vereador Duda Brasil (União), foi empossado interinamente no dia 1º de janeiro.
Como primeiro ato, ele marcou uma nova eleição para o dia seguinte, 2 de janeiro, porém só para a presidência da Casa. O vereador Leandro Piquet (Republicanos) foi eleito presidente e segue no posto.
Também na virada do ano de 2022 para 2023, a Procuradoria-Geral de Justiça do MPES apresentou ao plantão Judiciário estadual uma ação de improbidade administrativa contra Armandinho que resultou no afastamento dele do mandato. Na ação, o parlamentar era acusado de tentar intimidar um promotor e uma juíza em discurso na Câmara e em matérias no site Folha do ES.
Por estar preso e afastado do cargo, segundo o Regimento Interno da Câmara, Armandinho não tem direito a receber salário.
Na Corregedoria da Câmara de Vitória, corre ainda um processo disciplinar que pode culminar na cassação do mandato dele. A ação decorre de uma denúncia por quebra de decoro parlamentar feita em abril de 2023 pelo empresário Sandro Rocha.
A abertura do procedimento foi tumultuada. O empresário disse que não sabia que estava assinando um pedido de cassação do mandato de Armandinho, e que havia colocado apenas “meia assinatura” no papel.
Sandro chegou a escrever à mão numa folha de papel, durante a sessão para decidir sobre a admissão da denúncia, “Eu, Sandro Luiz, não fiz denúncia nenhuma. Renuncio ao processo”. De todo modo, como a reclamação do empresário não foi formalizada, a representação foi aceita.
Em 21 de junho, a Corregedoria da Câmara aprovou por maioria dos votos o relatório da vereadora Karla Coser (PT) que, preliminarmente, propôs que o colega perca o mandato.
Nesse processo, ele é acusado de desrespeitar e ofender o Estado Democrático de Direito, de usar, em plenário, expressões incompatíveis com a dignidade do cargo e de atacar, verbalmente, membros de outros Poderes, como o Judiciário e o Ministério Público.
Karla foi novamente sorteada para relatar o processo, e precisa apresentar relatório final sobre os fatos denunciados à Corregedoria. Segundo a assessoria do gabinete da vereadora, a instrução do processo está encerrada. O autor da denúncia e a defesa do vereador precisam apresentar considerações finais e, depois disso, a parlamentar poderá emitir o parecer.
A Gazeta entrou em contato com a defesa de Armandinho no processo que corre no STF. Contudo, o advogado Carlos Zaganeli afirmou que não foi autorizado pelo cliente a conceder entrevista e ressaltou que o processo é sigiloso.
“Meu cliente permanece confiando no bom senso de justiça das autoridades em nosso país e que a verdade continuará sendo perseguida nos autos dos processos”, disse, em nota.
Em julho deste ano, Zaganeli concedeu entrevista ao ES360 em que afirmou ter tido dificuldades na defesa de seu cliente. “Só na hora que a gente conseguir entender as motivações é que vamos apresentar melhor a defesa. Até agora não tivemos acessos a muitas peças do processo. O gabinete do ministro Alexandre de Moraes é seletivo nesse ponto”, afirmou ao veículo.
A dificuldade em acessar os autos do inquérito foi relatado por advogados para A Gazeta e também chegou ao conhecimento da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-ES).
“Nós recebemos muitas reclamações sobre o acesso aos autos, tivemos inclusive que oficiar à OAB de Brasília, à OAB nacional e à do Distrito Federal, porque o que nos chegou pelos advogados envolvidos é que o acesso aos autos estava dificílimo. Nós sabemos que o direito de defesa básica se faz exercido quando você tem acesso sobre o que se acusa”, disse o presidente da OAB-ES, José Carlos Rizk.
Ele esclareceu que a OAB não atua como advogada das partes nem em relação ao mérito sobre o motivo da prisão. Mas contou que, pelos relatos dos advogados, o gabinete do ministro Alexandre de Moraes funcionaria como uma extensão do cartório, o que prejudicava o trabalho dos advogados.
As reclamações se referem principalmente às primeiras semanas após a decisão do ministro. Desde então, o acesso foi normalizado.
A Gazeta procurou o STF para se manifestar sobre a prisão de Armandinho e dos demais detidos na operação de 15 de dezembro do ano passado, mas a Suprema Corte respondeu apenas que o inquérito está sob sigilo.
Por três semanas, a reportagem também procurou o Ministério Público do Espírito Santo para que se manifestasse. O órgão ministeral restringiu-se a informar, em nota, que o procedimento tramita em segredo de Justiça no STF e que, por isso, não vai se pronunciar sobre o assunto.
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