> >
Pressão de prefeitos pode complicar PEC do adiamento das eleições municipais

Pressão de prefeitos pode complicar PEC do adiamento das eleições municipais

Gestores que tentam a reeleição preferem não adiar a data do pleito, já que um prazo mais curto para campanha favorece quem já ocupa o cargo e prejudica candidatos novatos e desconhecidos

Publicado em 24 de junho de 2020 às 21:48

Ícone - Tempo de Leitura 0min de leitura
Urna eletrônica durante teste nas eleições de 2016
PEC enfrenta forte pressão de prefeitos sobre os parlamentares para a manutenção das disputas em 4 de outubro. (Agência Brasil)

O Senado já aprovou uma proposta de emenda à Constituição (PEC) para adiar o 1º e o 2º turno das eleições municipais de 2020 para os dias 15 e 29 de novembro, respectivamente. Agora, o texto segue para aprovação da Câmara, mas deve encontrar mais resistência entre os deputados, que estão sob pressão de chefes municipais para que a matéria não seja aprovada e a data atual seja mantida, no início de outubro.

Para quem está já ocupando uma cadeira de prefeitura e busca a reeleição, o prazo mais curto até a realização do pleito é uma forma de sair na frente, já que mantém o nome vivo na memória dos eleitores, com a máquina nas mãos. Os demais candidatos, por outro lado, ficam  com menos tempo de campanha.

As entidades que representam os prefeitos, como a Associação dos Municípios do Espírito Santo (Amunes), afirmam apoiar as decisões que tenham como base a segurança da população, do ponto de vista da saúde pública, mesmo que signifique o adiamento do pleito.

Nos bastidores, contudo, parlamentares relatam grande pressão dos prefeitos atuais, candidatos à reeleição, e dos que querem fazer seu sucessor. Eles estão fortalecidos neste momento e consideram que, depois, podem enfrentar problemas porque haverá escassez de recursos.    

Líderes partidários do Centrão já começaram a se articular contra o adiamento, o que fez o próprio presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ) admitir que talvez a proposta não consiga maioria na Câmara. Prefeitos mantêm uma relação política mais estreita com os deputados do que com os senadores, o que faz com que a pressão no plenário da Câmara seja mais forte do que foi no Senado. O argumento oficial para manter a votação em outubro é que possibilitaria avançar o mais rápido possível na pauta das reformas que o país precisa, principalmente as econômicas.

Essa resistência de partidos do Centrão ao adiamento do processo eleitoral tem sido determinante para que a análise da PEC fique para a próxima semana na Câmara. A maioria dos deputados do PP, do Republicanos e do PL quer que o calendário eleitoral permaneça inalterado.

A ideia deles é  convencer Maia a desistir de pautar a proposta. Eles devem sugerir que o calendário seja mantido e que o Congresso analise um projeto que estabeleça regras sobre a campanha eleitoral em meio ao avanço do vírus. As bancadas do DEM, do PSD e do MDB estão divididas.

O QUE DIZEM OS PREFEITOS

A Frente Nacional dos Prefeitos (FNP) se reuniu nesta semana com o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luís Roberto Barroso, e apresentou uma pauta com pedidos de adequação da corrida eleitoral deste ano. Um novo e menor prazo para o afastamento obrigatório dos servidores que desejam disputar as eleições e alterações nas normas jurídicas que regulamentam a publicidade eleitoral estão entre os pedidos apresentados.

Segundo o presidente da entidade, Jonas Donizette, a FNP, enquanto instituição, fez um documento apoiando a posição do ministro Barroso, que é fazer o que for possível dentro da melhor segurança sanitária, "destacando a importância da tomada de decisões com base nos apontamentos científicos". O presidente do TSE defende abertamente as eleições em novembro.

Ao jornal O Estado de S.Paulo, Donizette também declarou que "a eleição atípica vai favorecer os candidatos conhecidos". A instituição, no entanto, afirmou que entre os 400 prefeitos da frente não há consenso sobre o adiamento das eleições, mas a maioria deles, candidatos à reeleição, é a favor de manter a data da disputa no dia 4 de outubro, segundo o presidente.

A Frente destacou ainda que a situação dos servidores candidatos, que podem desfalcar ainda mais os Executivos municipais no atual momento de dificuldade orçamentária na pandemia.  Pela lei, eles terão que se licenciar no dia 4 de julho (3 meses antes das eleições), de forma remunerada. Se a eleição mudar para novembro sem uma adequação dessa norma, será um período ainda maior de desfalque.

A reportagem procurou a Associação dos Municípios do Espírito Santo evitou fazer considerações sobre a nova data, pontuando que no mês de novembro o panorama do coronavírus ainda pode ser incerto. No Espírito Santo, 61 dos 78 prefeitos podem tentar a reeleição.

Em nota, a entidade informou que "se preocupa com as condições sanitárias, e para que o pleito ocorra dentro do prazo estabelecido é necessário que tenhamos a garantia de segurança em saúde para eleitores, voluntários e candidatos". 

"Toda a comunidade científica tem estudado e estabelecido perspectivas, que não se estendem até novembro, ou seja, não sabemos como estaremos na data prevista, o que traz ainda mais preocupação, uma vez que existem evidências do crescente número de contágio nos municípios do interior", acrescentou.

IMPACTOS NA CAMPANHA

A polêmica é grande já que a campanha eleitoral não se restringe ao dia da votação, ressaltam especialistas. Antes de chegar o momento de escolher os representantes, é feito um trabalho que inclui convenções partidárias para oficialização de candidatos e a divulgação dos nomes e propostas das apostas de cada legenda. Tradicionalmente, a corrida eleitoral é marcada pela campanha na rua, no chamado corpo a corpo, o que em meio à pandemia, em que a orientação é de isolamento social, ficou prejudicado.

Se a PEC em tramitação for aprovada, outras datas também serão alteradas e prazos jogados para a frente. As convenções partidárias, que definem os candidatos, muda do início de agosto para a metade de setembro. A propaganda eleitoral também fica autorizada só no fim de setembro.

O cientista político Nauê Bernardo destaca que esse tempo de campanha, em que a sociedade vai desassociando a imagem do prefeito atual para ouvir propostas e conhecer os novos candidatos, sempre foi importante para garantir um processo mais justo. 

"Manter as eleições como estão garante um tempo menor para desassociar a imagem da pessoa que está no cargo e que vai buscar se reeleger. Os atuais representantes ficam menos tempo longe do cargo que já tinham antes, o que mantém uma 'memória recente' maior dos eleitores, tanto os que o elegeram quanto os que foram alvos das políticas que ele tocou ali", explicou.

Com um tempo menor até a campanha garante-se mais proximidade entre os já eleitos e o poder, ficando mais fácil influenciar no resultado da eleição. Além disso, para Nauê, a manutenção da data em outubro pode resultar em um número maior de abstenções, o que, de certa forma, também pode favorecer os nomes que já são mais conhecidos.

Paulo Baía, também cientista político, concorda com a tese que a ação dos atuais chefes municipais na pandemia e a dificuldade de se fazer campanha no atual cenário diminui as chances dos novos candidatos. Para ele, alterar também os demais prazos eleitorais da campanha torna o cenário justo. "Alternado todos os prazos, ninguém será prejudicado. O único cenário que vejo uma campanha desigual é se manter a votação em outubro."

PROXIMIDADE POLÍTICA

A forte influência dos prefeitos nesta decisão a ser tomada pelos deputados federais mora na relação de proximidade política que os dois cargos cultivam. Os parlamentares que ocupam a Câmara dependem dos votos do Estado, e para isso, a influência política nos municípios é importante. "Influência na política municipal, o que vem de um bom relacionamento com o Executivo local, significa mais chances de reeleição e de alcançar outros favores", pontuou Nauê Bernardo. 

Muitos deputados almejam cargos políticos no Estado e no Senado, o que faz com que precisem deixar seus nomes "frescos" na memória dos eleitores. Grande parte da atuação dos parlamentares no Congresso gira em torno de conseguir emendas parlamentares, ou seja, verbas do governo para aplicar em investimentos nos municípios.

Nesse momento, uma boa comunicação com os prefeitos é primordial. "Eles conseguem a emenda, mas os prefeitos que vão executar as obras. Por isso, é muito importante ter uma boa relação com o Executivo para que ele coopere e o nome de quem conseguiu a verba também seja lembrado à população."

Este vídeo pode te interessar

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta

A Gazeta integra o

The Trust Project
Saiba mais