O jornalismo profissional, assim como outras instituições democráticas, tem sofrido ataques constantes ligados ao acirramento do clima político no Brasil e em outras partes do mundo. Há ainda a questão das fake news, que se propagam como um vírus pelas redes sociais, prejudicando a credibilidade de empresas e pessoas diante do parco esforço das gigantes de tecnologia em encarar o problema recentemente.
Mesmo diante desses e outros desafios enfrentados pelo jornalismo, o novo presidente do Conselho de Administração da Associação Nacional de Jornais (ANJ), Café Lindenberg, mantém-se positivo. Ele acredita que há demanda por informação de qualidade produzida de forma técnica e responsável.
"O jornalismo tem um papel superimportante de ser um vigilante dos problemas da sociedade. Eu não vejo nenhum outro meio com vocação para assumir esse papel", disse.
Café, que é presidente da Rede Gazeta, vai ocupar o posto no Conselho de Administração da ANJ durante o biênio 2022-2024. Em entrevista para A Gazeta, ele falou também sobre como aproximar o jornalismo profissional dos jovens e opinou sobre a disputa entre empresas de mídia e as big techs pela remuneração do conteúdo jornalístico.
Leia abaixo entrevista na íntegra:
A escalada de tensão política no país tem se traduzido em ameaças à democracia, às instituições e, inclusive, em violência política. Qual é o papel do jornalismo nesse contexto?
O momento é muito difícil para as instituições em geral e, por consequência, para as empresas jornalísticas. Os veículos de comunicação sérios sempre fizeram o seu trabalho usando os critérios jornalísticos, as técnicas de jornalismo. Claro que isso sempre teve repercussão, mas nunca sentimos de maneira tão intensa os efeitos da polarização, questionando a lisura ou até o profissionalismo do que a gente faz. Isso é uma novidade. Eu vejo um debate já há algum tempo sobre o analfabetismo jornalístico, que é uma certa falta de conhecimento das pessoas a respeito das técnicas jornalísticas, qual é o papel de um órgão de imprensa.
E como o jornalismo poderia reverter esse cenário?
As pessoas que estudam isso mais a fundo já sinalizavam que isso poderia vir a dificultar o trabalho do jornalismo. Eu acho que isso de fato está acontecendo e agora se agravou. Então, temos até uma certa culpa por não ter conseguido fazer uma propaganda do que é o jornalismo, de como o jornalismo é feito, quais são as técnicas que estão por trás disso, qual é a lógica das empresas de comunicação. Acho que parte do trabalho seria uma própria educação midiática, que nós é que temos que fazer, não tem ninguém que possa fazer isso por nós.
Nos países democráticos, um dos grandes desafios da atualidade, para instituições e empresas jornalísticas, é a disseminação de informações falsas. Acredita que os trabalhos de checagem de boatos vieram para ficar?
Veio para ficar, porque o panorama hoje é muito diferente, principalmente por causa das redes sociais, que são os veículos dessa desinformação. Sempre houve desinformação, mas em uma dimensão muito menor. As ferramentas que essas redes colocaram à disposição para produzir e distribuir conteúdos deu uma dimensão inédita ao problema. Há alguns anos, quando as fake news começaram a trazer efeitos graves para a sociedade, a consciência dos problemas era menor. As redes sociais se colocavam como empresas tecnológicas, ignoravam o efeito prático, político e cultural do uso dessas plataformas. Hoje já há uma consciência muito maior e ferramentas das próprias plataformas para melhorar o cenário.
Os jornais conseguem atualmente criar mecanismos para minimizar o efeito negativo dessa desinformação?
A dimensão do trabalho das empresas jornalísticas nessa questão tem menos capacidade de amenizar o problema do que uma ação mais enérgica dos órgãos de regulação e das próprias plataformas. Elas precisam, de forma consciente, reconhecer que são causadoras de graves problemas na sociedade. Cabe mais às plataformas de tecnologia do que aos veículos, porque somos um pedaço pequeno do que circula. Uma mexida no Facebook ou no Telegram muda muita coisa. Eles têm alcance global, as empresas jornalísticas não.
Essas mudanças na política das big techs devem vir das próprias empresas ou sob a forma de regulação governamental?
Não vejo a menor possibilidade disso acontecer por generosidade ou virtude das plataformas, porque para elas o melhor modelo de negócio é um modelo que seja minimamente regulamentado. E a busca delas, é claro, é por engajamento. A experiência já nos mostrou que, quanto mais conflito, mais divergência, quanto mais extremos os conteúdos, mais elas vão obter engajamento, e o resultado econômico deles vem de engajamento. Então, tem que haver uma ação regulatória, como há nos veículos de imprensa. Muitas das big techs são empresas que ninguém sabe onde fica a sede, que não têm representante no Brasil.
Mas há interesse dos governos em regulamentar essas plataformas?
Essa regulação acontecerá por ação dos governos, mas os governos não agem sem pressão da sociedade. No fundo, é a sociedade que tem que deixar claro através das suas instituições, inclusive da imprensa, que não está satisfeita com esse efeito deletério. As redes sociais não são monstros. São ferramentas, e elas podem ser usadas por gente de mal intencionada com consequências muito sérias para uma pessoa e até para uma nação.
Outra questão que põe frente a frente empresas de jornalismo e big techs é a disputa pela remuneração de conteúdo. Atualmente, as empresas têm dito que ajudam os jornais a divulgar o conteúdo de forma gratuita, mas que podem reduzir alcance dos posts caso sejam obrigadas a pagar para usá-los. Existe a possibilidade de um acordo de ganha-ganha?
O caminho de ganha-ganha é aquele em que você reconhece os direitos de quem produz conteúdo com qualidade e que presta um serviço importante para a sociedade. Isso tem que ser reconhecido e remunerado. Antes das redes sociais, as empresas de jornalismo tinham monopólio dos canais de distribuição de seus conteúdos e tinham um modelo de negócio que usava essa capacidade de chegar às pessoas para viabilizar a existência comercial. Isso está diluído nas redes hoje. As grandes plataformas dizem que nos ajudam nos conectando com a audiência. Mas, na verdade, elas ajudam mais a elas próprias, porque elas têm o monopólio do contato com a audiência, dos dados dos usuários, da entrega de publicidade. Tem um balanço de poder muito desigual entre as redes sociais e os produtores de conteúdo. Acredito que tende a evoluir para outro modelo, porque senão os jornais vão quebrar e desaparecer e não vai ter ninguém para fazer o trabalho que fazemos.
Já existem modelos diferentes em outros países?
Sim. A gente já vê decisões na França, na Austrália e nos Estados Unidos reconhecendo que existe um direito dos produtores de conteúdo de serem remunerados de uma maneira mais direta. Estamos falando de poucas empresas multibilionárias e multinacionais de um lado e, do outro, milhares de órgãos de imprensa que prestam bom serviço, mas que estão condenados ao humor do algoritmo de Google, Instagram, Facebook, sem que isso seja fiscalizado, sem que haja transparência.
O jornalismo tradicional tem, notadamente, uma dificuldade de se conectar com pessoas jovens. Você vê uma alternativa para aproximá-los dos veículos profissionais?
É a pergunta de um milhão de dólares, né? Precisamos entender melhor a linguagem deles, onde é que estão e o que faz as pessoas se interessarem por histórias jornalísticas e pelo jornalismo como ferramenta. Assim eles darão ao jornalismo a importância que as gerações anteriores sempre deram. Acho que a percepção do jornalismo como instrumento da sociedade se perdeu um pouco nas novas gerações. Então, precisamos fisgar novamente as pessoas, mas não com a linguagem tradicional. Não vai ser uma A Gazetinha (extinto suplemento infantil de A Gazeta), que no passado fazia as pessoas começarem a ler jornal, que vai trazer alguém para A Gazeta hoje. O que vai trazer novos leitores é conseguirmos tratar, no âmbito das marcas da Gazeta, de temas que sejam interessantes, com abordagens que sejam interessantes para esse público jovem. Acho que nisso estamos engatinhando ainda. Não só A Gazeta, mas a imprensa.
Acredita em uma guinada?
Eu sou otimista. Acho que vamos conseguir dar uma guinada, que não vamos morrer como um instrumento da sociedade, porque o jornalismo tem um papel superimportante de ser um vigilante dos problemas da sociedade. Eu não vejo nenhum outro meio com vocação para assumir esse papel. Então, como existe a demanda, as ferramentas vão aparecer, vão ser construídas.
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