A prestação de serviços do Judiciário capixaba pode ficar comprometida caso a integração das comarcas não ocorra no Estado. De acordo com o presidente do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES), desembargador Ronaldo Gonçalves de Sousa, em resposta enviada ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o quadro atual de servidores públicos e magistrados é insuficiente para atender todas as comarcas e unidades existentes no Estado. Cerca de um terço delas não possui juízes titulares, o que dificulta a manutenção do serviço judicial oferecido à população. A situação fiscal do Tribunal impede a readequação do quadro.
As informações foram apresentadas pelo desembargador ao CNJ após a Ordem dos Advogados do Brasil-seccional Espírito Santo (OAB-ES) pedir a suspensão da integração das comarcas no Estado por meio de um procedimento de controle administrativo. Na defesa encaminhada à conselheira relatora Ivana Farina, o presidente do TJES critica a postura da Ordem e enumera uma série de fatores para justificar a decisão, que prevê um ganho econômico de R$ 36 milhões por ano para o tribunal. O documento foi obtido com exclusividade pelo colunista Vitor Vogas.
Segundo Ronaldo Gonçalves de Sousa, as dificuldades orçamentárias vividas pelo TJES nos últimos anos levaram ao cenário atual de escassez de membros e servidores no Judiciário. Sem recursos para nomear e até promover magistrados, já que não existem substitutos suficientes nas comarcas vagas, cerca de um terço das comarcas acaba sendo atendido por juízes que acumulam outras unidades jurisdicionais. Esse tipo de "arranjo" causa prejuízo ao atendimento judicial, de acordo com o desembargador.
"Compelir o Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo a continuar os arranjos atuais representará sério prejuízo à capacidade desta Administração em cumprir com o seu fiel compromisso com o direito fundamental de acesso à Justiça", destaca em um dos trechos do documento.
A integração das comarcas também é justificada pelo desembargador como uma medida essencial para minimizar a situação fiscal atual do Judiciário, que desde 2015, quando ultrapassou o limite de gastos com pessoal, vem tentando equilibrar as contas. A pandemia do novo coronavírus, contudo, frustrou as expectativas do Tribunal.
Diante da previsão de queda de arrecadação na ordem de R$ 3,4 bilhões no Estado, e da necessidade de cortes, o governo estadual, em negociação com os Poderes, reduziu o repasse dos duodécimos. No caso do TJES, redução foi de 4%, o que representa R$ 40 milhões, com reflexo para os próximos exercícios financeiros.
O Tribunal também viu cair R$ 85 milhões da receita só em maio e abril, e foi atingido com a queda da arrecadação do próprio Fundo Especial do Poder Judiciário, utilizado para investimentos e custeio. As despesas já são maiores que a previsão de receita.
"Ocorre que, antes da pandemia, o Poder Judiciário Capixaba já tinha empenhado do orçamento, contando com a arrecadação anteriormente programada, aproximadamente R$ 108 milhões, ou seja, valor atualmente R$ 33 milhões acima da atual projeção de arrecadação [R$ 119 milhões], o que só torna ainda mais urgente a necessidade de adoção de medidas como a integração de Comarcas, já que a fixação das despesas orçamentárias deste ano já está superior à nova previsão de receitas", diz o desembargador, no documento.
Com os recursos escassos, o presidente do Tribunal prevê a necessidade de uma economia de R$ 138 milhões para manter o funcionamento do Judiciário. Contudo, os cortes até o momento foram tímidos, se atendo a renegociação de contratos e despesas de custeio, sem interferir nos benefícios dos membros, crítica que é feita, inclusive, pela OAB. Sousa afirma que o TJES tem cortado na própria carne, com uma economia estimada de R$ 88 milhões nos próximos três anos, mas reforça a integração de comarcas como essencial para reduzir o impacto da crise financeira.
"A integração das Comarcas recentemente aprovada pelas Resoluções ora sindicadas contribui de forma direta e relevante para redução do impacto da atual crise econômica e fiscal e, além disso, possibilitará o alcance da sustentabilidade pela adequação gradual do quantitativo de membros e servidores efetivos e comissionados", destaca.
Outro argumento apresentados pelo presidente do TJES para a unificação das unidades jurisdicionais está na urgência de modernização do Judiciário. Durante a pandemia, a necessidade de trabalho remoto fez com que o Judiciário do Espírito Santo estivesse com os menores índices de produtividade. Para o magistrado, a implementação do Processo Judiciário Eletrônico em todo o Estado vai permitir um atendimento judicial mais eficiente. O custo porém, estimado em R$ 53 milhões, demanda uma economia de gastos que, segundo ele, pode ser obtida por meio da união das comarcas.
"Para conseguir concluir o projeto de automação da máquina judiciária, a integração de comarcas é medida imperativa, já que a economia gerada com sua efetivação é de aproximadamente R$ 36 milhões anuais". Ele completa: "Tal resultado financeiro positivo é crucial para implementação do Processo Judicial Eletrônico (PJe) em todo o Estado do Espírito Santo, que infelizmente ainda se encontra com 50% de suas distribuições pelo meio físico, o que corrobora para conclusão do inegável ganho para o jurisdicionado das unidades integradas, até porque, estas Comarcas serão as primeiras a receberem o PJe neste ano".
A integração de comarcas é uma recomendação antiga do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para economizar dinheiro no Judiciário. Em agosto de 2019, o TJES criou uma comissão para estudar a medida e avaliar de que forma poderia ser feita.
A discussão ganhou força com a pandemia do coronavírus e a previsão de queda de receita do Espírito Santo, que deve chegar a R$ 3,4 bilhão. Os Poderes, e aí inclui-se o Judiciário, viram-se pressionados a cortar gastos e se adequar a uma possível redução de repasse do Executivo.
No dia 28 de maio, por unanimidade de votos, o Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) decidiu por integrar 27 comarcas em todo o Estado para cortar gastos. Com isso, 69 comarcas foram reduzidas a 42. A decisão, contudo, gerou polêmica e a Ordem dos Advogados do Brasil- seccional Espírito Santo (OAB-ES) apresentou ao CNJ um procedimento de controle administrativo pedindo a suspensão da unificação das unidades.
Em entrevista à coluna Vitor Vogas, o presidente da OAB-ES, José Carlos Rizk Filho, criticou a medida e disse que "em vez de fechar fóruns, o TJES deveria cortar na carne". Ele também disse que houve rompimento do diálogo do Judiciário com a Ordem e a decisão foi tomada em reunião secreta.
A relatora do procedimento no CNJ, Ivana Farina Navarrete Pena, solicitou esclarecimentos ao TJES a respeito dos autos. Em documento enviado ao Conselho, o presidente do Judiciário, Ronaldo Gonçalves Sousa, afirmou que o presidente da OAB-ES teve uma reação política à decisão e que a sessão foi transparente.
A reportagem entrou em contato com o CNJ, que informou que não houve avanços no procedimento. A última decisão foi feita no dia 12 de junho, quando a relatora Ivana Farina determinou que o TJES se manifestasse. A OAB-ES disse que aguarda parecer do caso. Já o Tribunal informou que todas as informações da defesa estão no documento enviado ao CNJ.
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