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Sérgio Gama: 'Aposentadoria compulsória como punição é prêmio'

Sérgio Gama: "Aposentadoria compulsória como punição é prêmio"

Desembargador despede-se da presidência do TJES e não titubeia ao comentar temas polêmicos

Publicado em 11 de dezembro de 2019 às 21:01

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Desembargador Sérgio Gama, presidente do TJES. (Letícia Gonçalves)

Aos 73 anos, o desembargador Sérgio Gama despede-se da presidência do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES). Ele se diz apenas “50%” familiarizado com avanços tecnológicos recentes, mas fez questão de garantir, já na reta final, o lançamento do Processo Judicial Eletrônico (PJE) na 2ª instância da Justiça estadual.

Também se orgulha, ao consultar uma folha com o relatório de sua gestão, da implantação do BNMP 2.0 - plataforma digital de controle de detentos criada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) - e vaticina, sem lamentar: “O papel vai acabar”.

Não fosse a apelidada PEC da Bengala, Proposta de Emenda à Constituição que, em 2015, tornou a aposentadoria no serviço público obrigatória aos 75 anos de idade, e não mais aos 70, Gama não teria conseguido chegar ao posto máximo do Judiciário capixaba. Ciente do marco temporal, diz agradecer a Deus e a esta mudança por ter tido mais tempo na ativa.

Ele também não titubeia ao comentar outro tipo de aposentadoria compulsória, a que é aplicada como punição a magistrados condenados em processos administrativos disciplinares.

“Aposentadoria compulsória eu também acho que é um prêmio (ele faz referência à manchete do jornal impresso de A Gazeta do último sábado: “Penalidade ou prêmio?”). Agora, nas hipóteses em que o Ministério Público vislumbra ocorrência de crime e o magistrado é condenado a mais de quatro anos, ele perde tudo. Só que, pelo que eu tenho conhecimento, isso nunca aconteceu no Espírito Santo. Precisamos mudar a legislação”, afirma.

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A gente pode ter paciência, compreensão, com um colega que não tem muita cultura, com um colega indolente, mas um corrupto, não.

Sérgio Gama
Desembargador do TJES
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Nesta entrevista, Gama também comenta a prisão após condenação em segunda instância e uma polêmica mais local: a proposta de integração de comarcas, que ainda não foi formalizada, mas já deu o que falar.

Ao fundo, enquanto conversava com a reportagem, era fitado por um pôster do time do Flamengo, emoldurado na sala da presidência do TJES. Esse papel Gama não vai deixar para trás. O desembargador Ronaldo Gonçalves de Sousa assume nesta quinta-feira (12) o comando do Tribunal. Ele foi eleito em outubro.

Durante esses dois anos que o senhor esteve na presidência do TJES, o que destacaria, como ponto positivo?

  • Estabeleci como meta número um a implantação do Processo Judicial Eletrônico (PJE). Teremos o PJE consolidado no Tribunal de Justiça a partir de março, vamos começar com os processos de agravo.

Há resistência, tem gente que não leva muito jeito para lidar com a tecnologia …

  • Toda mudança que você faz tem … não diria resistência, mas as pessoas estranham. Mas teve uma excelente receptividade.

O senhor tem facilidade para lidar com a tecnologia?

  • Mais ou menos, 50% (risos). O papel vai acabar. Também atingimos outras metas, como o mutirão carcerário. Podemos dizer hoje que o sistema carcerário do ES é um dos melhores do Brasil. Antigamente se achava que apenas construir mais presídios iria resolver a situação. O que nós temos que fazer é o seguinte: incentivar as audiências de custódia, as videoconferências, em que o preso é ouvido de onde ele está, sem precisar ser deslocado. Isso é uma modernização que traz segurança.

Ainda tem gente que acha que a solução é construir mais presídios. E as audiências de custódia são alvos de crítica, acham que ela apenas devolve bandidos para as ruas rapidamente, que a polícia prende e a Justiça solta.

  • O pessoal tem que entender que não é o Poder Judiciário nem o Ministério Público que elaboram as leis. É o Poder Legislativo. Nossa legislação penal permite um número excessivo de recursos, então o processo não acaba.

E qual seria o momento destes dois anos ou algo que não saiu como o senhor imaginava ?

  • Assumi com uma situação financeira ainda grave, houve uma baixa na arrecadação do Estado como um todo. O Conselho Nacional de Justiça determinou uma série de providências, entre elas a integração de comarcas. Eu constituí uma comissão, presidida pelo desembargador Carlos Simões. Essa comissão vai estudar quais comarcas poderão ser integradas, mas isso é um trabalho longo, não pode ser resolvido em um dois meses. As outras instituições, como OAB, Ministério Público e Assembleia Legislativa, serão ouvidas. Vamos analisar comarca por comarca. Isso veio trazendo uma insatisfação porque as pessoas não entendem que estamos apenas no início desse trabalho, dessa avaliação. Mas precisa ser feito.

Por que precisa ser feito?

  • Tem a determinação do CNJ e também o país não tem como pagar essa conta. Quando eu fui promotor em Guaçuí, a comarca de Guaçuí abrangia Dores do Rio Preto e Divino de São Lourenço. Hoje Dores também é comarca. A comarca tem um juiz, um promotor e diversos serventuários. O Brasil não consegue pagar essa conta. Isso está sendo identificado também a nível federal, creio que isso vai ter que ser realizado e no futuro vamos ter a integração de comarcas.

Não é a primeira vez que se fala em integração de comarcas, mas isso nunca se concretiza.

  • Quando um cidade passa ser comarca essa cidade passa a ter um juiz, um promotor e servidores. Os moradores da cidade sentem mais segurança e não querem perder essa comarca, consideram uma conquista. Mas é inconcebível você pensar que, por exemplo, Água Doce do Norte (cuja população é de 11 mil habitantes) é uma comarca.  É preciso estudar com calma e fazer a junção. Com a tecnologia, a implementação do PJE vai melhorar, não vamos precisar de tanta mão de obra.

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É inconcebível você pensar que, por exemplo, Água Doce do Norte é uma comarca

Sérgio Gama
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Na gestão do senhor como presidente houve uma atuação destacada da Corregedoria, comandada pelo desembargador Samuel Meira Brasil Jr. e, com o aval do Pleno, foram abertos mais de dez Processos Administrativos Disciplinares (PAD) contra magistrados. Um deles recebeu a pena máxima, a aposentadoria compulsória. Isso pode ser visto como uma ação diligente do Judiciário, cortando na própria carne, mas também pode haver quem reclame, dentro do próprio Judiciário, de uma exposição pública negativa ao levar esses casos até o fim.

  • É superpositivo. Fui corregedor três vezes, fui corregedor no Ministério Público, no TRE e aqui no Tribunal de Justiça. A única coisa que de forma nenhuma que o Tribunal de Justiça pode ter tolerância é com a corrupção. Eu enalteço muito o trabalho do desembargador Samuel. A gente pode ter paciência, compreensão, com um colega que não tem muita cultura, com um colega indolente, mas um corrupto, não.  Vocês fizeram uma matéria esses dias sobre aposentadoria compulsória: punição ou prêmio. Uma matéria muito bem feita, que corresponde à realidade. E temos que mudar isso. Aposentadoria compulsória eu também acho que é um prêmio. Agora, nas hipóteses em que o Ministério Público vislumbra ocorrência de crime e o magistrado é condenado a mais de quatro anos ele perde tudo. Só que pelo que eu tenho conhecimento, isso nunca aconteceu no Espírito Santo. Precisamos mudar a legislação.

Por falar em mudança, não de legislação, mas de interpretação, o Supremo Tribunal Federal mudou o entendimento sobre prisão após condenação em segunda instância. Não pode mais perder.

  • Sou totalmente contrário a essa modificação feita pelo Supremo, não permitindo o cumprimento da pena após condenação em segunda instância. O acusado que se submete a duas instâncias e vê reconhecida a sua culpabilidade não tem que ficar em liberdade, tem que ficar preso. Infelizmente, falo isso com tristeza, o Supremo mudou outra vez de ponto de vista num lapso temporal pequeno, fazendo com que no país se vislumbre que existe uma insegurança jurídica muito grande. E isso gera impunidade. Outra coisa: acho que precisamos mudar os critérios de indicação de ministro do Supremo, isso não pode ficar na mão apenas do presidente da República. Sou totalmente contrário. E olha que eu fui para o Tribunal de Justiça pelo Quinto Constitucional e pelo então governador José Ignácio Ferreira (Sérgio Gama era membro do Ministério Público e foi indicado pelo então governador para ocupar uma cadeira de desembargador), mas nunca julguei nenhum processo dele, nem de nenhum familiar dele.

O senhor encerra agora a gestão à frente do TJES e deve ser aposentar em dois anos. O que vai fazer?

  • Vou tomar conta dos meus netos, torcer pelo meu Flamengo, passear, frequentar mais a minha igreja, curtir minha família. É isso, com a consciência tranquila durante os 26 anos que estive no Ministério Público e 19 aqui minha consciência está tranquila com a certeza de ter cumprido meu dever.

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