De tudo o que os Poderes e instituições estaduais do Espírito Santo gastarão em 2020 para prestar serviços públicos aos cidadãos capixabas, 76% estão reservados para o pagamento de salários e demais encargos ao funcionalismo. Essa é a média do comprometimento do gasto com pessoal nos orçamentos dos seis entes públicos do Estado para este ano.
Ao todo, estão reservados R$ 10,5 bilhões para pagamento de pessoal e encargos sociais do Poder Executivo e dos demais, que possuem autonomia administrativa e financeira, mas que também são custeados pelo Tesouro Estadual: Poder Legislativo, Judiciário, Ministério Público, Tribunal de Contas e Defensoria Pública.
Os dados são da Lei Orçamentária Anual (LOA) do Estado para 2020, e também incluem os aposentados. Dentro desses valores, está incluído o aporte feito com recursos do Tesouro para a Previdência Estadual, que em 2020 foi de R$ 2,3 bilhões.
Isso significa que existem órgãos em que praticamente todos os recursos reservados para alguma função governamental são usados exclusivamente para custear os servidores, em salários e encargos.
Essa realidade ficou ainda mais explícita no mês passado, quando o governo que controla as receitas do Estado teve que firmar acordos com todos esses órgãos para que fizessem uma redução no orçamento, dada a queda de arrecadação devido ao coronavírus. Os cortes foram modestos, sob a justificativa de que a maior parte do orçamento são despesas permanentes, como a de pessoal.
Embora a despesa com pessoal seja rígida, de fato, já que a maior parte dos servidores públicos são efetivos, possuem estabilidade, e cortes sejam possíveis somente com comissionados, a maior parte do funcionalismo também dispõe de uma série de outros benefícios e auxílios que engordam a remuneração, mas não cogitou-se que fossem mexidos.
A explicação dos Poderes para a alta proporção da despesa com funcionalismo passa pela característica de cada órgão, pois muitos deles dependem prioritariamente da atividade interna de servidores capacitados. Somente o Executivo tem um gasto expressivo com obras e investimentos. Por outro lado, os números mostram que quanto maior o gasto com funcionários ou custeio, menor é a margem remanescente para que investimentos sejam feitos.
O órgão com o maior gasto com pessoal dentro do seu próprio orçamento é a Assembleia Legislativa, com 83,4% em 2020. Em seguida vem o Tribunal de Contas do Estado (TCES), com 82,08%; o Tribunal de Justiça (TJES), com 78,02%; Ministério Público Estadual (MPES), com 74,83%; Defensoria Pública, com 62,97%, e o Poder Executivo, com 50,6%.
A Gazeta também verificou, em dinheiro o quanto isso significa. Considerando os 5 últimos orçamentos, de 2016 a 2020, a despesa com servidores cresceu R$ 1,53 bilhão, sofrendo uma variação de 17%. A inflação acumulada no período ficou em 23,6%.
O principal foi o Executivo, que gastava R$ 7,5 bilhões em 2016 e para 2020 orçou R$ 8,9 bilhões, 17,7% a mais. O TJES registrou uma variação de 14,63%, e MPES de 15,73%.
Não quer dizer, porém, que o Estado desrespeitará a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que limita a despesa com o funcionalismo do Executivo em 60%. A LRF determina a comparação da despesa com a Receita Corrente Líquida (RCL) do Estado, e não com o Orçamento. Em abril, esse percentual ficou em 49,22% da RCL, incluindo todos os Poderes.
Outra ressalva a ser feita é que algumas despesas voltadas para a remuneração do servidor, como os benefícios (auxílio-alimentação, auxílio-saúde, auxílio-creche), por regras contábeis, não entram na despesa com pessoal, e sim na de custeio, o que significa que esse custo com o servidor é ainda maior.
É natural que o gasto com pessoal represente a maior parte de tudo aquilo que é gasto por uma instituição pública que se dedica à prestação de serviços. No entanto, especialistas alertam para a necessidade de racionalizar essa despesa e ter também investimentos em novas tecnologias, que sejam capazes de fazer frente às necessidades modernas e de contribuir para uma melhor prestação de serviços aos cidadãos.
O coordenador Movimento Gestão Pública Eficiente e professor em Administração Pública Alex Cavalcante Alves avalia que como a despesa com pessoal é a mais difícil de ser reduzida, a melhor forma dos governos para lidar com ela é não aumentá-la, serem criteriosos com esse gasto.
"Quando vai haver uma abertura de concurso público, é preciso demonstrar que fez o dever de casa, investindo em modernização, informatização. Também pode substituir todo aquele trabalho operacional mais simples por mão de obra terceirizada, que acaba custando menos para a administração, e não é uma despesa permanente. Os concursados têm que ser escalados para as funções estratégicas."
Outra medida é que sempre que houver exoneração, que a gestão seja criteriosa ao repor essas vagas, verificar se aquele serviço não poderia ser otimizado, com a evolução natural de sua atividade. "Deixando de criar despesas com pessoal a longo prazo, acaba contribuindo para a boa execução da máquina", afirma.
A doutora em economia Ana Carla Abrão Costa, pontua que, hoje, a realidade da maioria dos Estados, há anos, é de sempre fazer ajustes em cima de custeio e investimento, restando muito pouco do Orçamento livre para gastos fora de pessoal.
Ela destaca que apenas reformas administrativas podem resolver o problema, reestruturando as carreiras, de forma que o servidor demore mais tempo para atingir o topo e torne a folha menos pesada.
"Tem que haver uma reforma administrativa que faça com que os gastos com pessoal parem de crescer ou reduzam. Todo mundo chega no topo rapidamente, se aposenta com salário do topo da carreira e continuam pesando na folha de forma indefinida. É um ciclo de gasto que começa no concurso público e só termina quando o servidor morre. E muitas vezes nem isso, porque temos pensões", aponta.
O secretário estadual da Fazenda, Rogélio Pegoretti, destacou que as contas do governo do Estado seguem equilibradas e que os gastos com funcionalismo ainda estão bem abaixo dos limites legais. Ele salientou que no orçamento do Executivo constam as operações de crédito, que nem sempre são realizadas conforme o orçado.
"Há muitas críticas ao gasto com pessoal, mas ele também é necessário para a melhoria do serviço público prestado. Não há educação sem professor, hospitais sem os profissionais de saúde, obras sem os técnicos e engenheiros, há a necessidade de policiais, dentre outros. A evolução do orçamento foi sustentável ao longo dos anos", destaca.
Pelo critério da Lei de Responsabilidade Fiscal, que compara o gasto com pessoal à receita corrente líquida, o Poder Executivo gastou, até abril, 38,89% com pessoal. O limite máximo é de 49%.
Diante dos cortes de despesa, e com limitações para enxugar em pessoal, ele afirma que o governo não pretende comprometer muito os investimentos previstos. "Vamos usar recursos que o Estado havia poupado, e com o Fundo de Infraestrutura, ao invés de usar recursos que seriam recebidos esse ano. Os investimentos estão sendo revisados de acordo com a prioridade urgência, para definir quais serão realizados primeiro".
O TJES respondeu que o tamanho do Poder Judiciário pode ser comparado a uma grande empresa que se encontra sediada na maioria dos municípios, tendo de manter nessas unidades juízes, servidores, prestadores de serviço e estagiários, necessários ao funcionamento.
"O tamanho da estrutura faz com que a necessidade de pessoal seja grande, consumindo grande parte do orçamento do Judiciário. E quase a totalidade do investimento e custeio do Poder Judiciário é feito pelo Fundo Especial do Poder Judiciário, que é de arrecadação própria, e cuja arrecadação vem caindo drasticamente desde 2016", afirmou a instituição.
Disse ainda que a integração de comarcas recentemente aprovada elimina a necessidade de juízes e servidores em inúmeras unidades, reduzindo assim o gasto projetado com pessoal. Pelos parâmetros da LRF, a despesa com pessoal do TJES não pode ultrapassar 6% da receita corrente líquida do Estado. Hoje, o gasto está em 5,34%.
O Tribunal de Contas destacou que se mantém dentro dos limites da LRF. Para a Corte de Contas, o limite é de 1,3% da receita corrente líquida, e o gasto está em 0,77%.
Pontuou que a Corte tem a responsabilidade de fiscalizar 719 jurisdicionados e que sua informatização abrange mais as rotinas operacionais, por isso é necessário servidores para exercer a atividade de natureza intelectual, tanto na fiscalização quanto na de análise das contas nas diversas fases do regimento interno.
O órgão também declarou que todo o esforço de redução de gastos no orçamento decorrente do enfrentamento à pandemia foi pautado em gastos com custeio e pessoal, não havendo cortes no orçamento de investimentos.
A Assembleia Legislativa afirmou que a despesa se manteve estável em proporção ao orçamento aprovado. Destacou que o percentual apurado é totalmente adequado às atividades, uma vez que para o bom desenvolvimento das atribuições institucionais, na prestação de serviços de excelência à população, faz-se necessário um quadro de pessoal compatível com o tamanho e a importância do Poder Legislativo capixaba.
"A Assembleia é um Poder prestador de serviços e, como consequência disso, a despesa de pessoal é o maior dispêndio em seu orçamento", completou. Pela LRF, o limite da Assembleia é de 1,7% da receita, e o gasto está em 1,05%.
Em decorrência da pandemia, a Assembleia informou que a implantação do serviço remoto proporcionou uma economia em gastos fixos como energia, água, telefone, suspensão da emissão de ordens de serviço e de fornecimento, além da cessação de funções gratificadas, gratificações de penosidade, insalubridade, periculosidade e risco de vida. Em consequência da assinatura do Termo de Acordo e com o retorno gradual das atividades presenciais, novas despesas serão reduzidas para atendimento da redução no repasse do duodécimo, sempre em equilíbrio entre despesas de pessoal e encargos sociais, outras despesas correntes, e investimento, garantindo o bom funcionamento das atividades legislativas e administrativas que continuam em operação.
A Defensoria Pública argumentou que o órgão possui um orçamento pequeno, com 259 cargos de defensores públicos para atender toda a população do Espírito Santo, e no entanto, nunca completou esse limite, tendo atualmente apenas 168 cargos preenchidos.
Afirma ainda que mesmo tendo realizado diversos concursos nos últimos anos, a quantidade de defensores no quadro, bem como o percentual de gasto com pessoal, vem se mantendo inalterado. Há também a previsão de incremento em investimentos em tecnologia e informática para tornar os serviços mais acessíveis com menores gastos.
O Ministério Público Estadual não respondeu aos questionamentos. Os índices registrados pelo órgão para a LRF são de 1,7%, sendo que o limite legal é de 2% da receita gastos com pessoal.
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