No próximo dia 23 de janeiro já deve estar implementado o juiz das garantias. Ao menos é o que prevê a Lei 13.964/2019, sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) no dia 24 de dezembro. O Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES), porém, avalia que esse prazo é muito curto.
"Não obstante a discussão quanto à constitucionalidade dessa norma, que ocorre no Supremo Tribunal Federal, certo é que o tempo que foi dado para implementá-la é insuficiente, já que exige que se reestruture totalmente a Justiça", informou o tribunal, em nota.
O texto sucinto do TJES prossegue dizendo que "no escopo de atender à lei estamos estudando e colhendo junto aos demais colegas desembargadores, juízes e associações sugestões para implementar a norma".
O juiz das garantias é o que deve atuar na fase de investigação, autorizando ou negando, por exemplo, um mandado de prisão preventiva ou de busca e apreensão. É ele também que deve conceder ou não a quebra de siligo fiscal, bancário ou telefônico. A sentença do caso mesmo fica por conta de outro juiz. Hoje, um mesmo magistrado realiza essas duas tarefas.
A ideia é que, com a mudança, o juiz que vai decidir se condena ou não o réu será mais imparcial, não "contaminado", subjetivamente falando, pelas informações repassadas pela polícia e pelo Ministério Público (a acusação) durante a fase de investigação.
Na prática, no entanto, implementar isso pode ser complicado. Até o último dia 6 a Justiça Estadual estava em recesso. A primeira sessão do Pleno do TJES de 2020 será no dia 30. O presidente da Corte, desembargador Ronaldo Gonçalves de Sousa, no entanto, segue no comando.
É quase certo ainda que o fato de dois juízes terem que se dedicar ao mesmo caso vai fazer com que a tramitação do processo demore ainda mais.
Além disso, há dúvidas sobre como o juiz das garantias vai funcionar. A lei fala em "rodízio" nas comarcas em que há apenas um magistrado. Mas já há um déficit de juízes. De acordo com o Portal da Transparência do TJES, a Justiça Estadual tem, formalmente, 412 cargos de juízes (considerando juízes de Direito e juízes substitutos), mas 108 desses postos estão vagos. São 305 os magistrados em atividade no primeiro grau.
"Está faltando magistrado. Como vai criar duplicidade de magistrados? Sem falar na inconstitucionalidade (da criação do juiz das garantias), questiono a situação prática", pontua Luiz Cláudio Allemand, que é mestre em Direito, conselheiro federal da OAB e ex-conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Como o TJES ainda estuda como proceder, não se sabe exatamente como será a implantação do novo sistema. O professor do mestrado em Segurança Pública da UVV Henrique Herkenhoff, que já foi desembargador federal, afirma que uma possibilidade seria estabelecer uma distribuição prévia dos processos e evitar o deslocamento dos magistrados.
"A melhor forma seria redistribuição prévia, que todos os inquéritos passassem por um juiz substituto previamente decidido. Os inquéritos da cidade (que só tem um juiz) irão automaticamente para a cidade X. Para evitar de o juiz ter que se deslocar para a outra cidade. Se for uma comarca com vários juízes, como nos municípios da Grande Vitória, fica predeterminado que o juiz uma Vara será o responsável pelos inquéritos de uma outra, especificamente. Nesse prazo curto não será possível outra situação", acredita.
Herkenhoff lembra que, no passado, adotou-se um expediente similar restrito à Região Metropolitana: "Já tivemos no Espírito Santo algo parecido, que foi a Vara Central de Inquéritos. Era o que seria o juiz de garantias. Todos os inquéritos iam para ela, ali que eram decididos todos os pedidos de busca e apreensão e depois os processos eram decididos".
Se a implantação do juiz das garantias na Justiça estadual capixaba será complicada, Herkenhoff destaca que em outros Estados, provavelmente, será pior. "No Amazonas há comarcas que ficam a dias de viagem uma da outra. Vai obrigar a polícia ou o Ministério Público a mandar um processo para um lugar que você tem que pegar barco ou avião para chegar lá", prevê. O processo eletrônico ainda é embrionário na Justiça Estadual.
Para Herkenhoff, tanto o modelo atual quanto a ideia do juiz de garantias têm problemas. "No Brasil todas as principais diligências passaram a exigir uma autorização prévia judicial e isso está produzindo o oposto do que se esperava: menos garantia e não mais garantia. Atrasa o processo, gera trabalho extra para a polícia, Ministério Público e Judiciário e o réu acaba menos garantido", afirma. A garantia, em tese, é a de ter um julgamento justo e a de não ser alvo de medidas invasivas desnecessárias.
"Como um mesmo juiz tem que acompanhar o inquérito todo, as pessoas questionam se ele já não estaria com o juízo pré-formado (antes de emitir uma sentença, diminuindo as chances do réu de ser absolvido). O ideal seria reduzir ou acabar com esse controle prévio. A polícia prenderia (temporária ou preventivamente), depois diria ao juiz por que ele deve ficar preso. O juiz ouviria o Ministério Público e a defesa para saber se ele deve continuar preso ou não. Embora isso possa parecer mais arbitrário, a defesa ficaria com armas iguais", argumenta.
Luiz Cláudio Allemand diz que o juiz das garantias é inconstitucional, mas não acredita que o Supremo Tribunal Federal (STF) barre a iniciativa.
"O que tem que se lutar é pela independência da magistratura. Nem todos os magistrados pecam pela falta de independência. Estão penalizando todo um sistema jurídico por uma interpretação de que todos os magistrados não têm independência. Os processos não terão fim e serão alcançados pelas prescrições. É o Legislativo e o próprio Judiciário não confiando no Judiciário", conclui.
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