A possibilidade de votar pelo celular, em casa, por exemplo, começa a ser estudada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que publicou um edital na segunda-feira (22) para estabelecer parcerias com empresas de tecnologia que possam desenvolver o sistema. Especialistas apontam, no entanto, preocupações com a modalidade, como a segurança da rede celulares são conectados à internet e o aumento da coerção na compra de votos por parte dos candidatos. Ou seja, se será possível votar em qualquer lugar, quem garante que ninguém vai "conferir" o voto dos eleitores?
São exatamente essas questões que precisam ser respondidas pelas simulações que serão feitas até o voto via celular ser considerado seguro e, então, começar a valer. A ideia não é substituir a urna eletrônica, mas fornecer uma alternativa ao eleitor, garante o coordenador-geral da Academia Brasileira de Direitos Eleitorais e Políticos (Abradep), Marcelo Weick Pogliese. A instituição elaborou um estudo sobre o tema e o entregou ao TSE em maio. O tempo de teste de um sistema, para que atenda a todos os critérios da Justiça Eleitoral, deve demorar anos.
A iniciativa do voto pelo celular, que será testado com candidatos fictícios em 2020, tem como pano de fundo o interesse de incentivar a participação dos eleitores no pleito e, principalmente, gerar economia aos cofres públicos. Ao falar sobre a novidade, o presidente do TSE, ministro Luís Roberto Barroso, ressaltou que as urnas têm um custo elevado e precisam ser trocadas periodicamente.
Acontece que um dos pontos que asseguram a veracidade do resultado das eleições é o fato de que as urnas eletrônicas não são conectadas à internet. Assim, não é possível a invasão de hackers para alterar os resultados. A realização da votação em um ambiente restrito e monitorado pela Justiça também garante que os eleitores não sofram coerções na hora de digitar o número do candidato escolhido. Atualmente, nem crianças podem entrar na cabine acompanhando os eleitores.
Esse é, para o advogado eleitoral Marcelo Nunes, o principal problema da proposta. "O maior problema do voto fora do ambiente restrito e fiscalizado seria a compra de votos, ficaria mais fácil um candidato fiscalizar essa compra. O receio é o aumento da corrupção eleitoral", pontua.
Além disso, muitas pessoas ainda não têm acesso à internet. "Acho que para agora isso é inviável, teria que ser um plano muito para o futuro. Se no modelo atual já é difícil levar a urna a todos os cantos do Brasil, pensa levar o acesso à internet? Eu não vejo a possibilidade de implantação por agora", assinala.
Pontos que também preocupam o presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Espírito Santo (TRE), desembargador Samuel Meira Brasil Júnior. O desembargador se considera um "entusiasta da tecnologia" e afirma que seria "um sonho" votar pelo celular. "Evitar filas, o desconforto de ir até o local de votação, sem dizer na absoluta economia de recursos públicos que isso apresentaria", aponta. Mas, para isso, pondera, a ferramenta utilizada precisaria ter mecanismos de controle para atestar a segurança.
A Justiça Eleitoral está a par de todas as preocupações, de acordo com Marcelo Weick Pogliese. O estudo do qual ele participou "coincidiu" com a chegada de Barroso ao cargo de presidente do TSE, e o ministro também já pensava em formas de modernizar, futuramente, o processo eleitoral.
Pogliese sustenta que o intuito não é substituir as urnas e, muito menos, começar a usar a modalidade antes de ter certeza de sua segurança. "É importante deixar claro que em nenhum momento o TSE está defendendo a substituição da urna, o que está se propondo a fazer, que é muito positivo, é começar a avaliar novas tecnologias que já estão disponíveis", afirma.
Como nem todo brasileiro tem acesso à internet, a ideia, de acordo com Pogliese, seria ter essa modalidade como uma alternativa para o eleitor que puder e quiser utilizar. Para isso, ressalta, seria necessária uma integração entre os dados da votação presencial e os da eletrônica, para evitar votos duplicados e interferências externas. Tudo, portanto, depende dos testes e simulações a serem feitos, que serão iniciados já em 2020.
A ideia é disponibilizar em pelo menos três cidades, Curitiba (PR), Valparíso de Goiás (GO) e São Paulo (SP), estandes com sistemas experimentais, que serão supervisionados pela Justiça. O teste será feito com candidatos fictícios. "É uma simulação para verificar se há tecnologia que dê conta de todos os critérios, o direito ao sigilo do voto, a segurança do processo eletrônico, a possibilidade de o sistema de passar por audições, ou seja, conferir se aquilo que teclou corresponde com o voto que queria registrar", aponta o coordenador da Abradep.
É por isso, opina Pogliese, que pode demorar muito, talvez até anos, para a tecnologia começar a valer. "Nós chegamos à consolidação da urna em questão de anos, hoje temos muita segurança porque construímos uma ferramenta com todos os métodos de controle. Mas é um ponto positivo esse olhar para o futuro", finaliza.
Para o presidente do TRE, a equipe técnica do TSE está atenta aos "detalhes" e, mesmo com os riscos, a iniciativa merece elogios. O desembargador lembra, ainda, que a Justiça Eleitoral, no Espírito Santo, elaborou um aplicativo para que os eleitores justifiquem a ausência no dia da votação pelo celular. "Quando começamos a elaborar o Justifica, gastamos a maior parte do tempo testando padrões de segurança", lembra.
A Estônia (país europeu com pouco mais de 1,3 milhão de habitantes) e algumas localidades do México já contam com sistema de votação pelo celular, de acordo com o coordenador da Abradep.
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