"Eu sobrevivi por um milagre". O desabafo é de Maria Creuza da Silva Moraes, que enfrentou a inundação que atingiu a cidade de Iconha, no Sul do Espírito Santo, junto com o marido paraplégico, mantendo apenas o nariz fora da água. Ela reside na comunidade de Bom Destino e relata, em meio às lágrimas, os momentos de desespero vivido na última sexta-feira (17).
Na região onde vive, pilhas de móveis descartados na rua revelam que a tragédia foi compartilhada com seus vizinhos, que desde o último sábado tentam retomar suas vidas, limpando casas, retirando a lama que se acumulou, contabilizando os prejuízos. Na casa de Creuza, nada sobrou. Mas ela se alegra por estar viva. "Ainda não acredito", diz.
Quando a enchente chegou a sua casa, a encontrou no sofá da sala. Lá ficou, boiando na água lamacenta, em meio a entulhos e cobras que acompanhavam a enxurrada. No quarto estava o seu marido, João Henrique Thompson Moraes. Paraplégico, ele não conseguiu sair da cama e o colchão acabou boiando na água que chegou quase ao teto da casa. "Ele se agarrou em uma janela e manteve o nariz para fora da água", conta Creuza, que gritou, sem sucesso, por socorro.
Para não perder as esperanças, ela orava e pedia ao marido que não desistisse de lutar. "Quando eu me cansava, era ele que pedia para me manter firme", conta Creuza. Assim permaneceram até que as águas baixaram e os vizinhos puderam ajudá-la.
"AGORA É LUTAR DE NOVO"
Próximo à casa de Creuza mora Roni Menegardo Mongim e sua esposa, Simone. Há 14 anos vivendo em Bom Destino, ele foi surpreendido pela enchente. A esposa tinha saído para ajudar uma tia que pediu por ajuda. Na hora ele tomava banho. Quando terminou, a água já estava invadindo a sua casa. Perdeu tudo. A parte de trás da residência, mais próximo ao rio, foi a primeira a ser alagada. Conta que só não perdeu foi televisão, ar condicionado e micro-ondas que estava no alto.
Ele conseguiu salvar o carro, levando-o para um ponto mais alto, e foi onde passou a noite de sexta-feira. Conta com a ajuda de amigos e parentes na limpeza da casa e espera conseguir recuperar os equipamentos de sua cervejaria artesanal, que também foi alagada. "Agora é lutar de novo, não vamos desistir", relata, ao lado da esposa, em frente a uma montanha de lixo formada pelos seus pertences.
CORAGEM PARA SALVAR VIZINHOS
No Centro de Iconha, encontramos exemplos de que mesmo em meio ao desespero, teve quem arriscou a própria vida para salvar os vizinhos. É o caso de Igor Cardoso, que trabalha em uma farmácia que foi totalmente destruída. Na sexta-feira, no momento da chuva, ele estava em casa quando ouviu os gritos da vizinha. Decidiu buscá-la, mas quando retornava para sua casa, a água já tinha subido e estava em seu peito.
Ele e a vizinha se arrastaram em meio a correnteza, desviando do entulho que descia com a enxurrada, como galhos e geladeira. Seguiram para a casa de uma outra vizinha, onde se abrigaram no segundo andar e ficaram ilhados, aguardando o volume de água baixar. "Foram mais de quatro horas de espera", conta.
SUJEIRA SEM FIM
Em meio aos entulhos que se acumulam na rua, Raquel Gaboro relata o desespero vivido durante a enchente. Na tarde da sexta-feira, quando chegou a rua em frente a sua casa, presenciou um caminhão-baú descendo pelo rio. "E uma cena que jamais vou esquecer". Foi quando ela se deu conta da dimensão do que a cidade estava vivendo. "O rio atravessou a rua. Realmente, o que vivemos foi uma catástrofe", desabafa.
Após a enxurrada, moradores das comunidades mais afastadas do Centro de Iconha reclamam que o entulho retirado das casas está se acumulando nas ruas. É o que acontece com Bom Destino, Duas Barras, Monte Belo, dentre outras localidades.
Segundo Raquel, o trabalho executado pelas máquinas para retirar o entulho, desobstruir as ruas e liberar os acessos são essenciais para que as comunidades consigam retomar a normalidade. "No interior o serviço está deixando a desejar. Tem muito entulho nas ruas e este serviço é essencial neste momento que estamos vivendo", pondera.
"GRITOS E COISAS DESABANDO"
Outra moradora que escapou por pouco foi Márcia Anholeti Bianchini. Ela conta que estava atenta ao volume de água do rio, mas foi surpreendida com a rapidez da enchente. Ela correu para a casa da vizinha, mas pouco depois a água também chegou lá. Tiveram que ir para o terraço onde passaram a noite presenciando a destruição. "A gente só escutava gritos e coisas desabando", relata. O muro em frente a sua casa veio ao chão menos de um mês após ser construído.
Márcia Anholeti Bianchini
Moradora de Iconha
"Ainda nem pagamos e ele já não existe mais. O portão que encomendamos nem chegou, e quem estava fabricando também perdeu tudo"
Uma grossa camada de lama ainda tomava conta da casa dela. No chão, em meio ao entulho, fotos e livros. Mas ela agradece pelo marido não estar em casa na hora da enchente. "Teríamos perdido o carro que ele utiliza para trabalhar. Teria sido ainda pior", relata.
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Reportagem A Gazeta mostra destruição em Iconha após as chuvas
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