Uma semana se passou desde o acidente que matou a professora Mírian de Oliveira de 38 anos. Ela e a filha de oito anos caíram de um brinquedo em um parque de diversões de Itaipava (Itapemirim), no Sul do Espírito Santo, por volta das 20 horas do último sábado (1º). O marido, Douglas Augusto Poubel, registrou o último momento dela com a filha.
Míriam teve uma lesão grave na cabeça e a perna esquerda esmagada e arrancada do corpo depois de despencar de uma atração chamada Surf, que começou a girar de maneira descontrolada em 360º. A professora estava acompanhada da filha de oito anos. A criança foi arremessada do lado oposto da mãe, chegando a se chocar contra um outro brinquedo, chamado Barca, caindo em uma área de areia.
Nesta entrevista o marido da professora fala sobre o momento do acidente, como não recebeu ajuda dos funcionários do parque e como a filha, há quase uma semana internada, está se recuperando e já respira sem aparelhos. Além disso, cobra por providências para que cenas como essa não se repitam e alerta que a tragédia poderia ter sido ainda mais grave se mais pessoas estivessem no brinquedo.
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Como que foi o acidente?
No momento do acidente lembro que tudo estava normal, com o brinquedo girando normal. Aí do nada eu vi que ele começou a rodar muito rápido. Eu gritei a primeira vez para o operador e ele não parou. Gritei a segunda vez para ele pegar e parar, mas não parou. Nessa segunda vez que gritei, eu corri porque vi que elas estavam caindo. O brinquedo começou a girar muito rápido. Foi muito estranho porque eu chamava o pessoal do parque para ir ajudar e eu vi que todo mundo tinha saído. Eles começaram a correr.
Para onde os funcionários foram?
Eu olhava para cima do brinquedo, para o pessoal da bilheteria, todo mundo estava indo embora, e eu não via ninguém chegando perto de mim. Eu olhava aquilo e gritava desesperado na hora. Perguntava pelo pessoal do parque para alguém ajudar e ninguém, nada. Fiquei ali sozinho com a minha mulher caída de um lado, a minha filha do outro, e eu meio sem saber o que estava acontecendo. Estava à mercê, não apareceu ninguém para me dar qualquer suporte. O mais estranho foi quando olhei e fui ver minha filha. Ela estava meio que caída pro lado. Fui lá olhar ela e quando olhei para trás do brinquedo onde fica essa casinha eu vi muitos funcionários chegando, tirando a camisa do parque, jogando dentro da casa e saindo com a camisa descaracterizada. Foi aí que eu vi e falei: gente eu tô sozinho.
O senhor chegou a perceber que o operador tinha ingerido bebida alcoólica?
Ele estava meio alegre. Eu não passo falar assim como ele estava, mas ele estava sim meio alegre. Com certeza alguma coisa ele bebeu. Certeza, certeza mesmo.
O senhor presenciou essa situação. Como é para o senhor?
Para mim é muito difícil porque eu vi acontecendo. Eu vi elas caindo. Eu vi minha mulher caindo e como ela ficou. A soltura deles causa uma sensação de impotência. Eu pedi duas vezes ao cara para ele parar, mas não parava. O operador não estava prestando atenção na roda. Gritei para ele, não tinha como não ouvir. Gritei duas vezes. Eu estava perto dele e ele não parava. Só foi parar depois que o brinquedo passou duas vezes por cima dela. Se ele estivesse melhor, com certeza teria parado. Ele não estava no seu juízo perfeito, porque teve que passar duas vezes por cima dela para ele parar. Ela estava caída e eu vi o brinquedo passando por cima dela. Até me machuquei tentando tirar ela lá do brinquedo. Depois vi minha filha jogada num canto, uma cena que não sai da minha cabeça. Estou dormindo à base de remédios. Muito difícil isso, às vezes estou dormindo e acordo com essas memórias na cabeça. Estou me blindando pela minha filha.
Alguém foi ajudar depois do acidente com o brinquedo?
O que fizeram foi correr. Quem fez alguma coisa foi a Guarda Municipal, a Polícia Militar e o pessoal do hospital de Itaipava (Itapemirim). Eles me socorreram. O pessoal da guarda fez a ocorrência e viu também que não tinha ninguém do parque. Eles são minhas testemunhas. Viram minha dor, meu sofrimento e que não tinha ninguém do parque. Todos se esconderam. Ninguém chegou perto de mim, nem para ver minha esposa ou minha filha.
Os suspeitos foram presos, mas já estão soltos. Como a sua família vê essa decisão da Justiça?
Para mim é muito complicado porque, nessa situação, quem está preso mesmo somos nós. Eu tive a minha esposa morta. A minha filha está aqui ainda na UTI, e eles já estão soltos. Mesmo com o operador do brinquedo tendo confessado que tinha tomado algo, que a alavanca deu problema, entre outras coisas, ele está solto. O dono não vê que em um espaço de 500 metros o funcionário está alterado e o juiz dá liberação para ele.
A prefeitura de Itapemirim soltou uma nota que o alvará dela é só com a tributação. Então, quer dizer que pode matar à vontade? O negócio da prefeitura é só pagar tributo? Achei muito estranho a prefeitura falar que o alvará é só para tributo. Não tem que fiscalizar quem está vindo e prestando serviço, se a pessoa é idônea, quem são os funcionários, como eles são contratados, que tipo de serviço vai ser ofertado em caso de alguma emergência, quem vai procurar, quem vai ser o responsável. Não tem nada disso.
O juiz mesmo com todo esse tipo de informação foi lá e liberou. Eu queria ver se fosse com a mulher ou a filha dele. Se os culpados iriam sair com tanta rapidez, sem ele olhar nada. Quem está perdendo sou eu. Eles estão livres lá. Aconteceu o que aconteceu e não fizeram nada. Ninguém me procurou nem para me dar um abraço ou me dar os pêsames. Eles estão soltos. Não sei se o parque já está funcionando, mas se estiver é um absurdo. Tá todo mundo solto, quem está preso sou eu aqui neste hospital com a minha filha na UTI. É complicado.
O parque entrou em contato ou deu algum tipo de assistência para vocês?
Não, nada, nunca ninguém me procurou. Desde o dia do acidente sumiu todo mundo. Eu vi todos correndo porque e a minha mulher estava caída e ninguém ficou. O dono não se apresentou, nem ofereceu ajuda alguma. Eu vim dirigindo do parque até o hospital. Não tinha espaço na ambulância para eu ir junto porque ela veio com a equipe médica. Tive que vir lá de Itaipava até o hospital dirigindo. ninguém prestou nenhum auxílio. Depois disso, estou nessa peregrinação desde domingo (02). Voltei segunda para fazer o velório da minha mulher.
Vocês pretendem processar os responsáveis?
Nós já estamos começando a ver isso. A Justiça tem que ser feita de alguma forma. Ela tem que ser feita. Eles têm que pagar. Foi um ato errado o que aconteceu. Não tiveram cautela e colocaram um funcionário de qualquer jeito para trabalhar em um local onde não deve. A justiça tem que ser feita.
No brinquedo só tinha as duas, mas lá cabia umas 12 a 15 pessoas. Se todas elas estivessem lá, eu não gosto nem de pensar, mas teria mais mortes. E se o operador fizer isso de novo? E se colocarem outros operadores que farão o mesmo? Eles têm que pagar. É preciso ter justiça para não acontecer com outras pessoas. Hoje eu tô sofrendo, sei minha dor, mas amanhã pode ter muito mais pessoas feridas. Para isso não acontecer, é preciso ter uma fiscalização melhor. A prefeitura mesmo precisa ter fiscalização atuante. Como ela deixa um parque atender dessa forma, ainda mais em um local que é turístico e vem pessoas de vários lugares. Daqui a pouco podem acontecer tragédias maiores e se não fizer nada vai acontecer.
Como está a situação da sua filha?
Ela está ainda na UTI. O estado é grave, mas não está mais sedada. Ela já tem melhora e respira sem os aparelhos. Apesar de ter gerado um coágulo e ter sofrido um traumatismo, ela tem conseguido se recuperar bem. Minha filha segue em observação e estou aqui com ela, sem data para sair. Ela me reconhece, olha, começa a falar e movimentar os braços e pernas. Isso ai que vai me motivando. Para mim, já é uma vitória. Ontem (07) ela falou pela primeira vez. A enfermeira pediu para ela ver quem estava no quarto e ela respondeu "é o meu pai". Foi uma das maiores alegrias que tive. Achei que ela não ia falar logo. Tinha vários pensamentos na cabeça, mas graças a Deus estou indo e seguindo por causa dela.
Qual é o seu foco agora para continuar?
Desde o começo meu foco está sendo minha filha. A recuperação dela está me absorvendo muito. A dor que eu sentia, porque eu só pensava nela. Eu só tenho ela agora. Minha razão para continuar lutando é vê-la bem, crescer, formar e ser uma pessoa de bem. É tudo ela. É ela que está me motivando. É por ela que levanto todos os dias para vir para cá e ficar com ela. Só por causa dela. Eu não desejo isso para ninguém, o que vi e o que passei. É muito ruim você passar por tudo isso sozinho. Eu não sabia o que ia acontecer, se ela ia resistir.
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