Das feridas que marcaram a história de Colatina, a lama de rejeitos de minério da Samarco, que atingiu o Rio Doce há quase 6 nos, ainda não está cicatrizada. Os danos sociais, econômicos e ambientais provocados pela tragédia geram impactos ainda hoje. A atividade da pesca praticamente se esgotou, devido ao medo de contaminação dos peixes, e as pessoas não confiam na qualidade da água que abastece o município. Além disso, a utilização inadequada do solo ao longo da bacia do Doce, associada a outras ações humanas, contribui para o surgimento de bancos de areia e agravam os problemas da seca e das enchentes.
Em comemoração aos 100 anos de Colatina, A Gazeta relembra momentos marcantes dessa trajetória, entre os quais as enchentes de 1979 e 2013, a seca rigorosa, entre 2014 e 2017, e a lama de rejeitos de minério, que castigou todo o vale do Rio Doce em novembro de 2015. Fatos que, além da destruição, trouxeram lições importantes e acenderam o alerta para a urgência de preservar o meio ambiente.
Aos 84 anos, o Ilton Ponche não consegue mais sobreviver da pesca no Rio Doce. Ele diz que não tem mais peixe. “Se você pescar 10 peixes hoje, daqui a 15 ou 20 dias, não pega mais nenhum. E esses peixes que tem saem das lagoas, não são do Rio Doce. Eu digo isso porque eu pesco há 70 anos”, lamenta.
O pescador recebe o auxílio financeiro emergencial, pago todos os meses pela Fundação Renova, criada para reparar os danos provocados pela lama de rejeitos de minério da Samarco. Ele mora na Vila de Pescadores de Maria Ortiz desde menino, onde aprendeu a profissão com o pai. Na vila, a atividade está parada porque, além da falta de peixes, existe a dificuldade para vender devido ao receio das pessoas de consumirem o pescado do Rio Doce.
Na cidade, também há a desconfiança na água que é captada do rio para abastecer o município. Com medo de contaminação, muitas pessoas compram água mineral para beber e cozinhar.
Na casa da vendedora Solange Silva Bragança, desde que a lama de rejeitos atingiu o Rio Doce, só se bebe água mineral. A família consome até cinco galões com vinte litros por semana. “É um gasto maior, mas a gente não abre mão por causa da preocupação com a saúde”, explica.
Apesar da desconfiança dos moradores, o Sanear, responsável pelo abastecimento da cidade, diz que faz análises na água tratada e distribuída e afirma que a água consumida no município está nos padrões das portarias, estaduais e federais, vigentes.
A Fundação Renova diz que realiza monitoramento sistemático da biodiversidade, do sedimento e da água. Sobre os peixes do Rio Doce, esclarece que estudos específicos do pescado estão em andamento e análises recentes têm apontado para a progressiva melhora das condições ambientais na região costeira após o rompimento.
As questões relacionadas ao consumo do pescado estão sendo tratadas na 12ª Vara da Justiça Federal Cível e Agrária de Minas Gerais, em que foi nomeado um perito para realizar estudos a respeito do assunto.
Em Colatina, 1.087 pessoas recebem o auxílio financeiro emergencial pago. São pescadores e outros profissionais, que dependiam da pesca no Rio Doce para sobreviver, e seus dependentes. Cerca de 63,7 milhões de reais foram pagos até junho deste ano.
O ano 1979 foi marcado pela maior enchente da história de Colatina, que afetou a cidade entre primeiro de janeiro e meados de fevereiro. O comerciante Zilton Manoel Lopes já tinha a relojoaria no centro e lembra da época. “O prefeito pegou o microfone de um vendedor de peixes e saiu pelas ruas, gritando feito um louco, para que as pessoas tirassem os objetos de dentro de casa e se ausentassem dos lugares mais baixos, porque o rio invadiria a cidade, como invadiu. Foi uma tragédia. A água demorou de 10 a 12 dias para baixar e, durante esse tempo, nós ficamos sem energia, sem alimentação e sem comunicação”, conta.
A água atingiu a marca de dois metros no centro e nos bairros próximos ao rio. Mais de 80 por cento da população ficou desabrigada. “O clima era de muita tristeza, mas as pessoas se ajudaram muito e assim nós conseguimos sobrepor essa dificuldade”, lembra Zilton.
Em dezembro de 2013, a história se repetiu. O Rio Doce transbordou mais uma vez e alagou toda a região central de Colatina. Dessa vez, no entanto, além dos prejuízos trazidos pela enchente, a população também sofreu com os deslizamentos de terra. No bairro São Marcos, o barranco deslizou sobre quatro casas e oito pessoas foram soterradas. Apenas um rapaz foi resgatado com vida pelos bombeiros. Era véspera de natal. As buscas pelos desaparecidos só terminou no dia 26 de dezembro, quando duas irmãs, pequenas, foram localizadas.
“A enchente de 79 foi mais forte, mas a recuperação econômica foi rápida. Colatina era um centro comercial, por isso, quando reabrimos as portas, tinha gente da região inteira procurando nossas mercadorias. Em 2013, não. A água baixou rápido, mas a região inteira foi prejudicada e o comércio demorou para se reerguer”, observa o comerciante Zilton Manoel Lopes, que enfrentou as duas piores enchentes no município.
Em 2014, teve início a pior seca da história de Colatina e a maior do Estado em 80 anos. Foram três anos de estiagem, que levaram o município a decretar situação de emergência devido às perdas no campo. Quase a metade da produção de café, por exemplo, foi perdida. Comunidades no interior do município precisaram ser abastecidas por caminhões pipa. O rio Pancas secou e o próprio Doce, tão assustador nas enchentes, agonizou entre os bancos de areia.
Mesmo em lados opostos, para os especialistas, secas e enchentes estão relacionadas ao mau uso do solo ao longo de toda a bacia hidrográfica. “Quando a gente usa o solo de forma inadequada, a gente diminui a capacidade do solo de infiltrar água e aumenta a capacidade de escoar água sobre o solo. Na época de chuva, a maior parcela vai parar no rio, o que causa as enchentes. E, como não infiltra, não recarrega o lençol freático para atravessar os períodos de seca. O mau uso do solo agrava as estiagens e aumenta os problemas de enchente”, explica o professor do Ifes de Colatina Abrahão Elesbon.
A solução para o problema está na conservação da água e do solo, que passa por várias ações, tanto na cidade quanto no interior.
O produtor rural Antônio Carlos Schneider tem uma propriedade no Córrego Jacarandá, no interior de Colatina, e faz o trabalho de preservação das nascentes há 4 anos. Com o apoio da Fundação Renova, cercou a área e plantou 300 mudas de árvores. E ele já comemora o resultado. “Agora, os animais vêm beber água aqui. Antes, tinham que procurar em outro lugar, porque não tinha, mas hoje está sobrando”, conta.
A renda da propriedade vem da lavoura de café conilon e das hortaliças, mesmo assim, ele abriu mão de uma parte do terreno, que se tornou uma área de proteção permanente, onde estão as mudas e as nascentes. “Água é tudo na roça, tem que cuidar, porque sem água não tem vida”, afirma o produtor.
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