Aos 35 anos, o jornalista Guido Nunes, repórter de Esportes da Globo, carrega um currículo de dar inveja a muitos veteranos: já cobriu três Copas do Mundo, duas Olimpíadas e inúmeros eventos esportivos no Brasil e no mundo. Uma trajetória que começou na 10ª edição do Curso de Residência em Jornalismo da Rede Gazeta, em 2007, e que lhe abriu as portas para entrar na CBN Vitória e, posteriormente, na TV Gazeta, de onde saiu para ganhar o mundo.
Na próxima quinta-feira (10), o Curso de Residência começa a selecionar os alunos para seu 23º ano e, na entrevista a seguir, um dos egressos de maior sucesso da imersão fala sobre carreira, experiências pessoais no jornalismo, impactos da pandemia na rotina e no esporte, além de dar dicas para quem está começando na profissão. Confira:
Como jornalista esportivo, você sentiu os impactos da pandemia em duas frentes: as adaptações na rotina de apuração e as paralisações em competições do mundo todo. Quais foram, para você, as principais mudanças que precisou encarar nesse novo cenário?
Acho que vai além da sua atribuição profissional, é sobre a sua vida mesmo, porque a pandemia é uma coisa de maluco. Mexe com tudo, com a sua cabeça, com a sua rotina. Minha maior adaptação foi tomar o máximo de cuidado, seja com máscara, álcool, distanciamento... A gente não parou; eu continuei trabalhando desde o início da pandemia, inclusive fui destacado para o RJTV, fazendo matérias do dia a dia porque o esporte estava paralisado. Então eu tinha que ser muito criterioso para evitar e minimizar o risco.
Você nunca sabe se vai pegar o vírus ou não, mas precisa fazer o máximo para que não pegue. E tem uma questão psicológica, às vezes fica naquela angústia “será que pegou ou não?”, especialmente no início, quando ainda não tinha muitos testes. Foi um período muito difícil, e que continua difícil aqui no Rio de Janeiro. E eu, pelo menos, sigo 100% dedicado a essa prevenção, para me proteger e proteger minha família, minha filha e minha esposa.
Quais lições, jornalísticas ou não, podem ser aprendidas deste período em que o esporte parou em quase todo o planeta?
Muita gente chegou a falar no início da pandemia que a gente iria sair dessa melhor, como pessoas, como ser humano mesmo. Mas minha visão é um pouco cética quanto a isso. Pessoalmente, na minha família, a gente ficou muito mais perto, apesar da distância. De querer falar toda hora, querer saber como é que está, levar as coisas para minha avó, assim ela não precisava de sair. Esse cuidado um com o outro, pra mim, foi uma lição que a gente aprendeu na nossa vida.
Agora, como sociedade, eu te confesso que estou um pouco descrente ainda do que poderia ter sido ou ter aprendido. Sinceramente, acho que não ficou lição nenhuma e ainda acho que o ser humano é muito egoísta. Isso tem um impacto direto no que a gente vê das consequências da pandemia no nosso país. E acho que o esporte é um reflexo disso, porque ele está inserido na sociedade. Da mesma forma que eu acho que o (Campeonato) Carioca voltou quando não deveria ter voltado, isso tem relação direta com as pessoas indo para barzinho quando não deveriam estar indo.
Entre críticas do público e desconfiança sobre resultados de testes, o futebol enfrenta dificuldades de se reestabelecer no Brasil nessa volta dos campeonatos. O que falta da parte dos clubes, dirigentes e autoridades do meio?
A volta do futebol, principalmente aqui no Rio, acho que aconteceu de forma precipitada. Foi necessário criar uma bolha, com testes para todo mundo, que era completamente desconectada da realidade do que a gente estava vivendo no período, em junho. Não acho que esportivamente isso era necessário, mas há outros interesses, até comerciais e financeiros, dos clubes. Então decidiram voltar e acho que as críticas partem muito em cima disso.
Eu até acho que da forma como foi feito esse protocolo, era um ambiente de fato seguro, até certo ponto. Porque eles conseguiram testar todo mundo: todos os jogadores, comissão técnica, nós, jornalistas... Só entrava no estádio quem estava com resultado negativo. Então, bem ou mal, você tem um ambiente controlado ali de que só entra ali quem não tem o vírus, algo que em qualquer outro setor era impossível. O próprio Maracanã tinha um hospital de campanha em que os funcionários não faziam testes. E a gente tinha dentro do Maracanã, no mesmo espaço, um ambiente com testes em alta escala. É muito mais uma questão de sensibilidade, de entender o momento que a gente está vivendo. O esporte passa uma mensagem e, na minha opinião, a mensagem que deveria ter sido passada não era essa de voltar, era de continuar ainda com as atividades suspensas e esperar uma melhora do quadro.
Guido Nunes
Jornalista esportivo
"O esporte passa uma mensagem e, na minha opinião, a mensagem que deveria ter sido passada não era essa de voltar"
Ao longo da sua carreira, você já participou de várias coberturas especiais, como Copas do Mundo e Olimpíadas. Quais mais te marcaram até agora?
Eu tive muita sorte de, no início da carreira, já consegui realizar sonhos. Acho que todo mundo que quer trabalhar com esportes no jornalismo tem o sonho de cobrir Copa do Mundo e Olimpíadas. Pelo menos, era o meu sonho eu agora já cobri três. A de 2014, aqui no Brasil, acabou marcando demais porque eu estava acompanhando a Alemanha, que foi campeã, além de estar no Mineirão no 7x1. Depois ainda fui para o Maracanã fazer minha primeira final de Copa, foi uma cobertura muito intensa. Eu consegui uma exclusiva com o Schweinsteiger, que foi a única exclusiva da Alemanha na Copa inteira, contando os jornalistas alemães.
Depois eu cobri a Copa do Mundo na Rússia, em 2018, e também foi uma experiência incrível. Eu fui como videorrepórter, sozinho para fazer tudo, desde as entradas ao vivo até matérias para Jornal Nacional. Também foi superintensa a cobertura, mas maravilhosa. Cresci demais com ela. E a terceira Copa foi a feminina do ano passado, na França, que também foi muito legal porque foi um momento em que o futebol feminino estava numa crescente. Mesmo o Brasil infelizmente não indo muito longe, mas a Marta se tornou o maior artilheiro das Copas, uma cobertura muito bacana.
De Olimpíadas eu cobri em 2012 a de Londres, acompanhando a Rússia, já como correspondente. E a outra foi a de 2016, no Rio, que também foi maravilhosa acompanhando o atletismo, e foi quando o Usain Bolt se tornou tricampeão olímpico. Quando ele passou na zona mista eu pedi para ele escolher uma música do Bob Marley para ilustrar aquele momento. Ele escolheu “One Love” eu falei “você podia cantar pra gente” e aí ele cantou mesmo. Essa imagem rodou o mundo na época, foi muito bacana. E como eu comecei falando, sobre o sonho de cobrir Copa e Olimpíadas, agora imagina cobrir as duas em casa? Eu tive essa honra. Acho difícil dizer qual me marcou mais, estou pensando aqui, mas acho que a Copa de 2014 foi mais especial por ter sido o primeiro grande evento e por ter sido no Brasil.
Você também acompanhou próximo um trágico momento do futebol brasileiro: o acidente com o avião da Chapecoense, em 2016. Pode falar um pouco dessa cobertura e seus desafios?
O acidente da Chape, sem nenhuma dúvida, foi a cobertura mais difícil e acho que nunca vou ter outra tão difícil quanto essa. Existem alguns acontecimentos que passam muito perto do que você vive. O que eu quero dizer com isso é que a nossa rotina é entrar no avião junto com time para acompanhar essa equipe numa viagem, numa disputa de campeonato. Então faz parte do nosso dia a dia, e fica aquela sensação de que poderia ser você. Eu senti demais e a gente tinha que manter o profissionalismo porque precisava informar e era um momento delicadíssimo. Os dirigentes da Chapecoense, que poderiam ter qualquer resposta sobre trâmites burocráticos, estavam no voo e acabaram morrendo no acidente. Foi muito difícil mesmo e a gente precisava passar as informações para a população e, depois eu fiquei sabendo, até os parentes das vítimas ficavam sabendo pelo SporTV, pela Globo, para saber quando os corpos viriam e tudo isso.
E eram colegas nossos entre as vítimas, companheiros mesmo de trabalho, de viajar junto. Um grande esforço para conseguir separar o seu lado emocional da sua frieza e serenidade necessárias para exercer a profissão, que é nossa missão como jornalistas naquele momento. Eu consegui segurar bem até aquele episódio com a dona Alaíde, a mãe do goleiro Danilo que foi uma coisa muito inesperada. Eu estava posicionado para fazer o vivo e vi uma rodinha de pessoas entrevistando uma senhora, que era dona Alaíde. Quando ela chegou, trocamos uma ideia rápida de 15 segundos antes de entrar ao vivo. E aí a entrevista começa e eu estava fazendo as perguntas para ela e, ainda assim, diante de tudo que ela passou, teve aquela grandeza de me abraçar, abraçando ali toda a imprensa. Porque essa é a mensagem que fica: a força daquela mulher, daquela mãe, e a generosidade de entender que era um sofrimento de todo mundo. E ela teve esse ato gigantesco de humanidade, de entender e falar “deixa eu te dar um abraço que eu sei que você também está sofrendo”.
Na faculdade tentaram me ensinar que o jornalista não pode se envolver. Não sei se quem falou isso já foi para rua, já teve uma vivência de jornalismo, porque é impossível você não se envolver. É impossível. Você pode, durante as suas participações, conseguir se controlar, manter a serenidade para passar as informações com muita clareza, mas não se envolver é impossível.
Guido Nunes
Jornalista esportivo
"Na faculdade tentaram me ensinar que o jornalista não pode se envolver. Não sei se quem falou isso já foi para rua, já teve uma vivência de jornalismo, porque é impossível você não se envolver."
Você fez parte da 10ª turma da Residência, em 2007. De lá pra cá, muita coisa mudou. Como você enxerga o jornalismo hoje, em comparação com sua perspectiva da época?
Nossa, 2007, muito tempo né? (risos) Eu acho que o jornalismo é o mesmo, o que mudaram foram as ferramentas que a gente tem para fazer o jornalismo. Eu lembro que na minha época na CBN a gente ainda usava o gravador de fita e na TV Gazeta ainda era câmera de disco, aquela grandona, e até o próprio jornal sendo feito na gráfica. Quando chegou na CBN um celular que acessava a internet, era coisa de maluco mandar e-mail com ele. Na época era só SMS e ligação. Foi logo que criaram o cargo de repórter multimídia e eu acabei começando nessa função, então fazia tudo, vídeo, foto, gravar áudio no próprio celular era a coisa mais maravilhosa do mundo.
Hoje em dia você precisa de um celular para fazer qualquer coisa, seja TV, rádio, jornal ou internet.
E eu falo isso por experiência própria, de já ter feito coberturas usando meu celular. Se eu colocar uma matéria que eu fiz com celular e outra que eu fiz com câmera normal você em casa não consegue fazer a diferenciação de tão boa que é a qualidade. Acho que a principal mudança é essa, a tecnologia evoluiu e ao mesmo tempo ela permite que outras pessoas possam fazer jornalismo. A gente tem uma possibilidade muito maior de chegar aos lugares. Antes alguém ligava na redação sobre um acidente e a equipe precisava ir até lá. Hoje em dia a pessoa já manda o vídeo do acidente dizendo o que aconteceu então. Isso mudou bastante o cenário do jornalismo, a gente vê uma participação muito maior das pessoas produzindo conteúdo.
Além da imersão na Rede Gazeta, você também participou do Passaporte SporTV, um outro programa de vivência do jornalismo e que se destaca pelo profissional multimídia. O que você acha dessa tendência?
O Passaporte SporTV foi uma experiência maravilhosa. Imagina sair da faculdade, com dois ou três anos de formado, e ter a possibilidade de ser correspondente internacional. É isso, uma proposta muito atrativa. E o mais legal é que eu fiz junto com Raphael de Angeli, que também é capixaba, meu irmãozão. Curiosamente, nós estávamos na TV Gazeta juntos, passamos no Passaporte juntos e fomos juntos morar na Rússia, foram várias coincidências.
A experiência é muito bacana, a gente vai sozinho fazer uma cobertura internacional, tem todos os desafios da correspondência, como as barreiras da língua, tive que aprender russo para poder me virar. Acho que para a empresa essa tendência é maravilhosa porque ela acaba te formando e te dando bagagem, em sete meses, que talvez você levasse 10 anos para acumular, uma “casca”, podemos dizer. Acho que essa é a tendência, a empresa investiu em você e ela tem esse retorno quando você volta. No jornalismo, suas experiências de vida, conhecer culturas, sistemas e pessoas diferentes, tudo isso conta muito. Como jornalista, isso só te engrandece.
O Curso de Residência está chegando à 23ª edição. O que você acha que o jornalista de hoje precisa ter para cumprir bem o seu papel?
Guardei essa última mensagem para falar sobre a Residência, não falei antes de propósito. Porque o Curso de Residência da Gazeta foi o divisor de águas na minha carreira. Falo sem nenhuma dúvida, com toda certeza e segurança do mundo, que tudo que eu sou, absolutamente tudo e onde eu cheguei, tem 100% da Residência da Gazeta. Quando eu formei na Ufes, eu tinha o sonho, como eu disse, de cobrir Copa e Olimpíadas, mas tudo isso era muito distante para mim, até trabalhar na Rede Gazeta parecia distante.
A Residência te permite vivenciar e conhecer todas as áreas. E você faz mesmo as coisas, acompanha, vai para a rua e bota a mão na massa. Isso foi para mim aquele momento quando te dá um estalo e abre a sua cabeça, sabe? Eu imaginava que era uma coisa e quando você vê a coisa acontecendo é completamente diferente.
Agora, mandando um recado para os futuros residentes: o que eu acho que hoje o jornalista precisa é ser capaz de fazer tudo. Não que ele vai realmente fazer tudo sempre. Mas há momentos e situações em que essa necessidade possa aparecer e se você estiver preparado, você vai se diferenciar. Antigamente, talvez até antes de 2007, as atribuições de cada um eram muito divididas, passou de tal ponto não é mais minha função. Hoje em dia não tem mais espaço para isso. Sendo bem básico: você precisa ser safo. Tem que saber se virar e ser bom de resolver problemas. Apareceu, resolveu. E acho isso independente da área, seja política, economia, esportes... Essa questão de você ser capaz de fazer tudo sempre vai te ajudar.
Então, se você não teve muito na faculdade, invista em cursos, mesmo on-line. Edição, fotografia, vídeo, áudio. E hoje em dia você faz tudo no celular, que facilita muito. Essa é a mensagem que eu deixo e com muita alegria de poder falar da Residência para novos residentes.
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