É na sombra das árvores do estacionamento do Centro de Hematologia e Hemoterapia do Estado do Espírito Santo (Hemoes), em Maruípe, que dezenas de pacientes, vindos do interior do Espírito Santo, e até de outros Estados, aguardam seus procedimentos ou o transporte de volta para casa. "Eu fico por aqui, debaixo daquele pé de castanha lá, sentado na sombra, chupando picolé, comendo pururuca", relata Alcir Manzoli, pedreiro de 53 anos que encara o percurso de Rio Bananal a Vitória após ter descoberto um câncer no reto.
Com um guarda-chuva, sentada em um banco na calçada entre vendedores ambulantes, Daiane Kerkosvky protege seu filho Anthony das gotas de chuva que caem do céu de Vitória em uma tarde de tempo instável. Na fila para o transplante de rins, o garoto de 7 anos, enrolado em uma coberta, está entregue ao cansaço, tendo como único consolo o aconchego do colo maternal.
"Eu saio de casa 10h30 da noite e chego aqui às 5h30", explica a dona de casa. A rotina de viagens à Capital fez com que Daiane abandonasse seu emprego num supermercado para dedicar-se integralmente aos cuidados do filho e aos trabalhos domésticos.
Atenta a tudo o que acontece ao redor de sua barraca, a vendedora ambulante, Maria Joaquina da Silva, 48 anos, é testemunha da falta de estrutura enfrentada pelos pacientes. "As pessoas vêm cansadas, amanhecem na estrada, chegam aqui, não têm um banheiro para ir, nem um lugar para sentar e descansar. E doentes ainda".
Quem se compadece dessa dor, também, é o motorista Joel Lauriano, 59 anos, que sabe que o meio de transporte que ele guia, muitas vezes não oferece o melhor às pessoas em situações frágeis. "Tem dia que vem paciente muito debilitado, não era nem para vir de ônibus, tinha que vir de carro. Vem idoso, pessoas com deficiência, a gente fica até sentido por isso, mas não tem jeito."
A falta de estrutura da rede de saúde não afeta apenas os municípios mais longínquos. Até cidades da Região Metropolitana não possuem recursos disponíveis para tratar doenças como o câncer, por exemplo. É o que relata a moradora de Guarapari, Maria da Glória Sasso, 68 anos, auxiliar de serviços gerais. "Cidade saúde só no nome, nem hospital público na cidade tem."
O outro lado
A Secretaria de Estado da Saúde (Sesa) disse, em nota, que o Hemoes, em Vitória, recebe diariamente pacientes para tratamento. Em média, são 15 pessoas hemofílicas e doença falciforme com agendamento todos os dias.
Conforme informações do órgão, existe uma sala de espera refrigerada para acomodar todos os pacientes enquanto aguardam a consulta.
“Vale destacar que o espaço, localizado na região de Maruípe, abriga um complexo de saúde, onde funcionam também o Hospital Universitário Cassiano Antônio Moraes (Hucam) e o Hospital Santa Rita, sendo um ponto de referência para a população do interior que busca atendimento ambulatorial em diversos serviços.”
A Sesa ressaltou, ainda, que o governo do Estado tem buscado mecanismos para descentralizar os atendimentos, visando garantir o acesso de todos a serviços de saúde.
“A rede de oncologia do Espírito Santo, por exemplo, está sendo concluída na parte de radioterapia com a inauguração, em 2024, em Colatina e Linhares, e visa reduzir a necessidade desses pacientes se locomoverem até a Grande Vitória, realizando atendimento em sua região de residência. Na região Sul, também já foi dada a ordem de serviços para a construção do novo Hospital do Câncer de Cachoeiro de Itapemirim.”
A Sesa acrescentou que a construção do Complexo de Saúde do Norte, com obras em andamento no município de São Mateus, vai reunir diversos serviços de saúde, como o novo Hospital Roberto Arnizault Silvares (HRAS), com 340 leitos, que será referência para 687.085 pessoas que moram na região Central e Norte do Estado.
O local também irá abrigar o novo Centro Regional de Especialidade (CRE), a Farmácia Cidadã Estadual, o Hemocentro Regional e a nova sede da Superintendência Regional de Saúde Norte, o Centro de Ensino para Residências em Saúde, Rede de Frio e Centro de Imunobiológicos Especiais (Crie).”
Em busca da cura
O Hospital Universitário Cassiano Antônio Moraes (Hucam-Ufes), por sua vez, esclareceu que, neste último semestre, inaugurou o ambulatório para as especialidades atendidas, com espaços adequados de espera para consulta, com assentos, refrigeração e banheiros.
A instituição também apontou que, para os demais ambulatórios, há banheiros públicos, espaços cobertos e ventilados, com cadeiras. Do mesmo modo, realizou investimentos para novas vagas de estacionamento, abrindo espaço para ônibus de prefeituras que trazem pacientes de outros municípios.
“Na maior parte das vezes, o alongado tempo de espera se dá pelo transporte ofertado nos municípios de origem desses pacientes, que precisam esperar o último passageiro ser atendido para voltar para casa."
Já o Hospital Santa Rita informou que, principalmente no período pós-pandemia, houve um aumento no número de pacientes/dia no ambulatório, o que tem provocado um aumento de pessoas nas dependências do setor.
“Temos nos esforçado para prestar atendimento a todos que chegam à nossa porta, porque entendemos que quem tem câncer tem pressa e precisa ser atendido. Ocorre que muitos vêm de longas distâncias e os transportes que os trazem, independentemente da hora da consulta, os deixam na porta hospital no início da manhã e só retornam no final do dia.”
Diante da situação, o Hospital Santa Rita, esclareceu ainda que reformou toda a estrutura ambulatorial, oferecendo a seus pacientes um ambiente com mais espaço, mais locais para espera e climatizado.
“Além disso, o Santa Rita, disponibiliza aos pacientes que estão sob os cuidados do hospital nas dependências do ambulatório, e também a seus acompanhantes, lanches nos turnos da manhã e da tarde, bem como locais adequados para aguardarem pelo atendimento.”
E concluiu: “O oferecimento, por parte das prefeituras, de transporte em horários alternados para abranger aos dois turnos de atendimento no hospital, minimizaria ou até mesmo resolveria essa triste situação.”