O arquiteto paisagista Kongjian Yu, responsável pela criação e popularização do conceito de “cidades-esponja”
O arquiteto paisagista Kongjian Yu, responsável pela criação e popularização do conceito de “cidades-esponja”
Kongjian Yu

"Cidades-esponja integram processos naturais ao design"

Responsável pela criação e popularização do conceito, o arquiteto paisagista Kongjian Yu destaca que cidades-esponja oferecem benefícios à saúde da população e à economia das cidades

Tempo de leitura: 5min
O arquiteto paisagista Kongjian Yu, responsável pela criação e popularização do conceito de “cidades-esponja”
Publicado em 22/11/2024 às 11h02

Nos últimos anos, o conceito de cidades-esponja tem ganhado força como uma possível solução para o problema de enchentes em áreas urbanas, que muitas vezes não são devidamente planejadas ou são construídas em áreas naturalmente propícias ao acúmulo de água.

Para falar sobre as cidades-esponja e o papel delas na construção de um mundo mais sustentável e seguro, o Hub Imobi conversou com o arquiteto paisagista Kongjian Yu, de Pequim, que é pai do conceito. Ele explica que, muito mais do que mitigar os efeitos das enchentes, esse método oferece numerosos benefícios ecológicos, sociais e econômicos para os moradores e as regiões onde é aplicado.

Hub Imobi – Como o conceito de cidades-esponja pode ajudar a prevenir enchentes?

Kongjian Yu – Práticas tradicionais de gerenciamento de água da chuva costumam depender de infraestruturas que incluem canais de concreto e canos para rapidamente transportar a água para longe de áreas urbanas. No entanto, esse método costuma afastar o problema, em vez de resolvê-lo. O conceito de cidades-esponja representa uma solução transformativa, ao reimaginar ambientes urbanos para imitarem processos naturais. Inspiradas por conhecimentos ecológicos tradicionais, essas cidades são construídas para absorver, guardar e purificar água dentro de um ambiente urbano, muito similar a uma esponja natural. Em vez de apenas depender de soluções de engenharia para remover a água rapidamente, cidades-esponja integram processos naturais ao design. Isso inclui o uso de superfícies permeáveis, “parques-esponja”, jardins de chuva, zonas úmidas e coberturas verdes, que coletivamente absorvem água da chuva, filtram-na e gradualmente devolvem-na ao meio ambiente ou a armazenam para ser usada no futuro.

Quanto tempo levaria para implementar essas medidas, em média?

A linha do tempo da implementação pode variar muito de acordo com fatores como o tamanho da cidade, a infraestrutura existente e a disposição política. Em média, progresso significante pode ser observado em cinco a dez anos, com a implementação em escala completa podendo levar mais tempo. No entanto, projetos menores podem demonstrar benefícios tangíveis em dois a três anos.

Quais são os outros benefícios do desenvolvimento de cidades-esponja?

Para a vida silvestre, a integração de infraestrutura verde – como zonas úmidas e coberturas verdes – cria novos habitats dentro de áreas urbanas, promovendo biodiversidade. Esses "espaços verdes" servem como refúgios para várias espécies de pássaros, insetos e outros seres vivos, contribuindo para a saúde ecológica geral de cidades. O aumento da vegetação em cidades-esponja também ajudam a absorver poluentes, filtrar o ar e sequestrar dióxido de carbono, melhorando assim a qualidade do ar no ambiente urbano. Além disso, a presença desses espaços ajuda a aliviar o efeito de ilhas de calor, tornando as cidades mais confortáveis durante períodos quentes e reduzindo a necessidade de altos gastos com energia. Socialmente, esses espaços aumentam, ainda, o valor estético dos ambientes urbanos e a qualidade de vida para os residentes, providenciando opções de recreação. Também podem aumentar o valor das propriedades e contribuir para a vitalidade econômica ao atrair negócios e turismo.

É mais barato utilizar o conceito de cidade-esponja, em vez dos métodos tradicionais baseados em concreto, para canalizar ou reter as águas de enchentes?

No geral, o conceito de cidade-esponja apresenta um custo-benefício muito maior, especialmente se for implementado em estágios iniciais de urbanização ou quando uma cidade está sendo construída do zero, como costuma acontecer em países em desenvolvimento. Esse método prioriza um planejamento urbano baseado na natureza, ao estabelecer uma infraestrutura mais ecológica, em vez de depender de sistemas de concreto e encanamento. Dessa forma, o sistema de drenagem da cidade consiste primariamente em estruturas naturais ao invés de estruturas artificiais. Além disso, a economia que resulta da redução dos danos de enchentes, do menor consumo energético e da diminuição dos problemas de saúde relacionados à baixa qualidade do ar e calor pode fazer essas cidades mais economicamente viáveis. É importante destacar que uma cidade-esponja deveria ser considerada um investimento, e não um custo.

Acredita que esse conceito pode ser aplicado em nível global, especialmente em cidades amplamente urbanizadas, como São Paulo e Rio de Janeiro?

Sim, o conceito de cidades-esponja é altamente adaptável e pode ser efetivamente implementado em cidades urbanizadas ao redor do mundo, incluindo grandes cidades brasileiras como São Paulo e Rio de Janeiro. Os princípios fundamentais para melhorar os processos hidrológicos naturais e integrar a infraestrutura verde são universalmente aplicáveis e podem ser adaptados para as condições climáticas, topográficas e socioeconômicas de diferentes regiões. Em áreas densamente povoadas, especificamente, a implementação de infraestrutura verde – como materiais permeáveis, jardins de chuva e zonas úmidas – pode reduzir significativamente o risco de enchentes. Além disso, transformar canais de concreto em canais naturais e criar espaços verdes multifuncionais, que também funcionam como barreiras de retenção de enchentes durante chuvas fortes, são medidas que podem beneficiar a resiliência urbana, de forma geral.

Qual é o papel das instituições governamentais nessa implementação?

O papel governamental é crucial. Governos precisam providenciar o apoio político necessário, investimentos e incentivos para encorajar a adoção de cidades-esponja. Isso inclui integrar exigências de infraestrutura verde em regulamentos de construção, oferecer subsídios e outros incentivos fiscais para desenvolvedores que incorporarem elementos de cidades-esponja e financiar projetos de infraestrutura pública que mostram os benefícios desses métodos. Além disso, governos têm um papel importante em educar o público sobre os benefícios de cidades-esponja e incentivar a colaboração entre diferentes entidades, incluindo o setor privado, organizações não governamentais e instituições acadêmicas.

Glossário

  • Cobertura verde: estrutura que utiliza recursos naturais – como plantas e solo – na construção da área de cobertura de uma edificação.
  • Jardim de chuva: jardim de arbustos nativos, perenes e flores plantadas em uma pequena depressão do terreno, que geralmente é formada em uma encosta natural e serve para reter temporariamente e absorver o escoamento da água da chuva.
  • Zonas (ou áreas) úmidas: ecossistemas que englobam áreas de pântano, charco (área alagadiça), turfa, manguezais e outras superfícies cobertas – parcial ou totalmente – por água.
  • Ilha de calor: fenômeno climático que ocorre em áreas com grau elevado de urbanização e alta concentração de gases do efeito estufa, o que ocasiona um aumento das temperaturas.
  • Cidades-esponja: conceito de cidade sustentável que surgiu no começo dos anos 2000, pensando no manejo de água, e já foi aplicado em diversos lugares do mundo, como na China e nos Estados Unidos.
  • Parques-esponja: parques alagáveis que fazem parte da estrutura de cidades-esponja e ajudam a armazenar e conter a água para que ela não inunde áreas urbanas.

Glossário de cidades-esponja

Exemplo de telhado verde em Fukuoka, Japão
Exemplo de telhado verde em Fukuoka, Japão. Shutterstock
Jardim de chuva na Sé, em São Paulo
Jardim de chuva na Sé, em São Paulo. Prefeitura de São Paulo
Manguezal em Maria Ortiz, na Grande Vitória
Manguezal em Maria Ortiz, na Grande Vitória. Fernando Madeira
Poluição do ar em Jacarta, Indonésia
Poluição do ar em Jacarta, Indonésia. Shutterstock
Parque Sanya Mangrove, em Hainan, na China
Parque Sanya Mangrove, em Hainan, na China. Divulgação/Turenscape
Tianjin Qiaoyuan, na China, um dos primeiros projetos de parque-esponja
Tianjin Qiaoyuan, na China, um dos primeiros projetos de parque-esponja. Divulgação/Turenscape
Tianjin Qiaoyuan, na China, um dos primeiros projetos de parque-esponja
Tianjin Qiaoyuan, na China, um dos primeiros projetos de parque-esponja
Tianjin Qiaoyuan, na China, um dos primeiros projetos de parque-esponja
Tianjin Qiaoyuan, na China, um dos primeiros projetos de parque-esponja
Tianjin Qiaoyuan, na China, um dos primeiros projetos de parque-esponja
Tianjin Qiaoyuan, na China, um dos primeiros projetos de parque-esponja

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