Morro São Benedito, em Vitória.
Morro São Benedito, em Vitória. Crédito: Bernardo Coutinho

Arquitetura social: reformas de moradias no ES mudam a vida de famílias

Desde 2008 foi sancionada uma lei federal para incentivar os municípios a promoverem assistência técnica arquitetônica à famílias de até 3,5 salários mínimos. Veja como ter acesso

Rede Gazeta
Publicado em 23/11/2021 às 11h37

“Não sei nem por onde começar a te explicar. Eu sou mãe, pai, avó e ao mesmo tempo sozinha para tudo. Sempre pedi a Deus que colocasse alguém na minha vida para me ajudar a dar um quarto digno aos meus filhos. Não temos cama, nem guarda-roupa, mas o pior já passou. Hoje, quem vem na minha casa fala bem”, relata Veraildes Almeida Silva.

Do outro lado da linha do telefone, a moradora de São Benedito, em Vitória, conta que se recupera dos sintomas da Covid-19 e relembra todo o processo de reforma da casa própria graças a um projeto de assistência arquitetônica social.

Por vezes emocionada, Vera relata que mora com os seis filhos e os três netos e que nos últimos meses de residência nova, a qualidade de vida mudou. Agora, ela só ganha elogios dos vizinhos e de quem recebe para tomar um café.

Não há mais baratas andando pela casa e nem alaga tudo quando chove. Não tem mais ratos pelo quintal e agora as paredes têm reboco, cerâmica e o teto é forrado.

Mesmo sem conseguir contemplar todos os cômodos, já que as verbas e doações não foram suficientes para finalizar todo o quarto de Vera e o banheiro, ainda assim a emoção de uma casa reformada contagiou a todos quando concluíram a obra.

Antes e depois da casa de Veraildes, em São Benedito, em Vitória
Antes e depois da casa de Veraildes, em São Benedito, em Vitória. Crédito: Ong Onze8

“Foi uma sensação maravilhosa. Tudo por causa do Valmir (líder comunitário do bairro) que me inscreveu no projeto e comentou sobre a possibilidade de reforma. Aí tudo mudou. Claro que ainda falta muito, mas devagarinho a gente chega lá”, aponta Vera.

ASSOCIAÇÕES DE ARQUITETURA

Com três quartos, dois banheiros, sala, cozinha e lavanderia, a nova residência da Vera é fruto do trabalho social da Organização Não Governamental (ONG) Onze8.

De acordo com a arquiteta e participante da instituição, Yolanda Faustini, por meio de auxílios da iniciativa privada e editais públicos, a ONG trabalha prestando assessoria técnica para famílias de baixa renda e propondo soluções para melhorar a ventilação, conforto térmico, umidade, entre outros problemas.

“Somos aproximadamente 10 arquitetos e estamos tentando construir uma rede interdisciplinar com assistentes sociais, psicólogos e advogados. A escolha das famílias depende muito do recurso e do patrocinador. Como temos um movimento de comunicação muito forte com as lideranças comunitárias, é por meio dessas parcerias que conseguimos nos inserir nas comunidades e avaliar quem preenche os parâmetros”, detalha Yolanda, acrescentando que pessoas físicas também podem fazer doações e serem patrocinadoras de reformas.

Ainda segundo ela, é comum encontrar casos de pessoas sem banheiro ou que ainda vivem em casas de madeira. “São situações muito perigosas e às vezes é até frustrante não conseguir ajudar mais.”

QUESTÃO DE SAÚDE PÚBLICA

Para o presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Espírito Santo (CAU-ES), Heliomar Venâncio, a situação dessas moradias é tão crítica que chega a ser questão de saúde pública. Segundo ele, a atuação de um profissional da arquitetura é fundamental para tratar patologias como infiltrações e mofo nas paredes. Além de embelezar a estética da casa, também reduz o risco de problemas respiratórios e melhora a saúde das famílias.

O auxílio a esse tipo de projeto não é encontrado apenas na iniciativa privada. Desde 2008, foi sancionada a lei federal 11.888, chamada de Lei de Assistência Técnica de Habitação de Interesse Social, ou Lei de Athis, que incentiva o desenvolvimento de projetos de arquitetura social pelas câmaras municipais.

“A lei prevê que toda família com renda de até 3,5 salários mínimos tenha assistência técnica de um profissional para os projetos de construção pagos pelo Estado. Entretanto, existe uma dificuldade na implantação desses projetos. Por isso, o CAU-ES também tenta incentivar esse trabalho e destina 2% do orçamento bruto anual para financiamento por meio de editais”, explica Heliomar.

Elaborada a partir de uma experiência em Porto Alegre, a Lei de Athis vem para contribuir no aceleramento do direito à moradia, previsto na Constituição Federal de 1988, de acordo com a professora do departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) Clara Luiza Miranda.

Com trabalhos intersetoriais e interdisciplinares, a Lei de Athis busca assessorar de várias maneiras essa parcela da população. Apesar da assistência ser gratuita, a professora explica que o trabalho dos profissionais precisa ser pago. Por isso, mesmo com os incentivos das ONGs, os investimentos precisam ser públicos, porque o que os beneficiários recebem não cobre o custo total das moradias.

Clara Luiza Miranda

Professora de Arquitetura da Ufes

"Habitação é uma necessidade e direito social, mas falta vontade política para alimentar esses fundos. É preciso promover um conselho mais ativo, incluir o tema nas agendas atuais e incentivar um debate público. Já que a má qualidade de moradia leva a problemas respiratórios, possibilidade de doenças e vários outros riscos"

O QUE DIZEM AS PREFEITURAS

No Espírito Santo, prefeituras da Grande Vitória têm unido forças com entidades privadas para regularização fundiária e promover assistência pública e gratuita aos projetos de arquitetura social.

Entretanto, a secretária de Desenvolvimento Urbano e Habitação de Viana, Gabriela Siqueira de Souza, explica que o processo não é tão simples, uma vez que é exigida uma equipe específica para isso. Algo que nem todas as prefeituras têm.

“Nós buscamos um termo de cooperação técnica com o CAU e vamos começar a elaborar um plano de trabalho para auxiliar a população. Por isso, assinamos um convênio com o Governo do Estado para a construção de 30 unidades habitacionais no bairro Campo Verde, um investimento de mais de R$ 4 milhões”, destaca.

Em Vitória, o secretário municipal de Desenvolvimento Urbano, Marcelo de Oliveira, aponta que um dos principais problemas da arquitetura urbana é a construção irregular de imóveis sem o certificado de Habite-se.

“Estamos elaborando um projeto com engenheiros recém-formados com uma bolsa ou alguma forma de ressarcimento para incentivá-los a regularizarem as edificações nos bairros da Capital. O projeto está em análise e será apresentado nos próximos meses”, pontua.

SAIBA O QUE AS PREFEITURAS TÊM FEITO 

  1. 01

    CARIACICA

    “A Subsecretaria de Desenvolvimento Urbano está em contato com o Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU) para a assinatura de um convênio que será disponibilizado profissionais do conselho para fazer os projetos de construção, até que se viabilize a contratação de profissional capacitado para execução dos serviços”, informou a prefeitura de Cariacica em nota.

  2. 02

    SERRA

    A Secretaria Municipal de Habitação da Serra (Sehab) afirmou por meio de nota que “já estão em andamento os projetos de finalização para implementação da Lei 11.888/2008. A previsão é que o cadastramento, a seleção e inclusão de famílias em situação de vulnerabilidade que atendam os requisitos da Lei ocorram já no primeiro semestre de 2022”.

  3. 03

    VIANA

    De acordo com a secretária de desenvolvimento urbano e habitação de Viana, Gabriela Siqueira de Souza, a prefeitura tem buscado um termo de cooperação técnica com o CAU e deve começar a elaborar um plano de trabalho para auxiliar a produção. A ideia, explica ela, é trabalhar a regularização fundiária dos loteamentos no município.

  4. 04

    VILA VELHA

    Em nota, a prefeitura informou que “para viabilizar a realização de projeto padrão conforme a lei, o município de Vila Velha está buscando parcerias com instituições de ensino e entidades privadas que possuam profissionais com formação em arquitetura e engenharia civil.”

  5. 05

    VITÓRIA

    Segundo o secretário municipal de desenvolvimento urbano de Vitória, Marcelo de Oliveira, a Prefeitura tem buscado parceria com algumas entidades como o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Espírito Santo (CREA) e o CAU para a formalização de um projeto que forneça às famílias o apoio técnico. O projeto está em análise e será apresentado nos próximos meses.

DIREITO À MORADIA

Vale ressaltar que o direito à moradia foi estabelecido globalmente em 1948, na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Desde então, os países membros da Organização das Nações Unidas (ONU) assinam embaixo quando o assunto é acesso à moradia.

No Brasil, foi a partir de 2000 que o direito à moradia foi explicitamente inserido na Constituição Federal. Antes, o texto citava apenas a promoção de programas sociais de saneamento básico, construção e melhoria habitacional.

Art. 6º

Constituição Federal

"São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. "

Outro desafio na garantia de moradia é a falta de incentivos que impõem barreiras no engajamento de arquitetos. “Quem está nessa área, é por acreditar que arquitetura é essencial e promove saúde. Já que quando uma obra começa, ela precisa terminar e isso exige a presença integral desse profissional”, explica a conselheira do CAU-ES, Priscilla Ceollin.

Com o objetivo de incentivar a imersão de arquitetos e garantir o direito à moradia a pessoas de baixa renda, o CAU-ES divulga um edital anual para financiamento de projetos de arquitetura social. Neste ano, o valor será de R$ 49 mil, sendo que até três projetos podem ser contemplados.

“O edital é para arquitetos que tenham algum projeto na área. Temos uma bancada e seguimos alguns critérios avaliadores. É importante que a proposta seja original, replicável e multidisciplinar, com o apoio de diferentes frentes”, detalha Priscilla.

Podem participar da seleção organizações sem fins lucrativos, bem como, entidades da administração pública, direta e indireta, no âmbito municipal e estadual, que tenham arquitetos e urbanistas em seus quadros.

Entretanto, não é permitida a participação de pessoas físicas ou de empresas na seleção. Cada candidato poderá inscrever até duas propostas até 2 de dezembro, exclusivamente, pelo e-mail [email protected].

Onde posso buscar ajuda?

Se você precisa de ajuda para reformar a sua casa, a Onze8 atende o Território do Bem, composto pelos bairros Itararé, Jaburu, Bairro da Penha, Bonfim, Engenharia, Consolação, Floresta, São Benedito e Gurigica, em Vitória. O contato deve ser feito com as lideranças comunitárias.

Como posso ajudar?

A Onze8 aceita doações de pessoas físicas e também aceita novos voluntários. Para ajudar, basta entrar em contato com o Onze 8 clicando aqui.

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