Apesar das elevadas taxas de emissão de gases de efeito estufa, o Brasil tem um perfil distinto de outros países e parte de um patamar diferenciado no que diz respeito à descarbonização. A avaliação é da especialista em Direito Climático e diretora de Assuntos Regulatórios da Biomas, Natália Braga Renteria, que destaca que o desmatamento ilegal em território brasileiro tem a maior contribuição nas emissões.
“Cinquenta por cento das nossas emissões vêm, na verdade, do desmatamento ilegal. Imagine um país que tem as suas emissões ligadas ao processo produtivo, ligadas ao consumo energético. Mudar isso na base da sociedade é muito mais difícil. Então, a gente, aqui no Brasil, já consegue dar uma virada na nossa matriz de emissões direcionando, cuidando dessas emissões de desmatamento ilegal. É mais fácil cuidar disso do que mudar toda a base energética de um país”, observa.
Natália participará do painel Desafios e Oportunidades de Sustentabilidade no Pedra Azul Summit 2023, promovido pela Rede Gazeta, a partir do próximo dia 27. O evento reunirá lideranças empresariais e políticas do Espírito Santo nas montanhas capixabas.
Haverá palestras e painéis sobre temas diversos, com participação de autoridades do Estado e do país, além de convidados especiais. O jornalista e comentarista da GloboNews Gerson Camarotti comandará o painel "Papo de Política: 2024", junto à colunista de Política de A Gazeta, Letícia Gonçalves. A repórter Renata Ceribelli, da TV Globo, fará companhia a Dan Stulbach, Zé Godoy e Teco Medina em uma edição, ao vivo, do "Fim de Expediente", da CBN, que celebra os 50 anos do "Fantástico". A cantora Maria Rita é a atração nacional confirmada do evento.
Confira abaixo a entrevista completa com Natália Braga Renteria:
Quais são os desafios da descarbonização para empresas atualmente?
A descarbonização como uma política de redução de emissão de carbono está chegando no Brasil agora. Então, as empresas estão tendo necessidade de se estruturar para atingir esse objetivo. E é uma estruturação que vem sempre de dentro para fora. A regulação pode vir confirmando e puxando esse objetivo para cima, mas a descarbonização é um processo que nasce internamente.
De que forma?
Primeiro, as empresas têm que ter consciência das suas próprias emissões. Entender o impacto dos seus processos produtivos nessa emissão. Então, uma vez que faz essa conscientização, esse inventário interno, ela estabelece o seu plano de descarbonização. E essa consciência está ganhando muita força no Brasil agora, até pelo momento internacional, mas pela proximidade do aumento da nossa regulamentação em relação a isso.
Qual é a questão com a legislação?
Até hoje não temos o que a gente chama de precificação do carbono, que é justamente saber quanto custa a emissão de carbono da sua empresa. A gente não tem uma legislação sobre isso. Está chegando agora no Congresso. Já foi aprovado no Senado e agora (está) na Câmara. Em breve, o Brasil vai ter uma regulamentação, e aí o que antes eram atitudes ou processos voluntários das empresas será obrigatório a partir da chegada dessa regulamentação. Isso segue o movimento global. Cada vez mais vai se cobrar saber quanto aquele produto gerou na produção de carbono, como que aquilo se conecta a legislações internacionais de controle de emissão.
Acredita que as empresas, hoje, já estão no caminho para uma produção mais sustentável ou ainda é uma coisa que precisa avançar um pouco mais?
Os desafios são imensos, os desafios são inúmeros. É claro que a gente já encontra no Brasil grandes empresas com programas de medição e acompanhamento das suas emissões. Mas acredito ainda que são empresas pioneiras, que são o topo da cadeia, porque são processos caros, o inventário de emissão de carbono internamente é complexo, é caro e você ainda depende de ajuda externa. As equipes estão em formação, então é um processo, né? (sic) E esses processos são mais acelerados ou menos acelerados quando você tem uma legislação que te obriga àquilo ou não. Então, eu acredito que essas empresas pioneiras que faziam isso até hoje por planos voluntários vão cada vez mais aumentar.
Pode explicar um pouco mais quais são esses desafios?
São desafios de conhecimento, de formação de profissionais, acesso a esses procedimentos de medição, porque isso ainda é uma tecnologia que é limitada, o conhecimento não é amplo, mas, para falar a verdade, eu acredito que a gente tem um belo caminho pela frente.
Você cita um desafio em relação à formação de profissionais. Então, essa mudança não é algo que deve vir só das empresas, certo?
Eu acho que é um movimento econômico mais amplo. Com certeza, a educação precisa atuar nisso, mas as empresas não vão poder esperar profissionais novos chegarem. Vai ter que ser em paralelo. A gente vai precisar mudar, sim, a grade curricular de muitos cursos. Mas, em paralelo, as empresas vão precisar reforçar a formação dos seus profissionais. Acredito que, daqui uns anos, isso vai estar já fluindo melhor. Mas, nesse início, vai ser bem desafiador.
O que você enxerga como oportunidade para o Brasil em relação à descarbonização?
O Brasil tem uma grande oportunidade nesse mercado, sem dúvida nenhuma, porque as nossas emissões não vêm majoritariamente dos processos energéticos, dos nossos processos produtivos. Cinquenta por cento das nossas emissões vêm, na verdade, do desmatamento ilegal. Imagine um país que tem as suas emissões ligadas ao processo produtivo, ligadas ao consumo energético. Mudar isso na base da sociedade é muito mais difícil. Então, a gente, aqui no Brasil, já consegue dar uma virada na nossa matriz de emissões direcionando, cuidando dessas emissões de desmatamento ilegal. É mais fácil cuidar disso do que mudar toda a base energética de um país. O Brasil já tem uma base energética bastante limpa. É claro que a gente ainda tem desafios na área de produção energética, 25% das nossas emissões vêm disso. Então, é claro que a gente precisa cuidar disso também. Mas a verdade é que a gente já parte de um patamar diferenciado. E isso coloca o Brasil como um exemplo de economia verde diferenciado.
Então, o cenário é de otimismo?
O nosso potencial de descarbonização é real porque a gente vai conseguir direcionar as emissões legais. Vamos cuidar das emissões de outros setores, mas nosso desafio é mais factível do que de outros países, que têm que mudar toda a base de consumação energética. O Brasil tem essa vantagem de uma matriz energética já bastante limpa.
O que mais há de vantagem?
O Brasil pode se colocar como um país totalmente diferenciado no mundo em relação a clima por meio da base florestal, da agricultura de baixo carbono, toda nossa indústria, da agropecuária, que pode puxar, sim, novas práticas. Uma relação diferenciada com a emissão de carbono, porque o nosso potencial florestal é muito grande. A base de floresta tropical que o Brasil tem… Nenhum país tem essa base mais bem colocada do que o Brasil. Então, a gente precisa valorizar todos esses créditos que vêm da floresta. Toda a economia climática florestal, isso é único no mundo, e o Brasil tem que ser capaz de valorizar.
Em nível estadual, há algo que possa ser feito para alavancar essas mudanças?
Acho que os Estados estão se movimentando bastante. Acredito que um estabelecimento de políticas estaduais em relação ao clima, a facilitação da chegada de empresas que queiram cuidar dessa área florestal, que queiram valorizar a economia da floresta… Hoje em dia, a gente fala do capital natural… Então, todas as empresas que queiram explorar esse capital natural a favor do clima, serão bem recebidas, sentirão que o governo está ao lado delas para conseguir se solidificar. Acho que isso tudo são passos importantes, que muitos Estados já estão dando. E é mais imediato, sabe? A gente sabe que chegar até a terra, chegar até o chão, botar um projeto de pé é o que vai trazer diferença dos projetos-pilotos. Então, os Estados que estão favorecendo, que estão recebendo bem essas empresas, já dão um passo a mais em relação a essa economia florestal, além do que, é claro, tem toda a parte de descarbonização das empresas dos Estados também, que vão estar ligadas a essa regulação nascente.
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