Não é preciso ir a fundo na memória para lembrar de enchentes no Espírito Santo que deixaram rastros de destruição e mortes, como as chuvas de 2013, que atingiram 55 de 78 municípios, e as de março de 2024, no Sul do Estado. Além de alagamentos constantes durante chuvas mais fortes em variadas cidades capixabas, as ocorrências mostram a dificuldade de conter a força da água durante eventos climáticos extremos.
Em busca de funcionalidades que colaborem com a mudança desse cenário, A Gazeta conversou com especialista em arborização urbana e restauração de ecossistemas, que apontou o modelo de cidade-esponja para o Estado. Mas, afinal, é um modelo prático? Funcionaria em solo capixaba? Como?
O conceito de cidades-esponja está voltado para ferramentas capazes de absorver um grande volume de água, sem a necessidade da dependência total dos processos de escoamento tradicionais, como as bocas de lobo e os encanamentos subterrâneos.
O modal surgiu na China, criado pelo arquiteto Kongjian Yu, responsável por aplicar o sistema em mais de 70 cidades ao redor do mundo, provando que o modelo de cidade-esponja pode ser aplicado em qualquer lugar.
“Esse sistema é capaz de preparar cidades para eventos extremos, com capacidade de absorver, limpar e filtrar a água, usando soluções baseadas na própria natureza. Quando apontamos os objetivos das cidades-esponja, contamos com métodos que tornam qualquer cidade em um espaço sustentável, com áreas verdes, úmidas e alagáveis”, explica a engenheira florestal Cristiane Coelho, afirmando que o modelo pode e deve ser aplicado no Espírito Santo.
No Estado, segundo a engenheira, muitas cidades foram construídas no entorno de rios sem o devido planejamento, o que aumenta a probabilidade de alagamentos. Prova disso é que, como mostrou reportagem de A Gazeta, o Estado tem mais de 260 pontos de risco de inundação.
Para aplicação do sistema, alguns pontos são essenciais: fiscalização e restauração das Áreas de Preservação Permanentes (APPs), principalmente nas zonas rurais que circundam os municípios; diminuição da velocidade das águas nos rios e córregos próximos e dentro das cidades; adaptações das cidades para conseguirem deter e filtrar as águas das chuvas e uma gestão pública voltada às aplicações das soluções baseadas na natureza.
“A aplicação de cidades-esponja é uma questão de gestão pública. Estados e cidades podem pensar nisso a partir de agora para resultados a longo prazo para que a gente repense como estamos construindo nossos espaços com estudos em áreas que têm histórico de enchentes”, pontua Cristiane, que também é professora do Departamento de Ciências Florestais da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).
Além dos ganhos na qualidade ambiental, o modelo traz vantagens na saúde pública e na economia. “As cidades-esponja englobam uma estratégia que se apoia até mesmo na valorização das cidades. Além disso, temos atenuação climática e diminuição da poluição do ar, elementos que colaboram com a melhoria da saúde humana, reduzindo a ansiedade e melhorando a qualidade de vida, por exemplo”, pondera Cristiane.
“Em relação aos custos, não dá para mensurar, já que cada cidade tem suas peculiaridades. Ainda assim, a aplicação é muito mais barata. O cimento é muito mais caro que as gramíneas, por exemplo. Desvantagens só serão vistas se essa implementação for realizada sem planejamento ou sem estudos ordenados”, complementa.
Paraná e Minas Gerais já contam com exemplos de espaços que se baseiam em ferramentas utilizadas nas cidades-esponja. No Estado do Sul do Brasil, parques armazenam águas fluviais, absorvendo enchentes e protegendo áreas residenciais desde a década de 1970, como o Parque Barigui, em Curitiba, que ocupa uma área de 140 hectares, sendo o maior exemplo da cidade no uso do modal.
Já em terras mineiras, o Parque Antônio Molinari, em Poços de Caldas, foi construído em um nível abaixo da cidade, com áreas arborizadas e também com espaços capazes de absorver as águas da chuva. Em épocas de seca, o local conta com campos de futebol, quadras e outros espaços de convivência.
Para o arquiteto Kongjian Yu, “a sabedoria ancestral de conviver com a água é a maior inspiração para o conceito de cidade-esponja”, como disse ao portal g1. Segundo ele, a sociedade destrói cidades modernas com o uso de técnicas industriais dependentes de concreto, canos e bombas.
Segundo o criador do projeto, o modelo de cidade-esponja ajuda não só a enfrentar a força das águas no período das chuvas, mas também a mantê-las fluindo pelas torneiras durante os períodos mais secos do ano.
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