A preocupação com os aumentos sucessivos no preço dos combustíveis passou a fazer parte da rotina dos brasileiros de forma mais intensa nos últimos meses, já que somente em 2021 a gasolina acumula alta de 73,4% e o diesel de 65,3% nas refinarias, segundo dados da Agência Nacional do Petróleo (ANP). Mas quem já vem sentindo esse peso no orçamento de forma mais evidente há alguns anos são os profissionais que ganham a vida nas estradas.
Com a promessa de iniciarem outra paralisação nacional a partir da próxima segunda-feira (1º), os caminhoneiros pouco viram avançar em relação às suas reivindicações a partir da greve que parou o país em maio de 2018, e hoje amargam ainda mais prejuízos. Desde então, o diesel S10, menos poluente, que custava em média R$ 3,70 o litro, hoje se aproxima de R$ 5 na bomba. No ano passado, vieram outras ameaças potencializadas pela pandemia da Covid-19, como a disparada do preço de insumos.
Diante desse cenário, um movimento que ganhou força e tem sido uma forma de muitos profissionais continuarem atuando foi a busca pelo cooperativismo, como alternativa para driblar todas essas dificuldades.
No Espírito Santo, há 15 cooperativas de transportes registradas no Sistema OCB/ES. Dessas, nove atuam apenas no transporte de cargas e seis também no de passageiros. Entre elas, três passaram a atuar a partir de 2019.
É o caso da Cooperativa Capixaba dos Transportadores de Cargas (Astrancoop), que hoje reúne cerca de 40 cooperados no Espírito Santo – a maioria, caminhoneiros autônomos – mas tem a meta de chegar a mil associados.
O projeto começou a ser desenvolvido há cerca de dois anos, mas ganhou força mesmo em 2020, no auge da pandemia. “O cooperativismo de transporte de cargas no Espírito Santo começou há 15, 20 anos, mas com alguns segmentos muito específicos. A partir de 2018, com o advento da paralisação (dos caminhoneiros) e outros movimentos que aconteceram no país, tem reforçado essa inserção, principalmente de transportadores autônomos ou aqueles que têm uma frota um pouco menor, a se juntarem com o objetivo comum. A gente notou que o cooperativismo começou a ganhar mais amplitude, força e relevância no cenário capixaba e nacional”, afirma o gestor da Astrancoop, Rayner Santos, 32 anos.
Ele explica que atuando de forma autônoma, em média, os caminhoneiros recebem da transportadora cerca de 70% do valor do frete. Já os associados à cooperativa ficam com um valor maior do que é pago pelo serviço, entre 80% e 85%, já que repassam apenas um percentual para manter os custos operacionais da organização.
Rayner Santos
Gestor da Astrancoop
"O que buscamos é entregar para o cooperado uma maior capacidade de oferta de carga, principalmente neste momento em que ele mais precisa. A cooperativa nasceu com objetivo de entregar diversos benefícios, entre eles a remuneração mais adequada, segura e outros que pretendemos trazer, como melhoria de insumos, a questão de preço, desde o combustível a peças e acessórios"
EXPECTATIVA POR PROGRAMA FEDERAL
Outra mais recente é a Cooperativa dos Transportadores Rodoviários Autônomos do Espírito Santo (Coopertres), que foi registrada no início da pandemia a partir de uma associação e completou em agosto um ano de atividades. Atualmente, são 24 cooperados, mas a meta é passar de 100.
A presidente da Coopertres, Reginy Barbieri, explica que o principal incentivo do grupo foi participar do projeto Roda Bem Caminhoneiro, lançado no final de 2019 pelo Ministério da Cidadania com apoio do Ministério da Infraestrutura. O programa surgiu como uma resposta a reivindicações da categoria, ainda na esteira do movimento grevista. Para isso, estimula a criação de cooperativas de transporte rodoviário de cargas compostas por caminhoneiros autônomos e também a adesão a cooperativas já existentes.
Por meio do Roda Bem Caminhoneiro, eles receberam um contêiner que será usado como base de apoio para os cooperados e também um tanque de combustíveis com capacidade para 15 mil litros. O objetivo é oferecer diesel a preços menores com a compra coletiva direto nas distribuidoras. A expectativa é que também seja criada uma rede nacional que permita a compra de outros insumos em grande quantidade, com melhor custo-benefício.
O Ministério da Cidadania foi procurado para informar quais as etapas do projeto e quantos são os beneficiados no Espírito Santo, mas não respondeu até o fechamento desta reportagem. Assim que responderem, esse texto será atualizado.
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BERÇO DE CAMINHÃO
Nascido em berço de caminhão, o cooperado mais novo da Coopertres é Arthur Pinto, de 22 anos. As dificuldades da categoria, inclusive, não desanimam o rapaz que tem muito orgulho da história que tem construído. “Por eu ter meu pai e meu avô caminhoneiros eu vejo como é difícil a vida nas estradas, porém é algo que eu gosto. Eu cresci com isso. É legal você dirigir e conhecer lugares. Tem que ligar o trabalho ao lazer porque se você fica semanas e, às vezes, meses fora de casa, uma coisa tem que estar ligada na outra”, destaca.
Para ele, a cooperativa é fundamental no dia a dia de um caminhoneiro. Isso porque a instituição consegue algumas facilidades que fazem a diferença no desempenho da atividade. “A função do cooperativismo é ajudar, é o significado da palavra cooperar. O frete é repassado para a gente da melhor forma pela cooperativa e eles conseguem óleo diesel, que vem aumentando, com preço mais em conta”, afirma Arthur.
A expectativa do jovem transportador é que a classe fique cada vez mais unida. Segundo ele, é preciso melhorar as condições de trabalho. “O transporte rodoviário é muito necessário. É nossa forma de levar comida para dentro da casa dos caminhoneiros e também na vida de todos, porque depende da gente para transportar a comida que chega no supermercado”, ressalta Arthur.
LIDERANÇA FEMININA
Neste universo majoritariamente masculino, uma mulher se destaca e ocupa um cargo de liderança. É o caso da presidente da Coopertres, Reginy Barbieri. Criada por um padrasto caminhoneiro, ela começou a mexer com planilhas e ajudar a família neste segmento desde quando era criança.
De acordo com ela, o aumento do preço do diesel é só a ponta de um iceberg porque toda uma cadeia de insumos também sofre reajuste e elevação de valores, como pneus e peças de reposição de caminhões. No entanto, os desafios na vida de um caminhoneiro vão para além do combustível, já que a jornada desses profissionais é marcada por vários obstáculos como falta de pontos de apoio para pernoite, banheiros precários, estradas perigosas, roubos e, infelizmente, risco de acidentes.
Neste contexto de aumento de combustíveis, de acordo com Reginy, para manter o poder de compra, os profissionais acabam tendo que trabalhar mais para receber o que estão habituados. Segundo ela, é só assim para a matemática fechar no fim do mês na hora de pagar as contas. A presidente da Coopertres ressalta que, para ser um caminhoneiro, portanto, não basta ter uma habilitação, esse ofício exige muita experiência e amor pela profissão.
“O cooperativismo é importante porque vem a reduzir custos para os caminhoneiros e aumentar a lucratividade para todos os cooperados. Além disso, aumenta a segurança nas estradas porque os profissionais podem ter condições de fazer mais manutenções em seus veículos, o que reduz as chances de acidentes”, destaca Reginy.
“A GENTE VEM LUTANDO MUITO, CRIANDO UMA ENGENHARIA FINANCEIRA”
Entre as variáveis que sofrem alterações com o aumento dos combustíveis está o preço do frete. Porém, é importante destacar que, segundo o presidente da Astrancoop, Luiz Calenzani, de 46 anos, esse aumento para o público final não é uma vontade do segmento de transporte.
“É bom deixar claro que o transportador não tem interesse nenhum em aumento de frete porque a gente sabe que isso acaba impactando na conta final. O consumidor final acaba tendo dificuldade de absorver. Isso freia a economia”, destaca o empresário, que atua no segmento desde 1997.
De acordo com ele, o transportador tem sofrido muito porque a cada dia que passa as margens de lucro vêm reduzindo, afinal, tudo no segmento de caminhão subiu. “A gente vem lutando muito, criando uma engenharia financeira dentro do transporte, dia após dia. Os transportadores estão literalmente rebolando para fazer a coisa acontecer. De uma maneira geral, a gente acredita na economia. Não sei dizer qual é o período, mas sou otimista e acredito que a economia vai virar e vai acabar conseguindo equalizar todas essas dificuldades que a gente vem passando”, finaliza Luiz Calenzani.
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