Quando a pandemia de gripe espanhola se espalhou pelas principais cidades dos EUA em 1918, os locais que implantaram múltiplas medidas de distanciamento social logo após os primeiros casos conseguiram reduzir em 50% o pico de mortes causadas pela doença, cortando também o total da mortalidade em 20%.
A disposição de agir para que as pessoas ficassem em casa desde o início dos casos de gripe provavelmente explica por que a taxa de mortes por 100 mil habitantes em St. Louis (principal cidade do estado do Missouri) ficou em menos da metade do que o registrado na Filadélfia.
Mesmo as cidades mais populosas e densamente povoadas do país, como Nova York (com 5,6 milhões de habitantes na época), saíram-se melhor quando restrições a eventos públicos e isolamento de doentes foram implementados cedo.
Os dados sobre a gripe espanhola são importantes para a compreensão dos efeitos do distanciamento social na atual pandemia porque há paralelos consideráveis entre o que aconteceu há um século e a situação em 2020. O principal deles é o fato de que, em ambas as épocas, não havia nem há vacinas contra os vírus causadores das doenças (o influenza A e o coronavírus Sars-CoV-2, respectivamente).
Ambos os períodos também são marcados pela ausência de medicamentos comprovadamente eficazes contra os vírus, embora o aparecimento dos antibióticos atuais ajude a combater as infecções bacterianas que se aproveitam da fragilidade do organismo enquanto ele enfrenta o vírus.
Essas limitações similares fazem com que as ações comportamentais e sociais sejam a única defesa real contra o avanço da pandemia hoje, ao menos por enquanto, assim como ocorreu durante as múltiplas ondas de gripe espanhola, que mataram meio milhão de americanos e cerca de 50 milhões de pessoas no mundo todo entre 1918 e 1920.
Dois estudos clássicos, publicados em 2007, chegaram a conclusões muito parecidas sobre a trajetória da gripe espanhola em solo americano. Um deles, coordenado por Martin Cetron, dos CDCs (Centros de Controle e Prevenção de Doenças, órgão federal dos EUA), foi publicado no periódico médico Jama, enquanto o outro, liderado por Richard Hatchett, do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas, saiu na revista científica PNAS.
Cetron e companhia vasculharam arquivos de 43 das mais populosas cidades americanas da época, todas com mais de 100 mil habitantes em 1918, tentando comparar a variação no número de mortes causadas por gripe e pneumonia (resultado comum dos casos mais graves da infecção pelos vírus influenza) antes e depois da chegada da pandemia. Chegaram à conclusão de que, no período de 24 semanas que estudaram -entre 8 de setembro de 1918 e 22 de fevereiro de 1919-, a gripe espanhola causou 115.340 mortes a mais do que o esperado nas 43 cidades investigadas.
Todos esses municípios adotaram, em algum momento, pelo menos alguma medida de proteção, as chamadas intervenções não farmacêuticas, divididas pelos pesquisadores em três categorias (fechamento de escolas, cancelamento de eventos públicos e isolamento e quarentena de pessoas doentes e seus contatos). Mas só 15 das cidades chegaram a adotar os três tipos de medidas ao mesmo tempo.
A combinação entre fechamento de escolas e fim dos eventos públicos foi a que teve mais impacto na redução do pico de mortes -o famoso "achatamento da curva" -, mas isso desde que as cidades em questão tivessem colocado tais medidas em prática relativamente cedo, antes que as mortes causadas por gripe e pneumonia alcançassem níveis superiores à média antes da onda pandêmica. Esse parece ter sido o caso de Nova York e Saint Louis, por exemplo. Agir cedo também ajudou a reduzir as mortes de maneira geral, e não apenas o pico na pior fase do surto.
No estudo publicado na PNAS, Hatchett e seus colegas analisaram menos cidades --um total de 17--, mas conseguiram estimativas mais precisas da redução média de mortes no pico da pandemia e no total (os 50% e 20% citados no começo deste texto).
Eles verificaram ainda que o calcanhar-de-aquiles das intervenções não farmacêuticas foi a duração delas: poucas cidades conseguiram mantê-las por mais do que seis semanas, fazendo com que, após o relaxamento, uma nova onda de casos aparecesse.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta