“A vida vem em ondas como o mar” é um verso do poema “Dia da criação”, de Vinícius de Moraes, citado por Nelson Motta na letra da canção “Como uma onda”, dele e do Lulu Santos.
Será que os grandes compositores da música popular brasileira também surgem em ondas? Se afirmativo, uma onda muito forte teve sua crista na segunda metade dos anos 60 e está na rebentação até hoje. Nessa onda vieram, entre outros, Edu Lobo, Gilberto Gil, Chico Buarque e Caetano Veloso – nessa ordem, do primeiro ao quarto lugar do Festival da Música Popular Brasileira, da TV Record em 1967. Todos nasceram na primeira metade dos anos 40. Gil fez 78 anos em junho passado, Caetano chegou ontem a essa idade, Edu fará 77 no próximo dia 29 e Chico fez 76 em junho. Quer dizer, tinham menos de 30 anos no tempo dos primeiros festivais, como aquele.
O que eles têm em comum não é apenas isso. São oriundos da classe média e fizeram algum curso superior, o que pode ter-lhes dado rigor formal na escrita das letras musicais, atividade à qual Edu foi quem menos se dedicou. A dedicação a harmonias mais sofisticadas é herança de uma onda anterior, a bossa nova. Todos contam com detalhes o encanto de ouvir pela primeira vez a voz e o violão de João Gilberto em “Chega de saudade”.
Como na formação de grandes ondas, os ventos eram favoráveis, e entre esses sopros estavam os festivais, chamando a atenção do grande público para os compositores, que até então era mais direcionada aos intérpretes. Foi criada então a sigla MPB para denominar toda a música popular brasileira, mas acabou se restringindo àquela produzida por quem surfava aquela onda.
Outro vento bravo determinante se formou com o momento político do país, o engajamento do público estudantil e a televisão, que se firmava como forte veículo formador de opinião. Logo a torcida pelos compositores favoritos passou a ser semelhante à de um time de futebol, acirrada e fanática.
Poderia ter sido apenas marola, mas a onda virou um tsunami, pelo menos para uma boa parte daquela geração. Infelizmente, houve quem não chegasse aos 40 anos, como Sidney Miller, que ganhou o prêmio de autor da melhor letra naquele festival, para “A estrada e o violeiro”. Sim, havia destaque também para letristas, assim como para arranjadores, que nem sempre têm sua importância reconhecida. Sidney nasceu em 1945, viveu apenas até 1980, deixou uma obra musical consistente e ainda hoje é lembrado volta e meia em regravações. Não chegou a ser tsunami, mas também não foi marola.
Caetano e Gil logo partiram para a criação do Tropicalismo, com outros artistas de diferentes gerações. Esse movimento durou pouco, e os inquietos, irreverentes e instigantes compositores foram em frente. À beira de se tonarem octogenários, prosseguem em permanente transformação e criação, enquanto sua obra é revisitada pelos mais variados intérpretes no Brasil e fora dele.
Edu e Chico estão um pouco mais distantes dos 80 do que aqueles baianos, mas também continuam em permanente processo criativo e têm suas obras musicais muito regravadas. Paralelamente aos seus trabalhos individuais, dedicam-se em dupla a compor clássicos musicais para teatro e cinema. Das preciosidades da dupla, muitos se lembram das canções das peças “O grande circo místico”, do início dos anos 80, e “Cambaio”, no começo do século atual. Tais como “Beatriz” e “A história de Lily Braun”, da primeira, e “A moça do sonho”, da segunda.
Quem acompanha atentamente o trabalho desses artistas septuagenários considera injusto afirmar que eles pararam no tempo, levaram um caldo depois de surfar na crista da onda. Mas também é imprudente dizer que “depois deles não apareceu mais ninguém”. Apareceu, sim, em muitas ondas, até o Belchior, autor desse verso, e continua aparecendo. A música brasileira permanece rica em sua diversidade, mas com novos problemas, inclusive a inexistência de ventos favoráveis à formação de tsunamis.
Este vídeo pode te interessar
Continua válida a saudação feita por Chico Buarque em sua canção “Paratodos”, de 1993: “Evoé, jovens à vista”. Ou melhor, novas ondas à vista. Vieram e virão.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.