“Da Nascente à Foz”, da artista Angella Conte, uma das instalações da exposição 'Corpo-Experimento',  em cartaz no Maes, no Centro de Vitória
“Da Nascente à Foz”, da artista Angella Conte, uma das instalações da exposição "Corpo-Experimento", em cartaz no Maes, no Centro de Vitória. Crédito: Paula Barbosa/Divulgação

A presença ativa e consciente do corpo na arte, em cartaz no Maes

A exposição Corpo-Experimento, coletiva composta por obras de artistas visuais contemporâneos, desafia noções essencialistas das linguagens artísticas

Publicado em 31/07/2021 às 09h02
  • Gilberto Alexandre Sobrinho

    É professor do Instituto de Artes – Unicamp, curador convidado da exposição Corpo-Experimento

"Corpo-Experimento" instaura processos de sentido e construções de visualidades, a partir da participação do corpo na arte. Alquimia da matéria, da tecnologia e do corpo. Um movimento híbrido que desafia noções essencialistas das linguagens artísticas e trava uma disputa conceitual com tradições da história da arte. O foco da exposição é a expansão dos efeitos de sentido do corpo, e os trabalhos oferecem recursos para uma visita ao pensamento da superfície nas e das imagens.

Há uma proposta expandida, inclusive, que objetiva expandir os atributos de linguagens e tecnologias, justamente, para que as relações entre essas máquinas de imagens, matérias e possibilidades de construção de objetos possam ativar outros modos de pensar o corpo. Assim, primeiramente, temos o uso da fotografia que colabora para a compreensão de um laboratório de sentidos ampliados, como no trabalho "Momentos/Moments", de Nazareth Pacheco, que restitui a dimensão testemunhal do fotográfico, renova a tradição do retrato, provoca a dimensão performativa da imagem e compartilha memórias pessoais e profundas de seu corpo em transformação cirúrgica.

Em "Mimese", Peter de Brito traz uma imagem metonímica do gesto cotidiano de lavar as mãos e convida a uma reflexão, a partir da relação pele/cor, sobre o branqueamento e os estereótipos raciais em uma série fotográfica de grande potência visual.

Na manipulação de arquivos visuais ou na “visita” a lugares de memória, recupera-se objetos e trabalha-se a ressignificação deles. Nesse movimento, Tiago Sant’Anna, na fotografia "Refino #5 (Pés)" recorta a imagem de pés descalços de pessoas negras, representadas por pintores viajantes. A camada de açúcar sobre a imagem produz uma moldura branca e tensiona, assim, esse passado da representação, reiterando o aspecto violento da imagem de pessoas como objeto de troca e coisa lucrativa.

Em "Click ou isto não é um preto, volumes I, II e III", Geovanni Lima intervém em objetos de consumo e de comunicação de massa, com tinta preta sobre corpos brancos. Um gesto de denúncia e reposição que se torna uma estratégia de ocupação e de transformação da matéria.

A paisagem e os processos de significação também estão presentes na exposição. No vídeo, "Danço na terra em que piso", Renata Felinto sincretiza imagens e sons e conecta ancestralidade e cultura pop para, com os pés descalços, estabelecer laços e ocupação territorial. Rafael Bqueer mistura performance e fotografia, em uma autoimagem, num lixão, em "Alice e o chá através do espelho". A justaposição provocativa do corpo numa paisagem inóspita radicaliza o gesto decolonial. Entrecruzando arquivos, imagens da casa grande e performance, o vídeo "Filha natural", de Aline Motta, é uma narrativa complexa sobre modos de revisitar o passado e reconstituir histórias, descolando, radicalmente, o ponto de vista em paisagens, tradicionalmente, ligadas ao poder colonial. Na videoinstalação de Angella Conte, "Da nascente à Foz", a dimensão da paisagem remete ao desejo constante de dominação sobre a natureza, ao mesmo tempo que essa excede às formas de controle, um corpo autônomo, em sua totalidade.

Obra
“Alice e o chá através do espelho”, de  Rafael Bqueer: obra exposta na mostra "Corpo-Experimento", em cartaz no Maes até 25 de agosto. Crédito: Paula Barbosa/Divulgação

A pesquisa sobre a materialidade, movimento e textura do corpo conduz o "Projeto Pele", de Natalie Mirêdia. É um trabalho que investiga a dimensão háptica e evidencia um jogo de projeções entre pele e tecido nos resultados finais. Também nessa linha que subverte o tato, "Protetor de Proximidade Humana Para Beijo", de Renan Marcondes, volta-se para criação de um objeto, um dispositivo perfeitamente encaixado à distopia dos tempos atuais.

A presença ativa e consciente do corpo em processos criativos permite deslanchar outras visualidades possíveis, como evidenciam os trabalhos desta exposição. Ao mobilizar recursos variados e inesperados, aliados aos questionamentos de relações de poder, "Corpo-experimento"  instaura, potencialmente, uma crítica ao real. Um movimento acionado pela plástica das superfícies que ativam a politização do fenomenológico.

A EXPOSIÇÃO

A exposição Corpo-Experimento, coletiva composta por obras de artistas visuais contemporâneos de diferentes localidades do Brasil, está em cartaz até o próximo dia 25 de agosto no Museu de Arte do Espírito Santo Dionísio Del Santo (MAES), no Centro de Vitória. De terça a sexta-feira: das 10h às 16h / Sábado, domingo e feriados: das 12h às 16h. Entrada franca.

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