Para Graça Penha (com amor)
O segundo disco solo de Rodrigo Amarante, Drama (2021), lançado em julho pela Polyvinyl Record Co., dá continuidade a seu projeto plástico-sonoro individual iniciado por Cavalo (2013). Em suas 11 faixas, totalizando 42 minutos, a homônima "Drama", que dá título ao disco, funciona quase como um prólogo aos capítulos da narrativa. Assim, é possível pensarmos na familiaridade que se constrói entre as faixas e a lógica de concepção de um livro ou um filme, inclusive considerando o fato de que a última das músicas chama-se "The End".
A instrumental "Drama" inicia-se então com uma sonoridade mais experimental. Nela, escutamos balbucios de pessoas que parecem estar em algum lugar público como um restaurante, uma plateia, ou algo assim, que se seguem a uma orquestra musical de cordas, risadas-play, reações e palmas, como aquelas pré-programadas que estamos habituados a ver em seriados televisivos de comédia (à la "Seinfeld" ou "Friends").
Acrescidas a essas texturas sonoras, o som da água caindo de um chuveiro completa o experimento. Foi também com tal faixa que Amarante lançou em seu canal do YouTube um trailer oficial do disco com imagens que, por sua vez, como em um experimento dadaísta, nada tem a ver com os sons que ouvimos.
Em sequência, a partir de um assovio que abre "Maré", primeiro single e certamente a música mais dançante do álbum, um grito de "hey!" anuncia o surgimento de riffs compostos por instrumentos como bateria (Paul Taylor) e congas (Andres Renterias), além da própria voz de Rodrigo cantando: A maré que leva / É a maré que traz / Em cada porto um cais. "Maré" é também inspirado no provérbio espanhol que diz: a maré leva o que a vazante traz.
Já em "Tango" — esqueçam aqui as possíveis relações sonoras com ritmo argentino e pensem na ideia de contato —, em tom ameno e tenro, escutamos em inglês: iIn your eyes I see / it's in my head / if the time has come you leap / and we become one [em seus olhos eu vejo / está na minha cabeça / se chegou a hora você pula / e nós nos tornaremos um].
Esse certamente é o clipe mais belo daqueles lançados até aqui, e, a saber, Amarante nos lembra em uma entrevista o fato que costuma idealizar seus experimentos, filmando-os com bitola de 16mm. Numa imagem meio preto & branco, de colorização bege-sépia e granulação que revela-nos a textura de alto contraste da película, um casal de idosos surge para uma dança. Eles dançam devagarinho no vazio, atravessam com seus movimentos quatro paisagens em plano aberto, para, no fim, aparecem com seus movimentos no compasso musical no mesmo fundo infinito inicial. O clipe se encerra quando uma vinheta circular preta os emoldura de fora para dentro, até o breu.
Dentro da mesma atmosfera de afetividade, e ralentando um pouco mais a batida, "Tara" nos lembra, meio como algo no fim de um horizonte, as músicas tocadas em "Carnaval Só Ano Que Vem" (2007) da Orquestra Imperial, banda com a qual o autor também colaborou. Completando uma espécie de tríptico sonoro com "Tango" e "Tara", "Tanto" dá seguimento às relações entre as pessoas, em especial o amor, e tem versos como: A pele doce, quem dá / A pele doce, quem tem / O sal do osso, quiçá.
Todavida, se a melancolia de "I Can’t Wait" parece desconexa do disco quando comparada com "Maré", é porque estamos pensando aqui em uma narrativa de estrutura linear. Em Amarante, esses contrastes entre felicidade e melancolia não são antagônicos, senão signos pulsantes de forças que atuam como os polos norte e sul de um ímã que se fundem quando postos em proximidade. Perto, rente, em close, à queima roupa, esses movimentos elípticos são como leitmotiv que desvela a circunferência em que habita sua estética.
Eles ressurgem persistentemente e estão presentes, por exemplo, nas letras em português, inglês e/ou francês, fato que nos desponta para um jogo trilíngue e para a constância da figura do estrangeiro tanto dentro de si quanto fora (ele mesmo atualmente mora em Los Angeles). Algo que já estava presente nas primeiras palavras de "Mon Nom" em Cavalo (2013): Je suis l’étranger / Et ça peut se voir / Je ne parle pas / Tout-à-fait comme toi [Eu sou o estrangeiro / E isso se pode ver / Eu não falo / Exatamente como você].
Na bilíngue "Tao", o jogo com a linguagem e a complexidade do efetivo entendimento sobre o que pode (e não pode) ser o taoísmo, e novamente o amor (ou a falta dele), ouvimos versos como: The Tao is an empty cup / Poured and never filled [O Tao é uma xícara vazia / Derramado e nunca preenchido].
Já o jogo de percussão e cordas em "Sky Beneath" sobressai e a voz parece destoar do ritmo, uma intencional estranheza que nos põe a refletir se não seria melhor se essa música fosse menos cantada e mais instrumental. Algo similar acontece em "Eu com você", onde os riffs imprimem uma sonoridade de uma única batida.
Se nessa segunda metade o disco parece tomar uma forma homogênea e arrastada, "Um Milhão" imprime aquela vontade de potência que Amarante é capaz de nos oferecer. Daí ouvimos: Fui à rua onde eu nasci / Vi o prédio em pé / Tudo era tão maior do que é.
De um mal estar nostálgico, os versos confluem passado e presente, o subjetivo e o universal. Mesmo escrita anos antes, ela fala de forma subjetiva do modo cada vez mais atual do domínio neoliberal que assolou o mundo e da gentrificação, na qual pessoas muitas vezes são forçadas a vender suas casas para que se ergam novos e padronizados edifícios burgueses. Mas a dona da esquina disse: A vista é nossa / Não há preço meu terreiro, quem possa / Se na selva do dinheiro, sobrevive quem tem dente / Do meu pé o vento leva a semente.
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No capítulo final, sons de piano, violinos, violas e violoncelos (Danny Bensi) dão o tom para "The End", onde o cantor eleva sua rouca e grave voz a um belo clímax. Por fim, "Drama" se encerra na escuta de um piano espaçado, que por sua vez se complementa com o som da chuva caindo, alguns insetos e uma sentença certeira: To live is to fall [Viver é cair].
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