As vias urbanas que, em dias normais, são dedicadas ao fluxo de veículos, durante os dias de carnaval são tomadas por um adensamento de gente em busca de celebração, pessoas fantasiadas, ambulantes, muita cor, chuva de confete e serpentina, além de uma paisagem sonora bem diferente do barulho do trânsito de automóveis.
A festa carnavalesca é um momento ímpar para ocupar as ruas e enxergá-las enquanto espaço para festa e para a confraternização coletivas, como um lugar para o bem viver, ultrapassando suas funções como lugar de passagem entre a casa e o trabalho. Assim, o carnaval tensiona uma compreensão e uso da cidade que, quase sempre, entra em confronto com uma visão mais conservadora dos costumes.
Esse conflito de interesses é bem evidente quando pensamos o carnaval de rua do Centro de Vitória que, assim como as demais capitais da região Sudeste, experimentou um reflorescimento da festa nos últimos anos.
No descompasso com a história dos recentes carnavais de rua dos estados vizinhos, o poder público ainda não assumiu efetivamente a responsabilidade de organizar o carnaval de rua, negligenciando a festa popular enquanto um direito cultural do povo e perdendo a chance de assumi-la enquanto manifestação de considerável importância simbólica e econômica para a capital.
A suspensão pela Prefeitura de Vitória de blocos que desfilariam na região Centro no último final de semana em resposta a uma recomendação proibicionista e discriminatória do Ministério Público do Espírito Santo foi o ponto alto de uma série de omissões, negligências e perseguições da atual gestão municipal na construção do carnaval de rua deste ano e que está em sintonia com um projeto ideologicamente retrógrado, higienista e privatista da vida urbana.
Protesto contra cancelamento de blocos no Centro de Vitória
Enquanto aqui contamos com 16 blocos organizados e representados pelo Blocão - Liga dos Blocos do Centro de Vitória, nas outras capitais do Sudeste o número de agremiações ultrapassa as centenas. No Rio de Janeiro, apesar de críticas à burocratização imposta aos blocos e deficiências no planejamento e condução da festa por parte do poder público, foram autorizados os desfiles de 415 blocos, incluindo o período de pré-carnaval e de carnaval deste ano.
Em São Paulo, foram mais de 500 agremiações que fizeram a folia entre os últimos dias 17 e 26 de fevereiro. Já em Belo Horizonte 374 blocos foram para as ruas. Segundo estimativas, os números relacionados à movimentação econômica gerada pela folia são igualmente vultosos: R$2,9 bilhões foi o valor movimentado na cidade de São Paulo; R$4,5 bilhões na cidade do Rio de Janeiro; e R$ 720 milhões em BH.
Um bom indicador de sucesso local da festa é o crescimento na taxa de ocupação hoteleira experimentada nos últimos anos em Vitória, ou seja, a vinda de turistas para desfrutar do carnaval e contribuir, consequentemente, com o faturamento da economia local por meio do consumo de serviços. Se há pouco mais de uma década, a Capital se esvaziava durante os dias de carnaval, nos últimos anos, segundo dados do Sindicato dos Hotéis do Espírito Santo, esse número cresceu: em 2016 e 2017, a taxa foi de 80%; em 2018, de 90%; em 2019, de 95%; em 2020 de 94%. Houve uma queda durante os anos da pandemia do Covid-19: a média de ocupação foi 60% em 2021 e 70% em 2022. Neste ano, a taxa voltou ao patamar de 94%.
Não se trata de copiar integralmente os modelos de gestão da festa adotados nas outras capitais, até porque há críticas quanto ao nível de mercantilização e de burocratização do carnaval feitas por uma parcela dos organizadores de blocos das capitais citadas, mas de cumprir, de fato, o papel do Estado enquanto mediador dos conflitos gerados pela festa popular e provedor os serviços necessários para que a manifestação cultural aconteça da melhor forma possível, minimizando impactos e trazendo benefícios socioculturais e econômicos para a cidade.
O carnaval no Brasil é um dos nossos maiores legados culturais, é expressão máxima da festividade popular democrática, da nossa diversidade cultural e criatividade, sendo também palco das contradições de nossa sociedade. Ir contra a folia é ir contra a alegria atávica do nosso povo.
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