A cultura não é supérflua! E exclamar isso, nos dias atuais, parece afirmação do óbvio. Decerto, se se pensar em cultura como tudo aquilo proveniente da criação humana, podemos afirmar que o fazer cultural é um direito humano.
A noção de direitos humanos encontra tradicionalmente barreiras em nossa sociedade. Antes de qualquer ideia açodada, esses direitos, imanentes ao humano, garantem um “piso mínimo vital”, sem o qual é impossível a vida humana.
Pode-se afirmar, por exemplo: “não se come um livro”; “não se veste de um quadro”; “não se usa uma escultura como remédio”. Falas assim, infelizmente, são sintomáticas de uma sociedade doente, em que esse piso mínimo já foi aviltado há muito.
Os detratores dos direitos humanos são incapazes de entender a dimensão simbólica da cultura. De fato, o simbólico é algo muito mais sentido do que explicado. Não é qualquer um que consegue captar essa dimensão, mas apenas aqueles que possuem a sensibilidade de entender que há, entre nós, algo muito além de material. Algo de abstrato que comunica à nossa humanidade.
O simbólico é, aliás, uma das dimensões da cultura. Tomando lição do ex-ministro Gilberto Gil (hoje, imortal da ABL!), há mais duas: cultura como cidadania; cultura como economia.
A cultura como cidadania está imbricada com a noção mesma de direitos fundamentais. Ser cidadão é ter garantido o seu direito de fazer cultura, consumir cultura. Tem a ver com produção e com acesso. Tudo de forma democrática, respeitando os tantos matizes do simbólico: do erudito ao hip-hop; do clássico ao fanzine.
A cultura como economia está ligada ao que se chama “economia da cultura”, levando em considerações negócios criativos, que também têm valor simbólico agregado. São as cadeias dos setores livreiro, cinematográfico, de design, por exemplo. Tais negócios movimentam em torno de 7% do PIB mundial, sendo que, em 2017, no Brasil, eles movimentavam 2,6% do PIB nacional, o que não é pouca coisa!
A importância da cultura é tamanha que muitos dispositivos de Direito Internacional salvaguardam o assunto. É o caso da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), dos Pactos de São José da Costa Rica (1969) e de muitos outros. No ordenamento jurídico pátrio, os ditos “Direitos Culturais” encontram-se nos artigos 215, 216 e 216-A da Constituição Federal.
São “direitos culturais” aqueles direitos de segunda dimensão (ou geração) que contêm um corpo de dispositivos permitindo a fruição ao acesso à cultura, tanto de forma ativa (o fazer cultural), quanto de forma passiva (o consumir cultura). Uma noção complexa, que tem a ver com questões de cidadania, em última análise, mas que deve proteger a cultura como um todo.
No Brasil, além dos dispositivos Constitucionais, temos, como exemplo, a lei 12.343/10, que regulou o Plano Nacional de Cultura. Infelizmente, ele deveria ser revisto depois de 10 anos de vigência, sendo, no entanto, prorrogado até 2022 pela lei 14.156/21. Há outras leis, como a Rouanet (8.313/91), do Audiovisual (8.685/93) e a Aldir Blanc (14.017/20).
No Estado do Espírito Santo, contamos com um Plano de Cultura (lei 10.296/14) e, agora, a recente LICC (Lei de Incentivo à Cultura Capixaba, nº 11.246/21). São dispositivos que fazem parte de todo esse sistema, sem contar nas tantas leis municipais.
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Com tantos diplomas legais, esperamos, em 2022, que o acesso à cultura, direito fundamental por excelência, ganhe efetividade nos quatro cantos do país.
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