Há perto de cem anos Monteiro Lobato escreveu uma pequena história com o titulo “Meu Conto de Maupassant. Nas ultimas linhas Lobato cita o escritor irlandês Oscar Wilde para afirmar que “a vida sabe melhor imitar a arte do que a arte sabe imitar a vida”. Essa frase me veio à memória quando vi pela TV que Donald Trump tinha sido alvo de um atirador que lhe acertou a orelha com um tiro de média distância.
Compreensivelmente diríamos que o sujeito errou o tiro e que ele pretendia, de fato, matar o irado candidato. Conjetura razoável, alguém já disse que uma das fixações dos americanos – ao lado de rifles e caminhonetes – é colecionar cabeças de presidentes. Trump teria se salvado porque moveu ligeiramente a cabeça. Um pequeno, mas transcendental, movimento poderá ter alterado a rotina do mundo nos próximos anos.
Muitos presidentes, candidatos, autoridades e até ditadores já morreram assassinados desde priscas eras (alguém pensou em Júlio César?). E com certeza muitos outros atentados falharam e foram acobertados por equipes de segurança ou de marketing. O tiro contra Trump não é, macabramente, novidade. Lincoln, Kennedy, Anuar Sadat, Ghandi, Franz Ferdinand... Estes não tiveram tempo de mover a cabeça. Assim é a vida. E o que tem Oscar Wilde, passados mais de 120 anos de sua morte, a ver com um tiro na orelha de Donald Trump?
Nada. Mas a frase que Lobato lhe atribui reviveu para mim no frustrado atentado.
Entre as décadas de 1950 e 1960 o escritor espanhol José Mallorqui criou um personagem típico do far-west californiano do século XIX, “O Coyote”. Escreveu nada menos de 191 histórias, magníficas aventuras traduzidas nos mais distantes idiomas. Inspirado no lendário Zorro, o Coyote usava máscara, mas nada de capa e espada - lutava contra os maus com revólveres, exibindo uma inacreditável pontaria (“onde punha os olhos punha uma bala”). Seu costume: rasgar a orelha dos malfeitores com um único tiro, marcando-os para sempre. Isso, muito antes de Trump. Assim é a arte.
Lembro-me ainda do filme “O Dia do Chacal”, de Fred Zinnemann, lançado em 1974. Na trama, cheia de suspense, um matador profissional é contratado para assassinar Charles de Gaulle. Com marcante interpretação do inglês Edward Fox, o filme merece ser revisto pelo menos uma vez por ano.
Só no final da trama o atirador consegue disparar seu tiro longamente planejado. Todos sabemos que De Gaulle morreu de um prosaico aneurisma cerebral, ao alcance de qualquer mortal comum. E como ele escapou do atentado? De acordo com Frederick Forsyth - autor do livro e roteirista do filme – ele não foi atingido, escapou de morrer por ter movido ligeiramente a cabeça, a bala só lhe soprou a orelha. Verdade ou fantasia?
Trump é um fato; De Gaulle pode ser fantasia. Para o desapontamento dos americanos, o realíssimo Trump pode ter apenas imitado a fantasia “Degaulliana”. Pior! Ao se recuperar, amparado por seus seguranças, Trump eleva o punho fechado, num gesto másculo que viralizou no mundo todo. O diabo é que estava involuntariamente emulando o quadro “A Liberdade Guiando o Povo”, do pintor Eugène Delacroix. Outro francês! É para desanimar qualquer ianque.
Assim é a arte.
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