Torres são vistas do Estádio Salvador Costa, em Bento Ferreira
Torres são vistas do Estádio Salvador Costa, em Bento Ferreira. Crédito: Alberto Borém

Futebol, Direito e Literatura: um encontro sobre a identidade brasileira

Próxima edição do Café, Direito & Literatura, projeto de extensão da FDV desenvolvido desde 2008, está programada para ocorrem em um estádio de futebol em maio

Tempo de leitura: 4min
Publicado em 12/04/2025 às 10h00
  • Nelson Camatta Moreira

    É idealizador e coordenador da atividade de extensão “Café, Direito & Literatura” da FDV, é pós-doutor em Direito pela Universidad de Sevilla e pós-doutor em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Professor do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu (doutorado e mestrado) e da graduação em Direito da Faculdade de Direito de Vitória - FDV. Pesquisador Fapes.
  • Giancarlo Montagner Copelli

    É pós-doutor em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Capes/PNPD. Professor em estágio pós-doutoral junto ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito de Vitória (FDV), financiado pela Fapes.

O Brasil é um país de imagens feitas não apenas no imaginário que de fora nos atravessa, mas também na perspectiva interna que nos define. Olhamos no espelho e muitas vezes não gostamos do reflexo, invariavelmente engessado no senso comum de nossa cotidianidade. Da desigualdade social à corrupção, tudo parece alardear – desde sempre e como sempre – um certo “viralatismo” consciente de nossos fracassos e de nossos limites. É ou não é assim?

Neste Brasil em que a grama dos outros países parece mais verde, contudo, essa percepção começou a virar justa e ironicamente a partir dos gramados precedidos pelos terrões empoeirados das muitas periferias brasileiras. Sim. No futebol trazido pelos ingleses, descobrimos entre nós o maior jogador de todos os tempos e, com ele e outros brilhantes coadjuvantes, entramos no mapa. Desta vez, pela porta da frente. Graças ao futebol, ao nosso futebol, à (re)criação do esporte bretão a partir do drible e do improviso, da genialidade irracional e da malandragem praticada muito além da catimba torpe, passamos a gostar de espelhos. Já era tempo.

E foi assim, com muitas Copas empilhadas, que o futebol – é inegável – moldou uma autoimagem positiva para além da beleza exuberante de nossa natureza, bem apreendida pelos construtores de um imaginário, enfim, favorável. O Brasil que se encontra tardiamente com a modernidade industrial nos anos 1930 – aliás, década da primeira Copa do Mundo, vencida pelo Uruguai – encontrou não apenas na mestiçagem patriarcalizada por Gilberto Freyre, mas também no futebol uma (finalmente feliz) identidade.

Muito por isso e não por acaso, no embalo desse drible imagético, demos as mãos à política e construímos templos à altura de nosso culto à bola. Do gigantismo do Maracanã na fronteira da primeira metade do século XX aos colossais estádios construídos em plena ditadura militar, como o Beira-Rio, no Sul, descobrimos uma interlocução peculiar, talvez única no mundo: por aqui, futebol rima com a democracia – bem vista nas muitas cores da geral do velho Maraca – mas contraditoriamente também com o autoritarismo ufanista dos anos de chumbo.

O futebol – o nosso futebol – foi – é, na verdade – tanto o nosso ponto de unidade para a instituição de uma forma brasileira de vida, bem lida nos seus imensos templos, quanto a imagem construída para encobrir as nossas mais profundas tibiezas sociais, políticas e institucionais.

NÃO É SÓ FUTEBOL

Por tudo isso é que futebol –, insistimos, “o nosso” – nunca é apenas futebol. É paixão, inclusive clubista. É autoimagem e identidade, é política, é glória e é vexame, é democracia e é autoritarismo. É o contraste entre a geral do Maracanã e de tantos outros estádios e o elitismo das novas arenas “padrão Fifa”. É, por tudo isso – e por tantas outras nuances ainda encobertas – uma instigante e original ponta de novelo para desembaraçar um Brasil tão complexo quanto suas difíceis e tensas relações com a democracia e uma política efetivamente republicana bem guardada pelo Direito, como fez brilhantemente Luiz Antônio Simas em “Maracanã: quando a cidade era terreiro”, obra que puxa os debates do 54º Café, Direito & Literatura, a ser realizado dia 16 de maio, nas arquibancadas do estádio do Vitória Futebol Clube, em Bento Ferreira (Vitória-ES).

Mas, afinal, o que é o Café, Direito & Literatura? Trata-se de um projeto de extensão que tem como objetivo central aprofundar as interfaces existentes – como o próprio nome sugere – entre o Direito e a Literatura. Desenvolvida desde 2008, a atividade está ligada ao Grupo de Pesquisa Teoria Crítica do Constitucionalismo, do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito (PPGD), da FDV.

Nesse sentido, o projeto possibilita a abertura de um novo campo para a realização de estudos e pesquisas jurídicas e difunde, mediante o diálogo entre as comunidades acadêmicas do Direito e da Literatura, a reflexão acerca da capacidade da narrativa literária auxiliar os juristas na árdua tarefa de compreender/interpretar/aplicar o Direito, relacionando ficção e realidade social e jurídica.

Nessa já longa trajetória, contando com o apoio tanto da Rede Brasileira de Direito e Literatura (RDL) quanto da Rede de Pesquisa Estado e Constituição (REPEC), o projeto alcançou cerca de 1.500 pessoas, entre alunos de graduação, mestrado e doutorado, além de público externo, em 16 anos de existência. Fruto do trabalho desenvolvido, rendeu ainda um extenso catálogo acadêmico, que vai desde artigos científicos (12) a livros (4) e capítulos de livro (10).

Assim como se pretende na próxima edição, programada para um estádio de futebol em maio, a atividade foi concebida e é coordenada pelo coautor deste texto (Nelson Camatta Moreira) e conta – encontro a encontro – com a participação de professores do curso de Direito, bem como de outros convidados e interessados nas mais diversas áreas que compõem o círculo de debate.

Com isso, a partir de um criativo e original fio condutor, vem procurando, ano a ano, revelar tópicos – que podem muito bem estar encobertos pela tradição da dogmática jurídica – para discussão do Direito em seu processo de aprendizagem, dentro e fora de salas de aula.

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