A Insurreição do Queimado, que completa nesta sexta-feira (19) 172 anos, mostra com quantas ruínas se faz uma história. Inspirado na resistência secular contra condições vis e desumanas, o esforço de resgatar e preservar a memória desta que é a maior revolta de escravos da Região Sudeste também é árduo, pontuado por desafios.
A restauração do sítio que conta a saga de Chico Prego, Eliziário e João da Viúva, entre tantos outros cativos, e o reconhecimento nacional do Iphan ao premiar o espaço pela preservação e resgate da história negra são vitórias nessa caminhada. Mas é preciso avançar e transformar o palco insurgente na Serra não só em um museu a céu aberto, como vemos hoje, mas também em um território cultural que receba atividades artísticas, a exemplo de peças teatrais, performances e exposições.
É necessário ocupar Queimado para preencher ao menos no que lhe couber as lacunas deixadas na trajetória de um povo, uma dor latente em todos nós, negros, por termos as pisadas da nossa ancestralidade apagadas e incendiadas nos registros públicos. Fazer desse foco de reação uma estação de partida para que as novas gerações se sintam acolhidas e motivadas no embate contra o racismo consiste em demanda social das mais urgentes a fim de romper o grilho da discriminação.
Há tanto do que se falar sobre Queimado, que é da Serra, do Espírito Santo e do Brasil, ponto de migração para várias regiões capixabas. De lá famílias negras partiram para o Centro de Vitória, para Roda d’Água e para diversos outros lugares. É história que não acaba mais, que pode e deve ser objeto de projetos artístico-culturais e trabalhos fomentados por editais públicos.
Dar esse passo é progredir em uma obra coletiva da qual muito me orgulho em ter também colaborado. Então como parlamentar na Câmara serrana e na Assembleia, contribuí com alguns “tijolos” nessa construção, por meio da emenda que ajudou a contratação do primeiro estudo para revitalização do sítio e da realização de audiências públicas para debater o modelo de restauração com a sociedade.
Sigamos juntos para combater a mazela da desigualdade rememorando os feitos dos heróis da insurreição. Expor a dor de uma saga é também se empenhar em debelar o sofrimento nos dias atuais em busca de vida mais digna e justa. Afinal, “um povo sem memória é um povo sem história. E um povo sem história está fadado a cometer, no presente e no futuro, os mesmos erros do passado”, já cravava a historiadora Emília Viotti da Costa. É com esse pensamento que memoriais que aludem a capítulos traumáticos da humanidade foram erguidos em vários países, lembrando chagas como o holocausto e o apartheid.
Guardadas as devidas proporções e repercussões, Queimado se mostra gigante para o povo capixaba. Espero ansioso e diligente os novos episódios desse resgate. Nessa trilha, que a luta pela preservação não seja jamais minada por falsas promessas de quem tem a pena da decisão em mãos.
*Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta
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