Escritor Reinaldo Santos Neves
Escritor Reinaldo Santos Neves. Crédito: Acervo familiar

Os múltiplos mundos do escritor Reinaldo Santos Neves

Em dezembro são comemoradas duas datas significativas: os 78 anos de nascimento de Reinaldo Santos Neves e os 70 anos de sua literatura

Tempo de leitura: 3min
Publicado em 30/11/2024 às 10h05
  • Nelson Martinelli Filho

    É doutor em Letras pela Universidade Federal do Espírito Santo, com pós-doutorado em Letras (Ufes). Professor do Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes). Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Humanidades (PPGEH/Ifes). Professor permanente do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Espírito Santo (PPGL/Ufes). Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq. Autor de A dupla cena (romance, 2010) e Rondar o indizível (poemas, 2021)

Comemoram-se em dezembro duas datas significativas: os 78 anos de nascimento do escritor Reinaldo Santos Neves e os 70 anos de sua literatura. Aos 8 anos, o filho do pesquisador Guilherme Santos Neves produzia suas primeiras histórias, inserindo-o num universo no qual se tornaria um grande mestre.

O marco septuagenário de sua monumental obra requer celebração, reconhecimento, homenagens e agradecimentos por dar ao mundo novos mundos, múltiplos e labirínticos, que recuperam e transformam diversas tradições. Seu livro de estreia, Reino dos Medas (1971), Menção Honrosa no Prêmio do Instituto Nacional do Livro de 1973, inaugura a trilha sonora que o acompanhará pelas décadas seguintes, na vida e na literatura: o jazz.

Escritor Reinaldo Santos Neves
Escritor Reinaldo Santos Neves. Crédito: Acervo familiar

Mas as angústias existencialistas dessa época logo cedem lugar a caminhos inesperados. Em 1978, A crônica de Malemort, com linguagem que emula o português arcaico, abre uma linha de força sobre o Medievo, que será recuperada em A longa história (2007), cuja centralidade recai sobre o fascínio que uma história pode causar.

Décadas depois, Reinaldo retorna ao mundo medieval ao assumir a função de Escritor-Residente junto à Secult. Como resultado desse projeto, publica a impressionante trilogia bilíngue A folha de hera, em três volumes (2011, 2012 e 2014), que consiste na tradução de A crônica de Malemort para o inglês arcaico e sua posterior nova versão para o português. Para a coexistência dessas três crônicas, o autor expande o universo da ficção em processo sem paralelos na literatura brasileira, com camadas de autorias e falsas atribuições que desafiam os leitores mais exigentes.

As mãos no fogo (1984), seu terceiro livro, dá sequência à exploração de outras tradições, pondo em cena a obra do português Gil Vicente. Aqui nasce um personagem fundamental de seus romances, Graciano, também reconhecido em “O poema graciano” (1982) e A ceia dominicana: romance neolatino (2008). Neste, as desventuras de Graciano após o naufrágio de seu casamento se passam numa mítica e profana praia de Manguinhos, que se torna cenário para a recuperação de uma obra da Antiguidade, o Satíricon, escrita por Petrônio no século I d.C.

Os 70 anos de literatura de Reinaldo Santos Neves

Reinaldo Santos Neves com o pai, Guilherme Santos Neves
Reinaldo Santos Neves com o pai, Guilherme Santos Neves. Acervo familiar
Reinaldo Santos Neves com a mãe, Marília Monteiro de Almeida
Reinaldo Santos Neves com a mãe, Marília Monteiro de Almeida. Acervo familiar
Escritor Reinaldo Santos Neves
Escritor Reinaldo Santos Neves. Acervo familiar
Escritor Reinaldo Santos Neves
Escritor Reinaldo Santos Neves. Acervo familiar
Escritor Reinaldo Santos Neves
Escritor Reinaldo Santos Neves. Acervo familiar
Escritor Reinaldo Santos Neves
Escritor Reinaldo Santos Neves. Acervo familiar
Escritor Reinaldo Santos Neves
Escritor Reinaldo Santos Neves. Acervo familiar
Escritor Reinaldo Santos Neves
Escritor Reinaldo Santos Neves
Escritor Reinaldo Santos Neves
Escritor Reinaldo Santos Neves
Escritor Reinaldo Santos Neves
Escritor Reinaldo Santos Neves
Escritor Reinaldo Santos Neves

O espaço urbano de Vitória também faz parte de suas histórias. Sueli: romance confesso (1989) transporta as agruras do amor não correspondido para as ruas da capital capixaba, mas numa versão assumidamente romanesca, em que a realidade reconhecível se dobra diante do mundo criado pela ficção: aqui, Reinaldo é e não é Reynaldo; Suely é e não é Sueli, pois se tornaram seres literários. “A função maior do homem no mundo, a meu ver é transformar-se em literatura”, diz o autor na orelha do livro. Outra musa de tinta e papel, Jose, também será cantada literariamente nos versos que recuperam a tradição do soneto shakespeareano em Muito soneto por nada (1998).

A instituição máxima é a literatura, isto é, a Literatura. Também nela uma fictícia cidade de Victória recebe o encontro do mito de Cinderela com a vida de uma jovem do início dos anos 2000 que dá nome e protagoniza o romance Kitty aos 22: divertimento (2006), com algo dos romances detetivescos de Raymond Chandler.

Para além de gêneros como contos, crônicas, novela, infanto-juvenil, traduções, ensaios e estudos, Reinaldo ainda publicou outros dois romances nos últimos anos: Blues For Mr. Name ou Deus está doente e quer morrer (2018), um “romance apocalíptico”, como afirma o autor, que reúne, como num palimpsesto, fontes e tradições de diversas partes e diversos tempos, da Bíblia ao contemporâneo; e Morte em V. (2023), com referências à “Morte em Veneza” (1912), de Thomas Mann, que matiza uma espécie de “autobiografia literária” em que literatura e realidade não se separam mais por uma barreira intransponível. Elas dão forma a uma nova vida, à vida literária, esta em que Reinaldo é um monumento da cultura capixaba, um monumento da literatura brasileira, um monumento a ela, e sempre a ela: a Literatura.

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