Falar de Paulinho da Viola é sempre um desafio. Expressar com palavras tudo que a vida e a música de Paulinho representam é uma tarefa quase impossível. E é bom que seja assim; afinal de contas, há coisas que somente a arte consegue bem exprimir.
De todo modo, tentarei aqui refletir um pouco sobre a importância do trabalho de Paulinho no contexto da nossa tão querida música popular.
Paulinho é definitivamente o maior patrimônio vivo do nosso samba. Tendo convivido intensamente com baluartes do calibre de Cartola, Nelson Cavaquinho, Nelson Sargento e muitos outros mais, Paulinho exerce há algum tempo - e com grande maestria - a grandiosa função de manter viva a tradição do samba brasileiro.
A versatilidade é certamente um dos traços marcantes de sua obra. Com a mesma desenvoltura com que explora uma estética de composição típica do ambiente dos antigos terreiros (atuais quadras) das escolas de samba, Paulinho é capaz de passear pelos inovadores caminhos do experimentalismo musical - como vimos tão brilhantemente em “Sinal Fechado”, por exemplo.
O choro é outro gênero dominado pelo artista, que já nos presenteou com algumas composições lindíssimas, sobretudo para violão. Também pudera: Paulinho é filho de ninguém menos que César Faria, chorão lendário que integrou a formação original do Conjunto Época de Ouro, de Jacob do Bandolim, e que hoje zela por nossa música em outro plano, junto a tantos mais.
Em seu riquíssimo fazer artístico, Paulinho carrega sempre aquela que talvez seja a sua marca maior: a elegância. Elegância esta que lhe garantiu o carinhoso apelido de “Príncipe do Samba” e que pode ser facilmente observada no seu modo de tocar, de cantar e de interagir com o público.
Ao longo deste ano, tive o privilégio de estar em quatro shows do nosso artista: três na cidade de São Paulo e um na cidade do Rio de Janeiro. Com certo desconsolo, notei que a plateia não conhecia a maior parte das canções dos repertórios selecionados para cada espetáculo. Invariavelmente, o público só demonstrou entusiasmo com os mesmos três ou quatro megassucessos da carreira do sambista - o que, embora até seja compreensível, não deve ser tomado como razoável.
Paulinho é dono de uma obra extremamente vasta, que hoje representa um pilar fundamental de resistência daquele que pode ser considerado o pai dos ritmos e gêneros brasileiros: o samba. Seus trabalhos, além de apresentarem um refino e uma sofisticação indiscutíveis, incorporam elementos importantes de crítica às mazelas sociais brasileiras, ao racismo em suas mais diversas manifestações e ao processo de apropriação da celebração popular do carnaval pelo mercado hegemônico.
Por essas razões, acredito que a obra de Paulinho deva ser mais valorizada e reconhecida pelas brasileiras e pelos brasileiros. E a chegada dos seus 80 anos, em novembro, parece ser o convite perfeito para que aqueles que já conhecem a sua obra se aprofundem ainda mais nesse maravilhoso universo e para que aqueles que ainda não tiveram a felicidade de conhecer experimentem um primeiro contato.
Portanto, nesta data em que a nossa música popular assiste contente a mais um aniversário de um de seus grandes gênios, deixo aqui a seguinte mensagem: ouçam Paulinho, consumam Paulinho, apreciem, sem moderação alguma, Paulinho da Viola!
E como não poderia deixar de fazer, registro, para finalizar, um necessário agradecimento: obrigado, Paulinho, por tudo que fez, que faz e que ainda fará pela nossa arte! Saúde!
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