Ouvir, ver, sentir Paulinho da Viola são verbos no infinitivo que nos levam ao tempo do infinito. A amiga Ju, com sua antena esperta, deu a pala: “Ele respira”. Bingo! Paulinho é voz a nos carregar no colo da mansidão, um abraço no delicado da vida de que falava Clarice, Chico ou Waldir. Traduzindo pros milleniuns: a Lispector, o Buarque e o Azevedo, três delicados em outro diapasão literário e musical.
Em Paulinho, a delicadeza tem um tempo alongado, suas pausas decifram a música do silêncio, aquele interstício onde moram notas, letras, melodias inteiras cumprindo a sintaxe desse artista que não tem par na história da música brasileira. Da linha evolutiva do nosso cancioneiro, ele traz em si Cartolas, Paulos da Portela, Anicetos, todos os Nelsons e Pixinguinhas. De cada um desses e de tantos outros ele faz o seu próprio caldo de bamba afeito a alquimias. E que caldeirão, quantas bruxarias evocando os bambas bêbados de samba.
No show que apresentou em Vitória no último fim de semana, Paulinho da Viola conta histórias dos sambas, dos parceiros, contextualiza as canções dando-lhes um corpo extra. Ao cantá-las, o intérprete veste a roupa que não se ajusta em nenhum outro artista, é o modo Paulinho. Sua emissão certeira flecha o lugar onde zelamos com diligência a nossa sensibilidade, é aquele seu rio que passa em nossas vidas e nunca seca.
Entre o intérprete, o músico e o compositor não há escolhas possíveis a que devemos nos ater. Todos são um, todos se misturam no artista de muitos naipes. E é pouco chamá-lo apenas de sambista, embora seja essa a sua água abençoada. Paulinho pertence ao restrito clube da música universal, alguém que leva pro palco não só canto e gesto delicados, mas a evocação da ancestralidade mais longínqua, o povo preto dizendo presente em cada som emitido, nas palavras que são dele e dos que vieram antes.
Com Paulinho da Viola, a história da música fundante deste país, o samba, ganha seu corpo de 80 anos, a voz secular deste brasileiro que envolve nossa audição em veludos, pétalas da sua rosa do povo. Com o artista, recuperamos a delicadeza do fundo das gavetas, damos lustro e vivacidade a esta velha e escassa companheira. Paulinho nos ensina o seu tempo sem pressa, a respiração de quem sobe à tona naquele mesmo rio onde o coração se deixou levar.
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