Não sou da geração dos Novos Baianos. Não frequentei as dunas de Gal em Ipanema nos anos 70, nem sequer cogitei levar uma vida em comunidade em um sítio em Jacarepaguá. Quando nasci, no final daquela década, o sonho já estava acabando. Mas nem mesmo essa falta de sincronia me impediu de, indiretamente, viver esse mundo. Por que não viver?
Moraes Moreira foi expoente daquela talentosa comunidade musical apadrinhada inusitadamente por João Gilberto, da leva dos baianos mais maduros. Para mim, uma criança dos anos 80, Moraes surgiu como um Visconde de Sabugosa meio hightech, no especial Pirlimpimpim, que também trazia Baby (então Consuelo) e Pepeu.
Veja também
A conexão da minha geração com os Novos Baianos se deu por meio de uma lisergia inocente e lúdica, portanto. Pegamos definitivamente carona naquela cauda de cometa para, só mais tarde, mais velhos, encararmos o mistério do planeta.
Enquanto isso, a infância seguia seu curso natural pela década perdida com sucessos de Moraes Moreira servindo de trilha incidental. Naqueles anos, “Bloco do Prazer” se tornou um clássico carnavalesco instantâneo na voz de Gal Costa. Também com a cantora, “Festa do Interior” virou o tema oficial das festas juninas em todas as escolas do país. Crianças aprendiam o “faça amor, não faça guerra” do ideário da contracultura ao entoarem que “nas trincheiras da alegria o que explodia era o amor”. Moraes acertava mais uma.
Com “Sintonia”, Moraes Moreira se tornou onipresente nos rádios e na TV, em um tempo no qual ser trilha sonora de novela era caminho inevitável para o sucesso. Anos antes, tinha emplacado a crítica “Santa Fé” na abertura de “Roque Santeiro”, a produção de dramaturgia de maior repercussão na década de 80. Com “Por que parou, parou por quê” consolidou o protocolo do bis nos grandes shows e concertos do país. Viu o axé virar uma indústria, tendo estado presente na origem dos trios elétricos, nos anos 70, na companhia de Dodô e Osmar.
Mas só embarquei na máquina do tempo que permitiu que o Moraes Moreira dos Novos Baianos despontasse no meu horizonte musical na universidade, assim como ocorreu com quase todo estudante de Humanas que se preze. “Acabou chorare” não foi só um álbum, foi um rito de passagem. E ter acesso a uma cópia desse disco que é considerado uma das obras-primas da música brasileira não era uma tarefa simples nos anos 90, quando a internet ainda era uma fagulha do que é hoje.
Todo esse prelúdio extenso é para justificar por que tornou-se um compromisso com a minha própria história estar presente na reunião do grupo, cuja turnê passou por Vitória no final de 2016. Um show emocionante, que reuniu gente de todas as idades, certamente pela capacidade de perpetuação dos Novos Baianos entre os mais jovens.
Não é fácil, mais de 40 anos depois, reunir jovens que saibam de cor e sem esforço canções que se tornaram atemporais, por mais que estejam intrinsecamente associadas a sua época. Os carnavais de rua, que voltaram com tudo na última década, viram renascer o “Swing de Campo Grande” como um hino por aclamação popular dessa retomada da folia. Nas redes sociais, basta pintar fevereiro no calendário para a carne de todo folião passar a ser de carnaval.
Este vídeo pode te interessar
Moraes Moreira no palco, com seus antigos companheiros (Baby, Pepeu, Galvão e Paulinho Boca de Cantor), foi uma daquelas oportunidades imperdíveis de alinhar nossas vidas com aqueles que entraram nela sem pedir licença, com sua arte. A conexão com o público não se finda com a sua morte. Enquanto houver som, Moraes Moreira se fará presente. Pela lei natural dos encontros.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.