Paulo Dutra, nascido em família capixaba, graduado na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e hoje membro permanente do Programa de Pós-Graduação em Letras daquela instituição, é um dos escritores que vem comemorando desde o último 25 de agosto o fato de estar entre os semifinalistas do Prêmio Oceanos, considerado uma das homenagens literárias mais importantes entre os países de língua portuguesa. “abliterações”, seu livro de poemas, foi recém-publicado pela Editora Malê, que, em sua página, informa que Paulo passou por processo “que analisou 1.872 obras, publicadas em dez países e inscritas por 450 editoras, resultando em 54 classificados.” Haja fôlego.
E pelo que se destaca a obra? Dando sequência à produção literária em prosa (2018), com “Aversão Oficial” (resumida), também publicada pela Malê, Paulo Dutra apresenta em “abliterações” sua verve poética e segue, sempre com neologismos em seus significados e sonoridades, trabalhando a memória e suas sequelas, com original sensibilidade, em meio à dor da vivência da desigualdade social em nosso país. O título, intrigante para tantos, resgata o sentido de obliterações, ou seja, eliminação, esquecimento, apagamento, extinção, palavras por cujo campo semântico transitam os quase trinta poemas do livro.
Logo na apresentação, a professora da Ufes Maria Amélia Dalvi escreve: “Este livro recusa a não verdade da cultura, e faz dela ‘memória do sofrimento’; como arte quase testemunhal, seus poemas – desde a advertência inicial – se apresentam como denúncia da falsa promessa de felicidade de uma estética bem-comportada. Ao invés do ‘J’accuse’, do realismo de Zola, Paulo Dutra assume um ‘Eu recuso’ – e deixa o leitor se virar com isso.”
E nessa recusa, espraia sua arte literária, poema após poema, com traços jocosos às vezes e bastante duros em outros, ao expor com nitidez o racismo e a realidade diária necropolítica do apagamento de momentos, vidas, histórias e culturas, ao mesmo tempo em que se coloca, com sua escrita – e com o incentivo à leitura - como uma das forças de resistência, atraindo o leitor, em estratégia para a decolonização do pensamento, já presente desde as epígrafes e o prólogo da obra.
Em seu olhar atento sobre a vida, se debate com as dificuldades da língua e da linguagem, tal como nos poemas que dialogam entre si “Domingo no parque ou antes ou depois de auschwitz” e “Dominga no parque”. Páginas à frente, o poema “Queasmos?somsaeuQ” demonstra mais uma vez os ensaios com a língua, para concluir que “A poesia é uma erótica verbal”.
Ao trabalhar palavras, sonoridade e oralidade, muitas vezes em ritmo e poesia de samba e rap, traz à tona aspectos intrínsecos da vida carioca, memórias afetivas de seu tempo no Rio de Janeiro, e a realidade de espaços geopolíticos metafóricos de tantos outros como o Complexo da Maré, e a vivência diária ao som de tiros, violência policial, angústia e tensão de inúmeros seres humanos.
Mesmo em perspectiva poética inovadora, não deixa de dialogar com mestres da poesia brasileira, tal como Carlos Drummond de Andrade, em “Hoje de manhã – bem cedinho”: “No meio do beco tinha um caveirão / Tinha um caveirão no meio da travessa / Tinha um caveirão / No meio do larguinho tinha um caveirão”.
Tendo realizado Mestrado e Doutorado nos Estados Unidos, Paulo Dutra seguiu carreira naquele país, pesquisando de forma orgânica as Literaturas Brasileira e Hispana, trabalhando diálogos que a América Latina estabelece com a figura de Dom Quixote, e as expressões da diáspora africana no Brasil, com especial relevo nos últimos anos para a obra de Machado de Assis, em sua denúncia do racismo à brasileira e da hipocrisia social em toda sua obra.
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Atualmente é professor Assistente da University of New Mexico em carreira que vai se consolidando também na docência, sem, ao mesmo tempo, nunca ter perdido laços com o Brasil e com o Espírito Santo. Que bons ventos acompanhem a trajetória que já nasce vitoriosa de abliterações.
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