Publicações em que a cultura é o assunto dominante são muitas, mas nem sempre conseguem escapar às tentações das frases de purpurina ou dos lugares-comuns que acabam por desanimar os leitores. Não é raro que nos entreguemos ao deleite de começar a ler uma obra supervalorizada pelos arroubos de alguns críticos e colunistas (intelectualizados ou não), para descobrirmos, com desencanto, que se trata de uma estrutura acrobática carregada de vaidades e adornos ou de uma pífia repetição das banalidades do óbvio. Por essa razão é um alívio encontrar um livro simples, honesto, inteligente e bem-escrito como este “Com a sorte da palavra”, de Manoel Goes Neto.
“Com a sorte da palavra” tem como tema o cenário cultural do Espírito Santo. E resgata crônicas e artigos, publicados em diferentes veículos midiáticos (jornais A Gazeta, A Tribuna e Revista Cachoeiro Cult), palestras, prefácios, considerações, pronunciamentos e estudos realizados ao longo de alguns anos. Está dividido em seis partes: A cultura; Ensaios; História; Livros; Patrimônio; Voluntariado. Em cada uma dessas partes, que bem se entrelaçam, é possível acompanhar uma rica e múltipla diversidade de assuntos.
Muitas são as opções que tornam sua leitura atrativa. Os textos adaptam-se ao gosto e interesse de quem se interessa pelos mais variados campos do conhecimento sobre o fazer cultural. Vão desde a defesa da liberdade de expressão artística, a implantação de modos de apoio financeiro aos artistas, a valorização dos agentes populares, o reconhecimento das manifestações simbólicas de nossa gente, até a inserção pessoal na luta contra o racismo e resgate de vinte anos da cultura capixaba. Passando pelo zelo e exatidão com que o autor se dedica a examinar o DNA cultural do Estado.
“Acreditamos na Cultura como invenção coletiva de símbolos, valores, ideias e comportamentos, exercendo um importante papel na formação social e política dos indivíduos, que devem ser vistos como sujeitos e produtores dela.”
Conhecedor das estruturas sociais e políticas, em cada etapa de seu livro, estendido em quase cento e cinquenta páginas, ele expõe cenas, atos e fatos intimamente ligados a uma visão de cultura cidadã responsável.
Começa por examinar uma lei que tencionava impor censura sobre peças artísticas, equivocadamente consideradas “pornográficas”, propõe uma democratização cultural, envereda por exemplos de manifestações populares, expõe o abandono da cultura por alguns segmentos governamentais. E segue com análises e comentários sobre modos de mobilidade em espaços públicos, ações artísticas, contribuições de vultos e ações importantes para a história, a música, a educação, o jornalismo, a literatura e afins.
O ponto que ilumina toda essa verdadeira coletânea de experiências, vivências e cenas culturais capixabas está na demonstração do amor que liga Manoel a Vila Velha, local onde reside, bem como na respeitosa atitude que demonstra pelo papel dessa cidade ancestral, na História do Espírito Santo. Mas não pensem que tal amor e tal respeito se fazem de modo apenas bucólico ou superficial, nem que se limitam a enaltecer as reconhecidas belezas naturais e os ícones turísticos de que o município é pródigo. Muito pelo contrário.
Este vídeo pode te interessar
Por essa razão, acredito que, neste livro, os leitores encontrarão um belo exemplo de alguém que constrói seus relatos sobre um solo de afeto e sensibilidade, ao mesmo tempo em que se desempenha com o exercício de um sólido investimento de rigor, profissionalismo e pesquisa.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.