Estamos exaustos, contudo não conseguimos mais descansar. O contato excessivo com as telas digitais não apenas contribui para essa condição, mas é elemento determinante no cenário em que nos sentimos convocados a estar ininterruptamente conectados. Há algum tempo, com os avanços tecnológicos estonteantes, nos cibertransformamos e agora não conseguimos mais viver sem o nosso leal e inteligente companheiro celular e a sua cotidiana injeção de imagens e sons.
As telas nos cansam, mas queremos sempre mais e mais, como se estivéssemos em uma inesgotável busca de algo que supostamente perdemos. No mundo de possibilidades que elas apresentam, tudo se torna muito tentador e a compulsão por explorá-lo se tornou um problema agravado no nosso “intenso agora”.
O consumo do cigarro, embora ainda preocupante para a saúde pública, agora dá vez ao uso abusivo desses aparelhos com as suas redes sociais que, em suas eficientes teias, pescam a nossa já combalida atenção e atormentam o nosso já frágil sono. Questão instigante pois como podemos existir enquanto sujeitos se não estivermos integrados aos sistemas virtuais de trocas? Qual o tempo limite que devemos estar conectados? Estaríamos vivendo uma epidemia de “fadiga da disponibilidade”?
É certo que essas questões envolvem várias dimensões da nossa existência enquanto indivíduos coletivos e que não há uma resposta única e definitiva. Naturalmente, não tem a ver com a tecnologia em si, mas sim com o uso que fazemos dela. Nesse sentido, torna-se necessário cada vez mais problematizar o seu uso prejudicial, tentando compreender como ele envolve uma busca constante pela produção e consumo de novidades que nos coloca num ciclo embaraçoso de desempenho e exaustão e construir relações mais saudáveis com a tecnologia para não ficar refém dela.
Segundo o filósofo Christoph Türcke, em seu livro "Sociedade Excitada", com o predomínio social da comunicação da propaganda, nos tornamos uma sociedade dependente dos estímulos e choques imagéticos e buscamos uma constante excitação, de modo a ser convocados a não apenas a experimentar sensações, mas também a emiti-las.
Tássio Jubini
Autor do artigo
"O famoso ditado popular 'quem não é visto não é lembrado' foi levado muito a sério e agora queremos sempre um tempo a mais nas redes sociais seja para espiar o outro, seja para nos mostrar com nossas imagens de sucesso e felicidade, enquanto a nossa vez no atendimento não chega"
Só se existe, nessa toada, quando se aparece, se é visto, e o Brasil, em específico, é o terceiro país do mundo que mais usa redes sociais (Comscore) e onde a quantidade total de smarthphones em uso é maior que a quantidade da população (FGV). A ideia de se desligar para muitos parece distante, porém é uma prescrição clínica certamente eficaz que nos protegerá da torrente de estímulos audiovisuais a qual somos submetidos e produzirá ganhos surpreendentes para a nossa saúde.
Estar conectado permanentemente é efeito de um modo de vida capitalista que tem como objetivo o desempenho máximo a todo custo e está produzindo adoecimento mental, como depressão, ansiedade e estresse. Tratando-se de crianças e adolescentes, os impactos são ainda piores e deve-se considerar as vulnerabilidades vivenciadas nessas fases e seus possíveis impactos no desenvolvimento cognitivo e social.
Um estudo canadense com 3,8 mil jovens de 12 a 16 anos, realizado ao longo de quatro anos, demonstrou como o aumento do tempo nas redes sociais e televisão está relacionado a sintomas de depressão e sinalizou indiretamente aos pais sobre a importância do estabelecimento de limites no uso.
Nesse contexto, viver bem não é uma tarefa fácil e demanda práticas de cuidado de si que nos possibilitam conexões com mais qualidade. Desconectar-se das redes sociais, pelo menos periodicamente, é uma forma estratégica de se reconectar conosco e com outro e uma possibilidade de pisar mais firme no chão da nossa terra.
O real não necessariamente é o virtual apresentado pelas tentadoras telas e portanto, desligar nossos celulares, praticando algum tipo de detox virtual, é um passo importante para regeneração da nossa saúde física e mental. Apesar de ser um “remédio amargo”, no começo, é um respiro valioso que vai nos possibilitar viver com mais consciência e bem-estar, afinal, não somos essa “máquina de resultados” como tentam nos fazer acreditar ser. Se o mundo fora da tela não parece tão interessante é porque não estamos lhe dando a chance que ele merece.
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