Redes sociais: 
Redes sociais: . Crédito: Freepik

Será que nossas experiências têm sido tão rápidas quanto a duração dos stories?

A “cultura” dos stories muitas vezes nos engana, pois estamos reduzindo a intensidade da vida e das nossas experiências em fotos e vídeos que, após 24 horas, são apagados

Tempo de leitura: 4min
Publicado em 14/07/2024 às 11h00
  • Edson Kretle dos Santos

    É professor de Filosofia do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito Santo (Ifes) - Campus Venda Nova do Imigrante

Estimado leitor (a), pensar sobre a vida nos torna pessoas melhores, por isso, gostaria de lhes convidar para uma reflexão sobre nossos comportamentos e valores. Neste texto, desejo problematizar como a “cultura” dos stories muitas vezes nos engana, pois estamos reduzindo a intensidade da vida e das nossas experiências em fotos e vídeos que, após 24 horas, são apagados. Mas será que realmente tem sido assim a profundidade das experiências humanas?

O sociólogo e filósofo polonês Zygmunt Bauman (1925-2017) caracterizou o mundo moderno como “sociedade líquida”. Para ele, um comportamento que hoje é amado, amanhã pode ser odiado pelas pessoas. Sobre isso, Bauman diz: “O mundo que chamo de ‘líquido’ porque, como todos os líquidos, ele jamais se imobiliza nem conserva sua forma por muito tempo. Tudo ou quase tudo em nosso mundo está em mudança.” Sendo assim, a efemeridade das relações sociais e pessoais marcam esse tempo no qual os vínculos, os valores e as experiências são muito passageiros. Mas como esse acontecimento impacta nossa vida?

O vazio dos stories representa o vazio da nossa alma?

Diferentemente de nossos avós, com o avanço da internet temos à nossa disposição uma imensa rede que nos conecta com o mundo em tempo real. Essa teia possibilita inúmeras coisas positivas, porque evidentemente partilhamos com nossos amigos algo que julgamos bom, entretanto essa prática também transforma nosso modo de pensar e agir.

Acredito que o leitor (a) já presenciou algumas situações em que praticamente quase todos os presentes em uma festa, encontro familiar ou nas reuniões no trabalho estão com o aparelho de celular na mão tirando fotos ou fazendo vídeos e selfies na maioria do tempo. Toda a “intensidade” do momento é compartilhada em tempo real nas redes sociais. Aparentemente, somos uma sociedade que vive o que o poeta romano Horácio disse no século I d. C: “Aproveite o dia, confie o mínimo possível no amanhã”. Isso ficou famoso na fórmula “carpe diem”. Entretanto, é justamente o contrário que ocorre, pois com o desejo ávido de alimentar nossas redes sociais estamos cada vez mais desnutridos de experiências que elevem o espírito humano.

O “mundo líquido” de que fala Bauman pode ser muito bem representado nos stories que postamos em nossas redes. Esses posts duram apenas 24 horas, então após esse tempo precisamos postar outro acontecimento para preencher o vazio que ficou. Registros que se perdem pelo excesso, pois, em algum momento, o espaço na memória do celular acabará e será preciso excluir alguns arquivos.

Será que tão rápido quanto os stories tem sido nossas experiências? Será que habita em nossa alma o mesmo vazio que desaparece como nos stories? Pesquisas apontam que a aparente “felicidade” tão compartilhada nas redes tem gerado uma sociedade infeliz, pois quanto mais vemos as postagens de pessoas felizes, mais comparamos e nos tornamos insatisfeitos com nossa própria vida e esquecemos que somos únicos e não cópias.

Precisamos sair do individualismo e enxergar o nosso próximo

Na mitologia grega, temos o conhecido mito de Narciso que nos ajuda compreender melhor esse tema. De acordo com a história, Narciso era um jovem muito bonito e vaidoso que se apaixonou pela própria imagem refletida em uma fonte de água e que se afogou admirado por si mesmo. Trazendo essa narrativa para nossos dias, Narciso nos ensina que a vaidade exagerada nos conduz à falta de empatia pelo semelhante, por isso Narciso simboliza o excesso de amor-próprio incapaz de se abrir para o próximo. Não seria apenas coincidência usarmos o termo “tirar uma selfie”, afinal, a primeira pessoa da foto sempre somos nós e o outro fica em segundo plano.

Esses dias li uma frase que reflete o que estou tentando dizer ao querido leitor: “Foi tão bom. Tão bonito. Tão completo, que a gente não fotografou, não localizou e nem postou, apenas viveu.” (Lu Correia). Ou seja, pensando em recordações, estamos esquecendo de viver o presente. O estimado leitor pode se perguntar como podemos superar esse modelo de vida. Mas não se assuste, querido leitor (a), pois eu e provavelmente sete bilhões de pessoas também sofrem com muitos desses problemas de uma época em que não sabemos o que estamos fazendo de nós mesmos e, talvez por isso, exibimos uma vida que gostaríamos que fosse real ao menos nas redes sociais.

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