Praticar o silêncio nos ajuda a entender nosso lugar e a conectar-nos com o mais essencial. Precisamos reservar um momento, preparar um terreno para ele, como se recebêssemos um velho amigo
Praticar o silêncio nos ajuda a entender nosso lugar e a conectar-nos com o mais essencial. Precisamos reservar um momento, preparar um terreno para ele, como se recebêssemos um velho amigo. Crédito: Nakaridore/ Freepik

Um minuto de silêncio: por que devemos praticá-lo?

O homem da cidade está tão acostumado ao barulho que não consegue (se) ouvir (o silêncio). A constante afronta ao silêncio que vemos é um sintoma de um tempo sobrecarregado e cansado

Tempo de leitura: 4min
Publicado em 12/10/2024 às 10h00
  • Tássio Jubini

    É psicólogo clínico, mestre em psicologia institucional e escritor, autor do livro de poemas "De Alma Levada" (2022)

Um minuto de silêncio, por favor.

Não para lamentar os nossos mortos, mas para homenagear a vida e admirar o seu delicado desenrolar. O homem da cidade está tão acostumado ao barulho que não consegue (se) ouvir (o silêncio). Seria engraçado se não fosse trágico: a máquina hegemônica capitalista não permite paradas, muito menos a quietude. Apenas quando se morre, está triste ou quando dormimos que o silêncio se instaura forçosamente.

A incessante demanda por produção molda uma existência cada vez mais veloz, e ao mesmo tempo, barulhenta, onde os sons sutis do presente, aqueles que sussurram nos nossos ouvidos as belezas de um mundo diferente, são abafados. Comparemos o rugido das motos, com seus escapamentos cada vez mais ensurdecedores, e os toques das mensagens dos nossos celulares, cada vez mais presentes. Ambos buscam uma resolução imediata das suas demandas: o motoqueiro chegar ao seu destino e o celular obter a resposta de sua mensagem. Quando esses ruídos prevalecem sobre o espaço, no mesmo instante somos arrastados por eles e perdemos a concentração e a paz.

Barulhos do trânsito, da televisão, da obra do vizinho, do latido do cachorro, do nosso pensamento, somos a todo momento bombardeados sonoramente e não suportamos mais a sua ausência.

A crença ilusória na infinitude dos recursos naturais e a obsessão produtivista neoliberal nos mergulha em múltiplas crises e nos leva a preencher cada espaço vazio, tornando impossível discutir saúde mental sem abordar a necessidade urgente de políticas efetivas de proteção ambiental. A constatação do filósofo Friedrich Nietzsche, que aponta que a falta de repouso leva nossa civilização a uma nova barbárie, parece mais real do que nunca. Vivenciamos, atônitos, uma sequência de catástrofes ambientais ao lado do crescimento vertiginoso de casos de síndrome de burnout.

As respostas para os desafios da “sociedade do cansaço” necessitam ser articuladas a modos de vida mais sustentáveis e, sobretudo, silenciosos. Para “adiar o fim do mundo” (Ailton Krenak) e reduzir o seu barulho estrondoso, é necessário coragem em escutar os seus sinais e encarar o fato de que estamos em um momento de emergência climática, como evidenciado pela recente proliferação de queimadas pelo país que, no mês de agosto deste ano, por exemplo, atingiu, ao todo, um território equivalente ao estado da Paraíba (Mapbiomas).

A destruição exige uma escuta atenta, uma interrupção.

Praticar o silêncio nos ajuda a entender nosso lugar e a conectar-nos com o mais essencial. Precisamos reservar um momento, preparar um terreno para ele, como se recebêssemos um velho amigo, como sugere o poeta capixaba Lucas Protti. Imerso no silêncio, a ansiedade de falar por falar, fazer por fazer, vai se desfazendo e a nossa voz, por vezes um afeto perene na encruzilhada do desespero, ganha uma sabedoria ancestral de planta e uma firmeza tranquilizadora.

A problemática afeta várias dimensões da vida no planeta e possui uma urgência em ser discutida, na medida em que as cidades estão cada vez mais barulhentas e a população brasileira cada vez mais vive nelas (segundo o presidente do IBGE, a porcentagem se aproxima a 90% da população brasileira, de acordo com Censo Demográfico de 2022).

O psicanalista francês Felix Guattari em seu livro "As três ecologias" nos traz pistas para pensá-la, quando propõe compreender a ecologia de outra forma, articulando os registros ambiental, com o social e o da subjetividade humana. Ele sugere que somente uma autêntica revolução política, social e cultural a nível planetário que atue não apenas no plano macro, mas também no das sensibilidades e inteligências, seria capaz de pôr fim à crise que vivenciamos.

A ONG "Quiet Parks International", que atua na identificação de parques livres de poluição sonora no mundo, é uma iniciativa valiosa e crescente que vai ao encontro dessa proposta. Mapear e valorizar esses espaços destaca a importância do silêncio e seu poder regenerativo.

Silenciar é preciso.

A constante afronta ao silêncio que vemos é um sintoma de um tempo sobrecarregado e cansado, comprometido em reproduzir modos de produção prejudiciais. O compositor John Cage, com sua célebre Sinfonia do Silêncio (4'33"), composta de quatro minutos e meio de silêncio, nos propõe um exercício interessante: observar o som ao nosso redor e tentar encontrar a musicalidade que nele reside.

A conclusão a que chegamos é que é possível encontrá-la, desde que estejamos atentos e desprendidos de uma lógica utilitarista imposta. O silêncio agindo é beleza germinando outro mundo possível em um cada vez mais distópico, é o vazio, cada vez mais necessário, em um mundo cheio de sons de máquinas que nos atropelam.

Deixo aqui, então, com este texto, o convite para que possamos experienciá-lo e quem sabe assim encontrar as respostas que realmente precisamos.

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