Fato indiscutível: crianças aprendem a gostar de livros - e, portanto, de literatura - quando são estimuladas pela família e pela escola. Claro que a igreja pode até fazer sua parte, mas prefiro, por questões muito particulares, deixar de fora tal instituição. Família e escola ganham um aliado quando o texto que é apresentado à criança é, para dizer o mínimo, interessante.
Ou seja: é preciso que o que se diz capture a atenção infantil de forma definitiva, fulminante. E, claro, o que conta não é a história per si, mas a forma como essa história chega ao pequeno leitor - ou pequena leitora, tanto faz. E é aí que entram dois elementos básicos: a linguagem, o instrumento, e o narrador, o mensageiro. Pois esses dois elementos básicos, enormíssimos aliados de uma boa história, são a especialidade de Lilian Menenguci.
Se você não sabe, Lilian Menenguci é professora, mas ensinar - ao menos nas páginas do livro em questão - está longe de seu objetivo. Ao escritor não se responsabiliza a didática. Escritores criam, elaboram universos, recriam ideias, reformulam ações. A ideia de ensinar pode até existir, mas é secundária, e depende de quem lê. Na verdade, não são escritores que ensinam, mas leitores que aprendem. A existência da Lilian professora depende do leitor.
A Lilian de que falo conta histórias, e vou além: conta histórias usando dois registros: o escrito e o falado. Como este meu texto não se refere primordialmente à audição - eu disse primordialmente! -, fico com o que se apresenta nas páginas, naquilo que formalmente conhecemos como palavras. E que páginas são essas?
Bem, tive o prazer de ler "O mistério da bolinha de gude", a mais recente aventura escrita por essa escritora cuja tarimba é capaz de criar histórias que seduzem leitores de qualquer idade -incluindo a minha, já avançada, mas que ainda se lembra de jogos que, infelizmente, eram destinados apenas aos meninos. Barca, triângulo, esferas, bolinhas, bolebas, gudeira, olho-de-gato etc. Elementos que povoam a infância e que, para sorte de alguns, continuam a povoar.
Dois hemisférios comunicam-se na aventura: a criança e o idoso: cada qual com seu gude particular e que, ao final, chocam-se e integram-se. O que pode haver de mais belo do que essa conexão, que a maioria imagina impossível? Pois Lilian, à moda das grandes narradoras, mostra-nos que a infância um dia se tornará velhice - e a recíproca é autêntica e definitiva. Ler Lilian - perdão pela aliteração e pela metonímia! - é um prazer que nos faz conectar os tempos.
E por falar em tempo, você, que está lendo, caso tenha mais de quarenta anos, use "O mistério da bolinha de gude" não apenas como instrumento literário, mas, também, use-o pelo viés do afeto, porque os jogos de gude, assim como outros passatempos lúdicos, habitam nossa memória e nosso coração. Reativam esperanças, buscam dentro de nós o que infelizmente adormeceu e que merece um despertar cheio de disposição e alegria.
Muito obrigado, Lilian Menenguci, por esse retorno, por conhecer Marquinhos, Dudu e Bilôla. Obrigado por três páginas de suspense, por dezenove páginas de inspiração. Obrigado por “seu” Marinho, pela realidade fantástica, pelo mundo que você criou em páginas de raríssima beleza, tanto pela linguagem quanto pelo magnífico trabalho do ilustrador Arthur Mask. Vou agradecer sempre, porque para sempre, em mim, ficará este livro.
ONDE COMPRAR:
"O Mistério da Bolinha de Gude" é vendido no site da Editora Maré.
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