Não faz muito tempo que a Inteligência Artificial (IA) era considerada algo futurista, com projeções vistas apenas em filmes. Mas, nos últimos anos, esse avanço da tecnologia tem se aproximado cada vez mais do dia a dia das pessoas. A presença das assistentes virtuais Siri e Alexa é um exemplo de como esse recurso já está inserido na rotina de muita gente.
E o sucesso do ChatGPT em 2023 fez com que o tema passasse a ser discutido mais intensamente no mundo todo, bem como o uso da Inteligência Artificial em diversas áreas de conhecimento e da economia. O seu potencial para a produtividade nas tarefas é indiscutível, mas ainda existem dúvidas e questões éticas envolvidas e uma das preocupações é se a IA poderá substituir postos de trabalho.
O professor Claudio Rabelo, coordenador do curso de Publicidade e Propaganda da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), aponta que o impacto das tecnologias tem transformado as culturas à medida que estas são modificadas com os usos em redes.
Ele lembra de processos anteriores, quando novas tecnologias impactaram a situação do momento. Por exemplo, quando o motor à combustão parecia ameaçar a profissão dos remadores, assim como o surgimento da máquina fotográfica parecia ameaçar a profissão dos pintores retratistas. De maneira parecida, Rabelo cita que o MP3 e o Napster foram considerados prelúdios para o fim dos mercados do cinema e da música.
“A própria pandemia da Covid-19 obrigou os sistemas de gestão das empresas, forçando adaptações inventivas e criativas rumo aos novos modelos de administração, gestão e resolução de problemas. As soluções não surgiram de um impacto, mas foram resultantes de um enredamento de tecnologias já existentes, pensadas sob novos paradigmas. Assim, vejo que a Inteligência Artificial pode ser usada de forma indissociável e não hierarquizada em relação às tantas outras ferramentas de comunicação que já existem”, ressalta.
Inteligência Artificial, ou IA, é um avanço tecnológico regido por softwares que permite que sistemas simulem uma inteligência similar à humana, indo além da programação de ordens específicas para tomar decisões de forma autônoma, baseadas em padrões de enormes bancos de dados. Pode ser empregada em aparelhos eletrônicos e em processos de grandes indústrias.
Na publicidade, a Inteligência Artificial tem o potencial de beneficiar todas as áreas do mercado. A tecnologia pode ser usada para otimizar processos, criar conteúdo e melhorar a segmentação, ajudando a automatizar tarefas, melhorar a precisão e reduzir custos. Ao mesmo tempo, oferece mais soluções para os clientes e mantém a proximidade com o consumidor.
Na rotina da publicidade, na avaliação do professor, a IA pode participar, na parte criativa, de processos de brainstorm, apresentando palavras-chave ou contextos capazes de inspirar as pessoas para a criação de narrativas publicitárias envolventes. Já na produção, a tecnologia pode auxiliar a modular efeitos sonoros e de voz, capazes de ampliar os sentidos que se deseja produzir, sejam eles de tensão, apreensão, segurança, nostalgia ou humor.
E nos pontos de vendas, em espaços como feiras, congressos, shopping centers e aeroportos, o uso da IA pode ser capaz de gerar conversas com os públicos, orientar para a tomada de decisões e até mesmo resolver problemas de SAC (Serviço de Atendimento ao Consumidor).
“Expressões como machine learning, análise preditiva e data driven já fazem parte do dia a dia das empresas de comunicação e estratégia. A máquina aprende com os usos em redes e nos orienta para a tomada de decisões. Por exemplo, pode nos ajudar a encontrar os públicos certos a partir da análise massiva de dados baseados no comportamento dos públicos, além de precificar e organizar a mídia”, pontua Rabelo.
Para a planner da Aquatro, Karine Guaitolini, a IA veio para revolucionar o mercado e a forma como as empresas se organizam, exigindo adaptação. Na publicidade, ela acredita que a tecnologia traz, sobretudo, agilidade e eficiência nos processos criativos e nas decisões estratégicas.
“As ferramentas de IA analisam e processam dados, automatizam processos e auxiliam em atividades como geração de conteúdo de marketing, identificação de tendências, personalização de anúncios e otimização real time de desempenho de anúncios. Com todas essas possibilidades, a IA aumenta a relevância e a eficiência de anúncios, melhora a produtividade interna e fortalece relacionamentos com consumidores, resultando em um maior retorno sobre o investimento”, detalha.
O diretor-executivo da Prósper, Fernando Lisboa, também destaca o fato de a tecnologia contribuir para a produtividade do trabalho.
“Existem inteligências artificiais para tudo nesse processo, para foto, vídeo, imagem, apresentações e construção de texto. Enfim, ela pode ajudar nesse dia a dia de diversas formas para fazer com que haja um aumento da produtividade e uma qualificação cada vez maior das entregas e do trabalho. A questão é como a gente vai lidar com isso”, pondera.
Considerando a IA uma revolução tecnológica bem-vinda, o diretor-presidente da Danza, Luiz Roberto Cunha, acredita que se bem utilizada na publicidade, o impacto deve ser bastante positivo, pois pode facilitar processos e tornar etapas de trabalhos operacionais mais ágeis.
Para Luiz Roberto, a Inteligência Artificial é, neste momento, uma ferramenta útil para a otimização do tempo em tarefas mais simples e ele acredita que pode ser utilizada em quase todos os setores.
“Com a sua ajuda, tarefas que demandam muito tempo e são repetitivas podem ser feitas por ela, enquanto a equipe fica com tempo livre para se dedicar a atividades mais estratégicas. E quando você tem mais tempo para se dedicar a coisas intelectualmente mais desafiadoras, com certeza esse ganho vai refletir em melhores escolhas e experiências para o seu consumidor”, analisa.
Mayara Junquilho, sócia e gerente de projetos da ebrand, observa que o uso da IA está cada vez mais presente no dia a dia de muitas profissões e na publicidade não é diferente.
“Acredito que não podemos temer essas novas tecnologias que surgem e continuarão surgindo a cada dia. O importante é entender como cada uma delas pode agregar no nosso trabalho e ajudar a aumentar a produtividade”, ressalta.
Ela pontua que a IA é realidade na publicidade e lembra que já há algum tempo são usados chatbots para interação personalizada com os consumidores em tempo real e também ajuda a segmentar a audiência para campanhas on-line, bem como otimizar processos.
Mayara afirma que o ChatGPT é uma realidade para a equipe de redação, ajudando a ampliar os pensamentos na criação de copys. “Inclusive vamos realizar um workshop interno para mostrar como essa ferramenta pode ser aliada na hora da criação”, conta.
Na Aquatro, Karine Guaitolini destaca que desde que a agência começou a trabalhar com redes sociais e mídia on-line, a Inteligência Artificial estava inserida, entendendo o comportamento do consumidor e suas preferências, devolvendo insights de como performar melhor um anúncio, com sugestão de conteúdos a serem criados, assim como relatórios instantâneos.
Ferramentas como Facebook Insights e Ads, Google Analytics, Trends e Ads, e ChatBots, assim como tantas outras que monitoram campanhas, processam dados, geram relatórios e criam dashboards, já estão no mercado há muitos anos ajudando a agilizar um trabalho que seria de formiguinha, segundo afirma Karine.
Há algum tempo, continua a planner da Aquatro, a agência passou a usar “o queridinho ChatGPT e Midjourney”, e testou outras plataformas.
“Uma coisa ficou bem clara para nós: é necessário ter uma boa bagagem, conhecimento e referências amplas e consistentes, para saber o que pedir para uma Inteligência Artificial , a fim de obter um resultado realmente diferenciado. Quanto mais rico de informações e especificações for o seu pedido, mais incrível será seu resultado. Algo que nunca poderá ser substituído por uma máquina são as conexões humanas.”
Fernando Lisboa, da Prósper, conta que as ferramentas de IA vêm sendo usadas inicialmente como meios assistenciais de suporte para as campanhas, para estratégias, para levantamento de dados de pesquisas e para atividades que se repetem e ajudam a dar pontapés iniciais e ritmo e volume para algumas entregas.
É o caso de pesquisas de imagem, de conteúdo, para desenvolvimento de apresentações. Mas a empresa também já começou a usar a tecnologia para desenvolver todo um material pela IA.
“A gente já está fazendo alguns testes por aqui. Conseguimos produzir parte de roteiros de vídeos, vídeos, áudios, falas de roteiros através desse tipo de inteligência, mas ainda tudo num universo de aprendizado”, afirma Fernando.
Por outro lado, os publicitários também avaliam os cuidados com a nova ferramenta cada vez mais presente no dia a dia. Mayara, da ebrand, considera que, ao mesmo tempo que existem benefícios para o uso da IA, é importante também ter atenção ao mau uso, como, por exemplo, a manipulação de anúncios e conteúdos enganosos que prejudicam a confiança do consumidor.
Já Karine, da Aquatro, alerta que toda tecnologia tem suas desvantagens e complexidades. Para ela, ao utilizar a IA, os profissionais devem estar atentos à originalidade e qualidade do conteúdo fornecido pelas ferramentas, visto que a IA pode plagiar materiais já existentes, ou produzir um conteúdo que seja irrelevante para o público-alvo.
“Também há preocupações éticas e legais, que envolvem questões como privacidade, segurança e consentimento; manipulação, com a criação de deepfakes, fraudes com biometria, ou recomendações tendenciosas; além de dados enviesados ou discriminatórios em relação a certos grupos de pessoas”, adverte.
Na avaliação de Luiz Roberto Cunha, da Danza, a maior ameaça da IA para a publicidade seria o fato de se pensar em reduzir custos com equipe acreditando que a nova tecnologia pode substituir pessoas talentosas.
Fernando Lisboa acrescenta que, embora haja uma grande discussão sobre profissionais que possam perder a relevância em alguns tipos de atividade, há um olhar neste contexto.
“As tecnologias sempre potencializaram as entregas humanas e a gente conseguiu chegar mais longe. Óbvio que tem um período de adaptação, de entendimento, mas até que se prove o contrário, por enquanto seremos nós os humanos que iremos controlar essas ferramentas e utilizá-las para extrair o máximo possível delas”, frisa.
Diante de pontos que ajudam a acelerar o trabalho e a substituir tarefas repetitivas e também discussões sobre riscos de substituição de postos de trabalho, a visão dos profissionais do mercado publicitário é de que a ferramenta tem potencial para contribuir para o dia a dia, mas que seu bom uso está relacionado à experiência e ao conhecimento do profissional que realiza o comando, que entende, profundamente, as necessidades tanto das empresas quanto dos consumidores.
Na opinião de Karine Guaitolini, utilizar esses recursos de forma assertiva, eficiente e responsável requer, portanto, qualidades profissionais específicas, como treinamento, revisão e filtragem de conteúdo, olhar crítico, compreensão da IA como auxiliar e não como muleta criativa, saber descrever com complexidade e detalhes o que se deseja, bem como estar ciente das implicações éticas e legais, seguindo as melhores práticas e regulamentos do setor. Ela acredita que a crença de que apenas a Inteligência Artificial é capaz de resolver o problema de uma marca é uma ilusão.
“A Inteligência Artificial carece de emoções, intuição e experiência subjetiva, não sendo capaz de produzir ideias únicas e originais que nascem de emoções e experiências pessoais. A criatividade humana tem limitações, mas a IA pode ampliá-la, oferecendo insights, ferramentas e dados, abrindo horizontes e impulsionando a inovação. Não se trata de uma competição entre máquinas e humanos, mas de uma colaboração que potencializa a criatividade humana”, reforça.
Já o professor da Ufes Claudio Rabelo lembra que ainda há um longo caminho para se alcançar uma verdadeira IA, isto é, há mais potencial que uso cotidiano por parte das agências.
“Tenho alunos que trabalham em empresas como Tinder, Americanas e Renner, utilizando a inteligência dos dados para orientar a organização visual das lojas (visual merchandise), a identificação de pontos importantes para o gerenciamento de crises e as abordagens de campanha”, conta.
Rabelo diz que outro ex-aluno, que faz campanhas para a HBO, explicou que até mesmo alguns trailers são personalizados por narrativas algorítmicas, ou seja, recortados de forma personalizada, com orientação dos dados, para diferentes perfis dos públicos.
“E veja que, nesses casos, a aprendizagem da máquina foi utilizada como aliada dos analistas humanos, para melhorar a experiência de outros usuários, também humanos”, finaliza.
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