É comum que muitas pessoas ainda não vejam as agressões psicológicas como forma de violência. Mas, se existisse uma escala desse tipo de ataque contra a mulher, o primeiro estágio seria o da violência psicológica, que pode culminar em feminicídio. O alerta é dado pela doutora em Psicologia Karine Nogueira e pela delegada Natália Tenório, que está à frente da Gerência de Proteção à Mulher da Secretaria de Estado da Segurança Pública e Defesa Social (Sesp)
Diferentemente de um dano físico, essa ofensiva é muito sutil e, por isso, em alguns momentos é tão difícil identificá-la. A violência psicológica pode vir escondida atrás de uma brincadeira ou uma manipulação e vai crescendo no decorrer do relacionamento abusivo, trazendo feridas emocionais profundas nas vítimas que, mesmo não sangrando, levam muitos anos para cicatrizar.
Faz pouco tempo que o crime de violência psicológica foi incluído no Código Penal. Somente em julho de 2021, quando o artigo 147–B da Lei nº 14.188 foi criado, esse ato passou a ser tipificado. A modalidade já havia sido prevista na Lei Maria da Penha, que completou 16 anos em agosto, mas ainda não tinha sido descrita detalhadamente.
De acordo com a delegada, as vítimas tinham dificuldade em registrar a ocorrência, e muitas condutas que eram consideradas violência psicológica, por não ter um crime específico, não eram registradas em um boletim de ocorrência. "Desde julho do ano passado, com essa lei, permitimos agora que essa violência não fique na invisibilidade. Agora, a mulher que sofre de violência psicológica pode registrar isso como um crime”.
Por ser a lei muito recente, ainda há poucas denúncias contra essa conduta. De acordo com os dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022, foram contabilizados 8.390 casos de violência psicológica no Brasil e 136 no Espírito Santo, no período de agosto a dezembro de 2021. Em relação aos números referentes a outros tipos de violência contra a mulher, essas estatísticas são relativamente baixas. Para se ter uma ideia, a quantidade de chamadas ao 190 denunciando violência doméstica chegou a 619.353 ligações registradas no Brasil e de 46.791 no Espírito Santo no ano analisado.
Natália Tenório atribui esse descompasso entre os registros ao desconhecimento do crime, pois toda legislação precisa de um tempo para serem de fato compreendidas pela população.
Karine Nogueira atua como psicóloga clínica atendendo mulheres que buscam ter relacionamentos saudáveis. Ela explica que essa ridicularização e diminuição da autoestima da vítima podem gerar diversas consequências psíquicas. "A baixa autoestima, por si só, já traz transtornos psicológicos. Juntando esse traço a essa vivência da violência psicológica, isso vai acarretar, sem dúvida, ansiedade, síndrome do pânico, estresse pós-traumático e depressão", explica a doutora em Psicologia.
Karine alerta sobre os sinais que podem aparecer, pois o abuso nos relacionamentos se intensifica de forma gradual. "Ele começa pequeno e vai crescendo conforme a vítima aceita ou não as situações", afirma.
Um ponto de atenção destacado pela especialista é que, geralmente, o violador vai tirando aos poucos toda a rede de apoio da vítima, fazendo com que ela se afaste da família e amigos.
Como previsto no artigo 147-B, é considerado crime de violência psicológica a conduta capaz de “causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação”.
A pena para quem comete o crime é de seis meses a dois anos. A vítima tem o direito de solicitar a medida protetiva. De acordo com Natália Tenório, ainda há certa dificuldade dentro do Direito Penal para aplicar a sanção da melhor maneira e não gerar banalização. "A violência psicológica é uma coisa séria, e violência psicológica é sim o início de um ciclo que pode acabar inclusive com a morte, com feminicídio”, finaliza.
*Lívia Bonatto é aluna da 25ª edição do Curso de Residência em Jornalismo. Este conteúdo teve orientação da editora de conteúdo do programa, Andréia Pegoretti.
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