Marina Ulhôa, entrevistada sobre os desafios da vida
Marina Ulhôa, entrevistada sobre os desafios da vida . Crédito: Vitor Jubini

"Aprendi a lidar com a morte de um filho, o suicídio do meu irmão e o desabamento do prédio que moro", diz a capixaba Marina Ulhôa

Ela relembra as três tragédias, conta como superou a depressão e ressalta como o trabalho e o carinho da família foram fundamentais para se reerguer

Publicado em 11/03/2020 às 18h55
Atualizado em 12/03/2020 às 09h44

Domingos são marcantes na vida da mentora de negócios digitais Marina Ulhôa. Foi num deles, em setembro de 2017, que ela perdeu o irmão para a depressão. Ele, que participava ao lado do pai de uma prova de corrida na cidade, se suicidou durante o evento ao se jogar da Terceira Ponte. "Primeiro eu senti muita raiva, depois questionei o porque ele tinha feito isso com a gente. Para em seguida sentir tristeza. Como uma pessoa tira a própria vida?", questiona. 

Foi também num domingo que ela viveu a grande tragédia de sua vida: a morte do seu segundo filho, Matias. Após complicações no parto, o menino nasceu sem oxigênio e ficou 78 dias internado na Utin. Viveu 11 meses em casa com a família até que, do dia para a noite, não sobreviveu a uma febre e morreu. "Essa perda sim me tirou do eixo. Foi difícil voltar a viver", confessa. Mas ela voltou. Carrega ainda no livro de sua história o capítulo desabamento da área de lazer do edifício Grand Parc, na Enseada do Suá, em Vitória. Um ano após a pior perda de sua vida, ela fala pela primeira vez a um veículo de comunicação. Aos 36 anos ela relembra as tragédias, conta como superou a depressão, diz que o trabalho e o carinho da família foram fundamentais para se reerguer. Se emocionou ao lembrar do irmão e do filho. Porque ela sabe que a dor está presente em sua vida. Sempre estará. "A morte mora na minha casa".

Até meados de 2016 podemos dizer que sua vida estava bem de boa...

Estava normal. Casada, com o meu filho Miguel, tudo certo. Já estava morando no meu apartamento novo. Todo o dinheiro juntado durante uma vida, nós investimos no apartamento que era dos sonhos. A vida estava muito boa.

Até que na madrugada de 19 de julho de 2016 a área comum do seu prédio desabou. O que você lembra daquele dia?

Acordamos assustados com o tremendo barulho, às 3 da madrugada, e descemos 26 andares às pressas só com a roupa do corpo. Foi muito louco. Quando olhei para baixo não consegui ver o que tinha acontecido, uma poeira muito grande. E lembro de muita gente gritando. Chegando lá em baixo vimos que não tinha mais a área de lazer... Carros retorcidos e muita água da piscina espalhada por toda parte, além de todos os nossos vizinhos de pijama, na Praça do Papa, assustados.

O que você aprendeu com essa tragédia?

Os meus valores foram revistos completamente. É muito bom ter isso (apartamento grande), mas se não tiver não é isso que vai me fazer feliz ou infeliz. Não ficou nenhum sentimento ruim, porque depois eu vi que as coisas se resolvem. Quando a gente sofre uma coisa tão forte assim, como ver o sonho de ter uma casa perdido, no fim das contas a gente entende que nem precisa daquilo. Isso ficou muito claro. Mas não tive medo de recomeçar.

Desabamento do Grand Parc

Desabamento do Grand Parc, em Vitória
Desabamento do Grand Parc, em Vitória. Arquivo/ A Gazeta
Desabamento do Grand Parc, em Vitória
Desabamento do Grand Parc, em Vitória. Arquivo/ A Gazeta
Desabamento do Grand Parc, em Vitória
Desabamento do Grand Parc, em Vitória. Arquivo/ A Gazeta
Desabamento do Grand Parc, em Vitória
Desabamento do Grand Parc, em Vitória. Arquivo/ A Gazeta
Desabamento do Grand Parc, em Vitória
Desabamento do Grand Parc, em Vitória
Desabamento do Grand Parc, em Vitória
Desabamento do Grand Parc, em Vitória

E aí em setembro de 2017 seu irmão se suicidou, durante uma prova de corrida. O que você lembra daquele dia?

Era domingo e eu estava grávida do meu segundo filho. Eu não saí de casa naquele dia e fiquei quieta, num daqueles raros dias que não mexi no celular. A notícia já estava rodando na rede social e eu realmente não vi. E aí, como estava grávida, a minha mãe já sabia e estava na rua procurando por ele, e não me avisou. Ela queria me poupar. Fui uma das últimas a saber, já de noite, quando ela me ligou chorando: "Ele nos deixou".

Como você reagiu?

Foi terrível. Primeiro eu senti muita raiva dele, depois questionei o porquê de ele ter feito isso com a gente. Para depois sentir tristeza. Caramba, porque ele fez isso com a gente, de um nível de egoísmo muito grande. Como foi uma coisa muito pública, eu não precisei, pessoalmente, contar pra ninguém, as pessoas vieram até mim. Eu e minha família nos unimos muito mais, fizemos terapia em família com uma profissional especialista no assunto.

Ele não tinha dado nenhum indício?

Na verdade tinha, sim. Mas sabe aquela coisa que a pessoa está com raiva, fala e a gente não acredita? E a corrida foi com o meu pai, eles corriam juntos. Durante a prova de repente ele falou: "Agora vou correr mais rápido". Foi nesse momento que ele se afastou... Foi assim que ele se despediu. Vivi o sentimento de raiva, depois o de questionar, e depois de constatar que é muito triste desistir da vida, porque problemas todo mundo têm. É claro que depressão é uma doença muito séria, mas dá para resolver com ajuda psicológica e medicação. E a gente tentou por muito tempo, mas ele não quis. Os meus pais hoje falam que não sentem culpa pelo que aconteceu porque fizeram tudo o que podiam.

Marina Ulhôa

Mentora de Negocios Digitais

"Primeiro senti muita raiva do meu irmão, depois questionei o porquê de ele ter se suicidado, para depois sentir tristeza. Foi de um nível de egoísmo muito grande"

Esse é um assunto tabu. Mas você nunca escondeu ou deixou de falar...

Uma coisa que aprendi muito com as tragédias que aconteceram comigo é que a morte mora na minha casa. E quando a gente está muito próximo dela, a gente valoriza muito mais a vida. A morte é um tabu, ninguém fala dela. Mas esquecemos que pode acontecer a qualquer momento com qualquer um. Na medida que você sabe disso, passa a valorizar a vida. É exatamente isso que tem acontecido comigo, minha família e amigos. É uma questão de cair na real.

Mas você não estava preparada para o dia 19 de fevereiro de 2019, quando o seu segundo filho Matias, de 1 ano e 1 mês, faleceu. Literalmente da noite para o dia.

Foi aí que o bicho pegou na minha vida. Tive uma gravidez extremamente saudável, procurei os melhores profissionais que podia. Não medi esforços, nem em relação a preços. Queria trazer o meu filho da melhor forma possível que acredito. A questão é que no dia 26 de dezembro de 2017, tava em trabalho de parto e meu útero rompeu. Senti uma dor incontrolável. Fui levada para uma cirurgia, conseguiram tirar o meu filho, mas ele ficou sem oxigênio. Na hora do nascimento ele não chorou e nada aconteceu. Ele estava morto, mas foi reanimado e a gente ficou por 78 dias na Utin. Entrei no dia 26 de dezembro e só sai no dia 15 de março, fui lá todos os dias.

E depois desse período internado você chegou a levá-lo para casa...

Quando voltei para casa depois de 78 dias é que fui entender o que tinha acontecido, parece que antes eu não tinha entendido. Olha o nível em que estava. Depois de 11 meses em casa, de um dia para o outro, ele teve uma febre. Levei para o hospital e em menos de 12 horas ele faleceu. Eu não estava com ele na hora que ele faleceu. Foi de tarde, num domingo, e estava em casa porque revezava com o meu marido. Quando cheguei a médica me avisou do falecimento e que tinham tentado uma série de procedimentos para reanimar. Ele estava todo furado, ensanguentado, inchado... Essa cena, sim, eu não consigo tirar da minha cabeça. Porque naquele momento nem era mais o meu bebê. Foi punk.

Ninguém está preparado para perder um filho...

Você nunca espera que isso vai acontecer. O planejado é engravidar, ter um filho para que ele siga o rugo normal da vida. E isso me tirou do eixo, desde que tive o problema no parto. Quando voltei para casa, antes de ele morrer, entrei numa depressão profunda, porque fui entender que o meu segundo filho não iria viver as mesmas coisas que o primeiro. Ele tinha deficiências em função do que sofreu no parto. O desenvolvimento era defasado. Não conseguia mamar, por exemplo, e nem colocar o dedo na boca. E ninguém sabia me dizer como seria. O ano de 2018 foi o ano que não vivi, não saí de casa, a única coisa que fiz foi trabalhar e cuidar das crianças. Meu marido não me deixou morrer! Me tratei com psicóloga, tomei remédio tarja preta e quando melhorei da depressão o meu filho morreu. Eu estava me reerguendo.

Marina Ulhôa

Mentora de Negocios Digitais

"Com a morte do meu segundo filho eu perdi o rumo da vida. Mas aprendi que essa é a minha dor, não é a maior do mundo, porque cada pessoa tem a sua. E dor não se mede"

Às vezes você posta algumas fotos com ele. Não te machuca?

Não me machuca. Eu gosto de falar sobre isso porque falar me ajuda. Não dá para guardar isso só para mim. Preciso falar para as pessoas: "Prestem atenção na vida de vocês, viva, porque as coisas vão acontecer". E dá para sair dessa com apoio da família, amor. E se precisar de ajuda, peça! Não tenho vergonha de dizer que fui tratada porque precisei. E se precisar de tomar remédio novamente eu vou tomar. A vida é tapas atrás de tapas. Não falo do Matias o tempo todo, mas essa semana mesmo acabou de fazer um ano da morte dele, e foi mais uma semana intensa de trabalho. Acordei, chorei muito e sabia que precisava trabalhar para ocupar a mente, porque ninguém precisa saber que tô passando por isso, a vida segue. Com dor ou sem dor, porque todo mundo tem. Uma coisa que aprendi é que eu perdi o meu filho e essa é a minha dor, não é a maior do mundo, porque cada pessoa tem a sua. E dor não se mede. Eu tenho urgência em viver e em ser feliz.

Álbum de família

Marina Ulhoa e o filho Matias
Marina Ulhoa e o filho Matias. Reprodução/ Instagram
Marina com o marido e o filho
Marina com o marido e o filho. Reprodução/ Instagram
Marina Ulhoa e o filho Matias
Marina Ulhoa e o filho Matias. Reprodução/ Instagram
Marina Ulhoa e o filho Matias
Marina Ulhoa e o filho Matias. Reprodução/ Instagram
Marina Ulhoa e o filho Matias
Marina Ulhoa e o filho Matias. Reprodução/ Instagram
Marina Ulhoa e o filho Matias
Marina Ulhoa e o filho Matias. Reprodução/ Instagram
Marina Ulhoa e o filho Matias
Marina Ulhoa e o filho Matias. Reprodução/ Instagram
Marina Ulhoa e o filho Matias
Marina Ulhoa e o filho Matias. Reprodução/ Instagram
Marina Ulhoa e o filho Matias
Marina Ulhoa e o filho Matias
Marina Ulhoa e o filho Matias
Marina Ulhoa e o filho Matias
Marina Ulhoa e o filho Matias
Marina Ulhoa e o filho Matias
Marina Ulhoa e o filho Matias
Marina Ulhoa e o filho Matias

A dor está aí. Sempre vai estar. Como você aprendeu a conviver com ela?

Foi na marra e a única forma de viver com a dor é vivendo. Não tem jeito, ela sempre vai estar aqui e eu tenho que seguir. É falando sobre o que aconteceu, me lembrando com amor pelo que vivi e tentando entender o impossível. Por que tudo aconteceu comigo? Eu nunca vou saber essas respostas. As pessoas que entram na minha vida vão trazendo palavras e ações que acabam fazendo sentido. Mas tive que aprender a conviver com essa dor que é minha. E mesmo assim eu vou viver.

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