Manipulação, assédio, ciúmes excessivo, agressões verbais e físicas. Essas são apenas algumas das características de um relacionamento abusivo. Nesta segunda-feira (25), mulheres de todo o país, incluindo muitas do Espírito Santo, se uniram para expor na internet relatos de situações de violência que já viveram ou presenciaram.
Elas usaram o termo Exposed - que pode ser entendido como o ato de expor uma denúncia contra alguém na internet - para identificar as publicações. O assunto ficou entre os mais comentados no Twitter e levantou a discussão sobre violência contra a mulher e o silêncio de muitas vítimas. Um debate extremamente relevante, visto que o Estado conta com números alarmantes de violência contra a mulher e feminicídio.
O perfil Exposed do ES (@ExposeddoES1 no Twitter) compartilha esses relatos com o intuito de ampliar o alcance, funcionando como um compilado das denúncias feitas por mulheres do Estado. Nele também são feitas postagens de apoio a mulheres que viveram este tipo de relacionamento e optaram a não expor os casos na internet. Por lá também são divulgados redes de apoio e de serviços, dentre eles psicológicos e jurídicos, voltados às vítimas.
A estudante Isadora Elias é uma das vítimas que resolveu revelar o que sofreu na rede social. Ela conta que nunca imaginou publicar algo tão íntimo, mas tomou essa atitude pensando em mulheres que podem estar passando pelo que ela passou. Quando descobriu que eu o havia acusado de assédio, o assediador publicou meu nome nas redes sociais, me chamando de diversos nomes, disse.
Os amigos dele também me mandaram mensagem me desmoralizando e me senti na obrigação de contar minha história. Caso contrário ele sairia como a vítima e eu como a culpada de mentir sobre algo tão sério, complementa. Ela conta que se posicionou um pouco antes dessa onda de postagens e acredita que sua história tenha encorajado outras meninas. Recebi várias mensagens falando que ao ver meu post elas decidiram falar também, que se sentiram mais fortes e coisas do tipo. Isso vale muito.
Além de relatar os abusos, como beijos forçados, a estudante expôs "prints" das conversas em que ele pede para que ela assuma que as acusações são mentirosas. Os áudios incluem ameaças e xingamentos.
Isadora considera que os relatos importantes para inspirar várias mulheres que passam ou já passaram por isso a denunciarem e se pronunciarem sobre o assunto. Além de fazer com que elas percebam que não estão sozinhas. É importante também para fazer com que os homens se conscientizem sobre temas como assédio, estupro, relacionamentos abusivos, em suas diversas formas, e como tudo isso nos afeta, conclui.
A estudante Elina Lyrio também optou por expor seu caso, porque acredita que ler outros relatos é algo extremamente encorajador. Ela explica que já havia abordado o assunto no ano passado, mas resolveu retomar por considerar o movimento simbólico. Na época não teve tanta repercussão, mas quando vi várias meninas fazendo o mesmo, e se unindo, tive forças para relatar mais detalhadamente o que passei, contou.
Ela fez uma thread (série) na rede social com relatos, fotos e vídeos das agressões e abusos que sofreu. "Tudo começo com brincadeiras agressivas que foram piorando com tempo. Até amizades eu perdi por conta da obsessão do meu ex-namorado. Ele sempre se divertia em me humilhar", diz um dos seus tuítes.
Para a estudante, os relatos podem servir de alerta para muitas mulheres não se envolverem quando perceberem logo de imediato atitudes abusivas. Também serve para quem está num relacionamento abusivo e não percebe ou não tem coragem de denunciar por medo da sociedade, na qual sempre invalida a imagem feminina. Juntas nos apoiamos e temos força, complementa.
O perfil Colab Mulher ES foi criado no Instagram com o intuito de atuar como uma reede de apoio no combate à violência contra a mulher aqui no Estado. Apesar de ter apenas três dias que a conta foi criada, o perfil já alcançou um número maior que o esperado pelas criadoras.
Victoria Rosa é uma das idealizadoras do projeto e divide o trabalho com mais três amigas. Ela conta que a ideia de criar essa campanha já vinha desde o ensino médio, mas que essa quantidade enorme de exposed fez com que ela considerasse a iniciativa urgente. A gente não podia deixar passar. No Twitter, as pessoas expõem os relatos, só que ninguém dá assistência à vítima e isso acaba sendo esquecido, diz.
Somos uma rede de quatro mulheres, mas por ser colaborativa, ela é aberta para que outras pessoas possam participar, prestando um serviço ou enviando um conteúdo que possa ser compartilhado por nós, complementa.
Para Victoria, a importância dessa rede é principalmente dar voz às vítimas e prestar assistência a elas, além de democratizar a discussão. Advogadas e psicólogas já entraram em contato conosco pra ajudar. Estamos também em parceria com o Coletivo Nísia, de Vila Velha, que conta com advogadas na equipe para apoiar as vítimas que queiram prosseguir com o caso judicialmente.
Muitas vítimas optam pelo silêncio, por medo ou até mesmo por vergonha, já que em uma cultura extremamente machista, como a do Brasil, um outro problema é acrescido: a culpabilização da vítima. Muitas vezes este comportamento inclusive é naturalizado ou são buscadas justificativas para transferir à mulher a culpa dos abusos e/ou agressões sofridos.
MS preferiu não se identificar por medo da retaliação que poderia vir, tanto de seu ex-namorado quanto dos amigos dele, mas para que outras mulheres que tenham passado por situações parecidas não se sintam sozinhas, ela topou compartilhar seu relato com nossa equipe. Confira:
Meu namoro começou no carnaval, no meio de muita festa e beijo na boca e eu pensei ter encontrado meu príncipe encantado. Mas a realidade é que, às vezes, o príncipe no fundo é um sapo. No início era tudo lindo e eu realmente me sentia uma princesa, mas foi quando a intimidade chegou que tudo mudou.
Depois da nossa primeira vez, a única coisa que importava era o sexo, parte fundamental da relação. Me submeti a coisas extremamente constrangedoras só para agradá-lo. Toda vez que recusava uma transa era uma briga que eu arranjava. O que eu fiz pra você?, Não gosta mais da gente?, ele dizia enquanto a única coisa que eu queria era uma pausa da obrigação do sexo. Não tinha prazer, era uma obrigação pra manter meu relacionamento.
Muitas vezes me senti usada apenas como um atrativo sexual, a gente transava e ele me mandava embora. Hoje me constrange dizer que transei em locais diversos por insistência dele ouvindo: vai ser divertido, vamos ter histórias pra contar, o que inclui banheiros de baladas, praia, cinema e até na rua.
"Nossa! por que você fez isso? Que nojo de você! Fiz por medo, medo do que poderia acontecer se eu rejeitasse. Os gritos e escândalos eram a minha rotina, tudo era motivo de briga, humilhações no meio da minha família e amigos.
Um dia usei uma blusa decotada e ele disse: "Cobre isso! Só quem vê sou eu". Não parava enquanto não me via chorando. No Réveillon me chamou de prostituta antes da virada por causa da minha roupa. Um outro dia me jogou na parede no meio da rua para gritar comigo antes da balada, achei que ele fosse me bater, foi o pior dia da minha vida.
"Desculpa foi o álcool, não vai se repetir, ele sempre dizia. "Talvez ele tenha razão, dessa vez ele muda", eu pensava. Durante 1 ano e meio eu acreditei na mentira, o tempo passava e os episódios só aumentavam, minhas amigas tentaram me alertar, mas eu estava cega. Ele tem defeitos gente, mas as partes boas compensam as ruins, dizia. Essa foi a maior mentira que eu já contei. Por muito tempo acreditei nisso, até quando eu não tinha estruturas para suportar mais uma briga e ser culpada por todos os problemas da relação.
Depois de 1 ano de término consigo enxergar a verdade. Sou traumatizada pelo relacionamento abusivo que vivi de todas as formas possíveis e, infelizmente, vou levar isso pra vida inteira. Ninguém merece passar por isso na vida, não se submetam às ordens dos sapos disfarçados por aí. Todas merecem um príncipe encantado de verdade."
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