Cada vez mais aumenta o número de pessoas no Brasil que procuram um pet para fazer parte da família. Segundo dados da Pesquisa Nacional de Saúde, divulgada em 2019 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 46,1% dos domicílios têm pelo menos um cachorro. Já os gatos representam 19,3%. Ao todo, cães e gatos estão presentes em 47,9 milhões de domicílios no Brasil, sendo que os cães estão em 33,8 milhões.
Nessa busca, algumas pessoas optam por adotar um animal, procurando as Ongs, os Centros de Controle de Zoonoses (CCZs), as feiras de adoção ou os abrigos. Nesses locais, os animais, em sua maioria, são Sem Raça Definida (SRD), os populares vira-latas. Já outras pessoas preferem um pet de raça comprado em um canil ou gatil.
No caso dos animais adotados, a pessoa já sabe que ele pode vir com alguns problemas de saúde, afinal trata-se de um resgatado das ruas. Mas e no caso de um animal comprado em um canil ou gatil? Como se prevenir na hora da compra, evitando levar para casa um pet que possa apresentar problemas de saúde e ir até a óbito? E se isso acontecer, quais são os seus direitos?
Guilherme Guidi, bancário, membro do Clube Golden Retriever Espírito Santo, e tutor da golden retriever Nala, explica que essa questão dos canis é uma luta antiga que estão travando. “É tudo muito burocrático, a gente sempre pede fiscalização, até porque são muitas as denúncias no Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado do Espírito Santo (CRMV-ES) e nas prefeituras da Grande Vitória, mas nada acontece”, informa.
Ele explica que em relação aos golden retriever, são muitos estabelecimentos que só querem vender, estão interessados só no dinheiro, e depois não dão a mínima assistência. “E como não conseguimos que as fiscalizações sejam realizadas, elaboramos uma lista informando os itens que as pessoas devem se atentar na hora de comprar um animal de estimação de raça. Os relatos são muito tristes, por isso toda a atenção na hora de escolher o estabelecimento é primordial”, salienta.
Responsável Técnico
O vice-presidente do CRMV-ES, Douglas Severo, entende que os canis e gatis precisam estar registrados junto ao Conselho e possuir um Responsável Técnico (RT), no caso um médico-veterinário, como estabelece a Lei Federal nº 5.517/1968.
“É dele a responsabilidade pela nutrição dos animais, dando condições de que tanto as matrizes quanto os filhotes tenham a melhor condição corporal para a sua reprodução e o seu desenvolvimento. E só ele pode estipular o melhor calendário de vacinação e vermifugação dos mesmos, bem como realizar tais atividades, garantindo assim que os animais comercializados cheguem aos seus novos donos cheios de saúde e energia”, alerta.
Severo ressalta, ainda, que a ausência de registro, bem como de um Responsável Técnico, transforma o estabelecimento em um “canil ou gatil clandestino”, onde geralmente são noticiados os casos de maus-tratos.
“É importante lembrar que filhotes adquiridos nesses estabelecimentos clandestinos podem apresentar doenças, desde verminoses e desnutrição, até quadros mais graves, como as infectocontagiosas, como a parvovirose ou cinomose. E nesses casos, os gastos financeiros que o futuro tutor pode ter com consultas, internações e tratamentos medicamentosos podem superar em muito o valor pago pelo animal. E em casos mais graves, aquele pet que deveria trazer alegria e amor a todos os membros da casa, pode trazer tristeza e traumas caso venha a óbito”, alerta.
A importância de uma lei
O médico-veterinário e ex-presidente do CRMV-ES, Marcus Campos Braun, já sugeriu para a Assembleia Legislativa do Espírito Santo (Ales), em 2018, um Projeto de Lei nesse sentido. “Mas não obtive sucesso ainda”, ressalta.
“Isso é muito importante. Felizmente, em Pernambuco e no Rio de Janeiro essa Lei já foi sancionada (Lei nº 16.536/2019 e Lei nº 8.057/2018, respectivamente) e com isso reduziu substancialmente os casos de maus-tratos nos canis e gatis”, garante.
Ele explica que apesar da Lei nº 5.517/1968, que dispõe sobre o exercício da profissão de médico-veterinário, quem trabalha nesse ramo encontrou uma brecha através de uma Ação Repetitiva na justiça, com a justificativa de que a atividade exercida não é privativa do médico-veterinário e com isso se isentam de ter um Responsável Técnico no local. “Mas com esse Projeto de Lei que sugeri, e sua aprovação, isso acabaria”.
Braun ressalta que o problema, hoje, é que muitos canis e gatis querem entregar os animais o mais rápido possível ao tutor. “Eu poderia elencar uma lista de motivos, mas vou me ater apenas a redução de custo, ou seja, quanto mais tempo o pet fica no canil ou no gatil, maiores são os gastos do estabelecimento com vermífugos, vacinas e alimentação. Por isso, o tutor precisa cobrar a comprovação de que o pet passou por um tratamento de amplo espectro contra endoparasitas e ectoparasitas, exigir o esquema de vacinação completo e atestado por um médico-veterinário e conhecer, de alguma forma, o ambiente onde vive o animal e seus pais. Enfim, saber sobre a procedência do estabelecimento”, explica.
Para Braun, a fiscalização dos canis e gatis deve ser realizada pelo CRMV, através do Responsável Técnico de cada um desses estabelecimentos, exigindo de cada um a garantia do bem-estar e de saúde plena do animal, como é preconizado na Resolução 1.236/2018, do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) que norteia o que são maus-tratos. “Hoje, no Estado, possuímos alguns canis e gatis sérios e que respeitam os animais”.
Ele explica, também, que o pedigree não significa que o animal está com a saúde plena. “Ele só garante o histórico genealógico do pet. É mais uma certificação. Mas infelizmente, nos tempos atuais, não vejo mais como uma garantia pela forma como vem sendo adotado o registro de ninhadas. Precisamos aqui, também, de uma fiscalização mais adequada”, alerta.
Melhor custo-benefício
Fernando Ferrari, proprietário do Canil Liebenfrau, especialista nas raças Schnauzer Miniatura, Shih-tzu e Spitz Alemão, registrado no CRMV-ES, considera de suma importância a presença de um Responsável Técnico nos canis. “Mesmo não sendo obrigatório por lei, nós optamos pelo RT, no nosso caso, a médica-veterinária Lorrayne Lessa Barbosa. A presença dela aqui nos mostra como essa atitude melhora a qualidade da criação e do manejo de forma geral e ainda nos dá a tranquilidade da regularização e legalidade. Isso sem falar do custo-benefício, que é enorme”, atesta.
Ele explica que são várias as vantagens de se ter um Responsável Técnico no canil, entre elas a orientação sistemática e educativa no manejo dos cães, uma pessoa formada e antenada para ser ponte entre o canil e os órgãos competentes e um profissional que zele pelo bem-estar e o desenvolvimento responsável das matrizes e dos filhotes. “Nós somos a favor de uma lei que obrigue a ter um Responsável Técnico nos canis e gatis”, conclui.
Cuidado com os “clandestinos”
Para Maria Augusta Dalvi, presidente do Kennel Clube Capixaba, esses estabelecimentos deveriam, sim, ser fiscalizados. “Antigamente, isso era uma prática. Hoje, no Estado, são poucos os criadores que registram seus filhotes. Existem, infelizmente, muitos, os que a gente chama de ‘cachorreiros’, que não têm parcerias com nada, são clandestinos”, alerta.
Na opinião de Maria Augusta, canis e gatis com mais de cinco matrizes têm por obrigação constituir parceria com uma clínica veterinária. “É o que faço no meu canil”, explica.
Segundo ela, essa questão da fiscalização, vistoria das ninhadas, já foi colocada em pauta no Kennel Clube Capixaba. “Mas, infelizmente, a maioria dos associados foi contra porque teríamos que pagar um outro funcionário. Hoje, a única funcionária é uma secretária. Mas vou insistir nisso novamente”, garante.
Quanto ao pedigree, Maria Augusta explica que qualquer erro de informação ao sair daqui o pedido, não tem jeito, vai ser barrado na Confederação Brasileira de Cinofilia (CBKC), no Rio de Janeiro. “Tudo é realizado com muita seriedade”, ressalta.
Garanta os seus direitos
Você comprou um cachorro ou gato e ele adoeceu ou evoluiu ao óbito em pouco tempo. De quem é a responsabilidade?
Para o advogado, membro da Comissão de Proteção de Defesa dos Animais da OAB-ES, Filipe Corrêa, o caso trata-se de uma relação civil e de natureza consumerista com aplicação do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90). “Ainda que não seja firmado um contrato escrito – o que na verdade é o que se recomenda – persiste um contrato de natureza verbal, ou seja, o comprador paga o preço solicitado pelo vendedor, na confiança de que está adquirindo um animal minimamente saudável”, explica.
Além do mais, segundo ele, é obrigação do vendedor a apresentação de laudo técnico atestando o estado de saúde do animal na ocasião da compra e venda. “Caso o vendedor deixe de apresentar documentos ou dar informação errônea ou inverídica em relação ao estado de saúde do animal que está sendo comercializado, sua responsabilidade é objetiva, ou seja, independe da comprovação de culpa (imperícia, imprudência ou negligência)”.
Ele ressalta que a responsabilização judicial do vendedor pode ocorrer a título de dano material quanto ao custeio de todo o tratamento, internação, medicamento, bem como na devolução parcial ou até mesmo integral dos valores desembolsados pelo comprador para aquisição do animal. E também mediante condenação ao pagamento de indenização por danos morais.
Já no caso do vendedor que possui seu estabelecimento devidamente registrado e fiscalizado pelas instituições competentes, que forneceu todos os documentos atestando a saúde e comprovando a condição física, mental e ambiental em que o animal esteve inserido durante sua guarda, neste caso, se não for provado nenhum fato imputável ao estabelecimento, também não há que se falar em dever de indenizar, seja ele de natureza material ou moral.
O que dizem as prefeituras
Segundo o Subsecretário de Qualidade Ambiental e Bem-Estar Animal, Breno Panetto, da Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Semmam), de Vitória, pela Lei Municipal N° 8121/2011, todo canil ou gatil comercial na cidade deve possuir médico-veterinário responsável, sob pena de incorrer em advertência, multa ou cassação do alvará de funcionamento. As denúncias de maus-tratos podem ser realizadas por meio do Fala Vitória (156), do site da PMV e do aplicativo Vitória Online.
A Prefeitura de Viana, por meio da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, informa que os estabelecimentos de criação de cães e gatos são livres de alvarás sanitários, estando sujeitos à fiscalização em casos de denúncias sobre as condições sanitárias e maus-tratos, que podem ser realizadas nos órgãos ambientais, Comissão de Maus-Tratos da Ales e no Núcleo de Proteção aos Animais (Delegacia do Meio Ambiente).
Já a Fiscalização Ambiental da Serra fiscaliza os canis sempre que recebem denúncias. Ao constatar maus-tratos, o Código Municipal de Meio Ambiente é aplicado (Lei nº 2199/99). Nesta lei não há a exigência de Responsável Técnico nos locais. Denúncias através do telefone (27) 99951-2321, de terça-feira a domingo, das 8 às 0h, e na segunda-feira, das 8 às 17 horas.
A Secretaria Municipal de Desenvolvimento da Cidade e Meio Ambiente de Cariacica (Semdec) diz que a fiscalização é realizada, e em caso de denúncia é feita uma vistoria em conjunto com a Secretaria Municipal de Saúde (Semus). Caso haja a existência de maus-tratos, o responsável é autuado, podendo ser conduzido à delegacia. A atividade é dispensada de licenciamento ambiental. Denúncias podem ser feitas pela Ouvidoria (no site ou pelo 162), Semdec: 3354-5411 (das 8 às 16 horas) e Fiscalização Integrada: 0800-2839-255 (das 18 horas de sexta-feira às 23h59 de domingo).
A Prefeitura de Vila Velha, por meio da Coordenação de Bem-Estar Animal, da Secretaria de Meio Ambiente, informa que quando existe a comercialização de animais cães e Gatos, essa atividade é denominada Canil de Propriedade Particular e está sujeita à fiscalização da Secretaria Municipal de Saúde, tanto pelo CCZ (designado pela Lei Municipal 3500/1998), quanto pela Vigilância Sanitária, já que existe risco sanitário. Em caso de denúncias deve-se encaminhar a reclamação via Ouvidoria, pelo telefone 162, tanto para o CCZ, quanto para a Coordenação de Bem-Estar Animal, para que as providências sejam tomadas.
Cinco dicas importantes antes de comprar um pet no canil ou gatil
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01
O registro e a procedência
Veja se o canil ou gatil é registrado no CRMV no Estado onde ele está localizado. Se ele possui um Responsável Técnico, no caso um médico-veterinário, pergunte o nome e procure saber das suas qualificações. Confira os alvarás de funcionamento. Pesquise nas redes sociais e junto a grupos de proteção e defesa dos animais sobre a procedência do local. Muitos grupos de determinada raça se formam nas cidades a fim de se encontrarem e interagirem, procure-os. Saiba se já existem denúncias contra a empresa e seus proprietários. Fuja daqueles preços muito atrativos, informe-se sobre a média de custo da raça escolhida para se basear e fazer a melhor compra.
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02
Visite o local
Nunca inicie as tratativas única e exclusivamente pela internet. Isso é muito perigoso e você pode contribuir com estabelecimentos clandestinos que não se preocupam com as condições físicas, mentais e ambientais dos animais, e que podem incorrer em condições de maus-tratos. Visite o local, e caso eles digam não ser possível alegando que você pode levar doenças aos animais, insista. Canis e gatis sérios permitem visitas in-loco, já que possuem protocolos rígidos de manejo. Claro, você não vai entrar na maternidade, mas vai poder observar o ambiente onde as matrizes, os reprodutores e os filhotes ficam e como são tratados.
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03
Histórico das matrizes e filhotes
Exija todo o histórico de manejo do filhote, como vermifugação e vacinação assinado e carimbado pelo médico-veterinário. Além da ração administrada, se é de qualidade e adequada à faixa etária. E também exija todas as informações pertinentes sobre os pais.
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04
Diversidade de raças
Fique atento em relação a canis e gatis que oferecem uma grande diversidade de raças para compra. Geralmente os que trabalham corretamente, são muito criteriosos e atuam com uma quantidade mínima de raças – isso se não apenas uma –, justamente para fornecer maior cuidado e atenção a fim de garantir a qualidade da raça e a saúde plena dos animais comercializados.
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05
Documentação
Leia e releia o contrato de compra e venda, peça, se possível, a ajuda de um advogado. Ele é redigido pelo criador e não possui um padrão, mas algumas informações são de praxe, como nome de registro do animal, data de nascimento, nome e dados do criador e o preço pelo qual foi vendido. Já o pedigree contém todas as informações sobre o filhote, como nome de registro, árvore genealógica, data de nascimento, tipo de pelagem e em alguns casos, títulos e premiações. Este documento é emitido pela Confederação Brasileira de Cinofilia (CBKC), e é obrigatório para todos os padreadores e matrizes. Não saia jamais com o filhote sem um atestado assinado por um médico-veterinário garantindo a plena saúde do pet.
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